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terça-feira, janeiro 19, 2010

Um texto augusto

A talhe de foice

Por Machado da Graça

Não sendo, actualmente, leitor habitual do semanário Domingo, não me tinha apercebido que ele iniciou o ano brindando-me com uma página inteira de críticas, misturadas com abundantes, e cinicamente irónicos, elogios.
Mas mão amiga fez-me chegar o augusto texto, que li com atenção.
E comecei, é claro, pela assinatura: Tadeu Phiri. Não conheço. Pelo menos não conheço por esse nome, que há gente que usa um nome diferente para cada coisa que faz e eu já estou habituado a que os textos que me criticam ou atacam sejam quase sempre assinados com pseudónimos.
Pois o tal Tadeu Phiri, chamemos-lhe assim à falta de nome mais augusto, apresenta-se como jovem, provavelmente universitário e filho de um antigo admirador meu.
E desenvolve, ao longo de todo o texto, a tese de que eu mudei completamente as minhas posições, em relação a alguns dos temas candentes da actualidade desde “o período quase pré-histórico” em que era a favor da Revolução, do Homem Novo e da Ditadura do Proletariado.
E faz alarde dos seus arquivos, citando textos meus de 1990 e 1991. Se atribuirmos hoje a esse jovem uns 30 anos de idade, pode-se dizer que começou a fazer o arquivo muito cedo.
Mas voltemos ao tema central da prosa de quem se assina Phiri:
Pois o articulista procura lançar a ideia de que eu mudei radicalmente, deixando no ar a presunção de que nada mais mudou.
Eu era um entusiasta defensor da política da Frelimo e hoje com muita frequência critico a política desse partido.
E aqui começa a intencional confusão.
Porque a mudança principal é precisamente no seio da Frelimo.
O actual partido com esse nome nada tem a ver com aquele que dirigiu a chamada Primeira República.
O actual Chefe de Estado, com todas as suas qualidades e defeitos, pouco ou nada tem a ver com Samora Machel, com todas as suas qualidades e defeitos.
O regime que procurava implantar o Socialismo entre nós era o oposto do regime desbragadamente capitalista em que estamos mergulhados neste momento.
O regime, severo e austero, do “primeiros nos sacrifícios e últimos nos benefícios” estava a anos luz da corrupção que mina hoje a nossa sociedade e em que cada um procura encher os bolsos o mais possível, sem grande preocupação com a desgraça que existe na maioria da população. Casos de corrupção muitíssimo menos graves do que os que hoje assistimos, levaram os culpados a punições muito severas. Exageradamente severas, nos casos em que foi aplicada a pena de morte, na minha opinião.
Que eu saiba, Samora Machel morreu, pra­ticamente, sem nada de seu.
Que eu saiba, Armando Guebuza é um dos mais importantes empresários deste país. Há quem diga que é o mais importante de todos.
Nem uma nem outra das coisas é, objec­tivamente, errada. Mas indicam duas atitudes diametralmente opostas na vida. E na condução da política nacional.
Comenta Tadeu Phiri que escrevi bastante contra os primeiros partidos que foram surgindo ao abrigo da nova Constituição. E é verdade. Os Palmos, Unamos, Coinmos e outros que tais, eram uma verdadeira desgraça. E, honra lhes seja feita, esses não mudaram nada. Continuam a ser uma verdadeira desgraça. O Monamo era melhor que os outros mas pouco mais longe ia do que a figura do Dr. Máximo Dias. Não sei sequer se hoje ainda existe, mas creio que não. E não foram as minhas crónicas que con­tribuíram para a falência precoce dessas experiências políticas, como diz o meu augusto crítico. Foi a sua falta de qualidade interna.
Onde Phiri começa a mijar fora do penico é quando pretende usar a carta do racismo. Segundo ele, eu acredito que os africanos são incapazes de construir o roteiro do seu próprio desenvolvimento. E associa, sabe-se lá porquê, a minha designação de “patrioteiros” a jovens.
Ora eu começo por não fazer generalizações do tipo “os africanos são...” ou “os africanos não são...”.
Há africanos que são e há africanos que não são. Sendo todos eles africanos, Mandela não é igual a Mugabe. Seretse Kama foi muito diferente de Mobutu e por aí adiante.
E patrioteiros há-os de todas as idades. Eu diria mesmo que os jovens estão em minoria nessa categoria de gente.
Segue o bom do Phiri adiante chamando a atenção de que os países do G 19 não podem exigir que tenhamos bons sistemas de Justiça e combate à corrupção, em pouco tempo quando eles, nos seus países, demoraram séculos a conseguir isso.
É um argumento interessante. Leva-me, no entanto, a perguntar se devemos deixar de usar automóveis, telefones, aviões, com­putadores, etc. porque tudo isso levou muitos séculos a ser inventado noutros países.
Por fim vem a questão das mangedouras.
Phiri tenta virar contra mim a afirmação de que os patrioteiros podem estar à procura das benesses da sua atitude. Mas é difícil. Eu vivo de uma reforma da RM, tenho uma empresa em permanente crise, escrevo para jornais de poucos meios e faço uma ou outra tradução para arredondar algum fim do mês. Fraca mangedoura, a minha.
Já o amigo Phiri, quem sabe usando nome mais augusto, pode ter outras actividades. Quem sabe se não é mesmo sócio de alguma das empresas do cidadão Armando Guebuza?
Elas são tantas que é bem possivel...

P.S. – Uso nesta crónica o adjectivo “augusto”, aplicado quer ao texto em análise, quer a nomes próprios.
Segundo o dicionário de Francisco Torrinha, augusto significa “magestoso, respeitável, solene”.
Trata-se, portanto, de um elogio.

SAVANA – 15.01.2010, in Mocambique para todos

3 comentários:

  1. Muito interessante a resposta do Machado da Graça!

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  2. Mas se o tal de Tadeu Phiri realmente acredita no que afirma, porque não dá a cara, como o Machado da Graça?
    Eu não sou a favor de nenhum destes senhores, tenho a minha opinião pessoal sobre este assunto que guardo só para mim,mas se tivesse de publicar um artigo ou texto meu, nunca o faria debaixo do anonimato.
    Manuel Egídio

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  3. É mesmo interessante

    Espero que Tadeu Phiri queira até encontrar-se com Machado da Graca.

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