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domingo, outubro 11, 2009

Paz e violência

A talhe de foice

Por Machado da Graça

. A Paz assenta na Verdade, na Justiça, no Amor e na Liberdade (Papa João XXIII)

. Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas não se dizem violentas as margens que o oprimem. (Bertolt Brecht)

Nos dias que vão correndo muito se tem falado e comentado sobre o problema da violência e da necessidade de mantermos a Paz no nosso país.
Com o que eu estou completamente de acordo.
Se calhar já não estou tão de acordo com alguns dos pressupostos que me parecem estar por detrás desses ditos e comentários.
Porque, para a maior parte desses comentadores, violência é quando o povo sai para a rua, ou para o mato, matando, ferindo e destruindo a propriedade. Começa e acaba aí.
Enquanto para mim a violência é muito mais do que isso.
Os senhores que dominavam o governo colonial reuniam-se em salões majestosos, vestidos de solene fato e gravata, para elaborar as leis que oprimiam o nosso povo. Nunca ninguém os viu aos tiros, com as roupas manchadas de sangue.
E, no entanto, a violência que eles exerciam sobre o povo português e os povos das colónias era enorme. Era insuportável.
Tão insuportável que os povos de Angola, da Guiné e de Moçambique se viram obrigados a passar a actos de violência armada para acabar com essa violência gerada nos salões da opressão. Não havia outra saída.
E, perante isso, o governo colonial organizou os seus soldados para virem defender, de armas na mão, o sistema opressivo que queriam impor aos nossos povos. A violência não começou quando os soldados desembarcaram em África. A violência começou com as leis opressivas elaboradas nos luxuosos salões de Lisboa.
A violência começou com a injustiça dos colonizadores, a falta de liberdade dos africanos, as mentiras do opressor e a sua falta de amor por portugueses e africanos.
Tanto se lhes dava que morressem milhares de soldados portugueses e guerrilheiros da Frelimo, do MPLA e do Paigc, desde que os senhores de fato e gravata continuassem a tirar os seus enormes lucros da exploração das colónias.
Na altura o governo colonial chamava “terroristas” aos guerrilheiros nacionalistas, procurando insinuar que eles eram os únicos culpados do sangue que corria nas três colónias. Eles, por seu lado, estavam apenas a cumprir a lei. E mesmo, quando a lei não chegava para defender os seus interesses, alegremente a deturpavam ou passavam por cima dela.
Outro exemplo não vou dar porque o que se passou mais tarde, durante 16 anos, me parece ter tido características qualitativamente diferentes.
Mas este me chega.
Quando um governo é todo poderoso, controlando totalmente todas as áreas do poder, dificilmente fugirá a produzir leis que o ajudem a perpetuar-se no poder e a colocar os seus homens nos órgãos que elaboram essas leis e as fazem cumprir.
E, é claro, nas forças repressivas que serão chamadas a actuar se os cidadãos não quiserem acatar essas leis.
Costuma-se dizer que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente.
Corrompe a honestidade, corrompe a integridade, corrompe a economia, corrompe a moral pública, corrompe todas as regras de bem viver em sociedade.
Para quê? Obviamente para que aqueles que estão a enriquecer descontroladamente à custa de uma tal situação continuem a poder fazê-lo sem serem perturbados.
Só que o elástico pode ser muito esticado, mesmo muito. Mas, a certa altura, não dá para esticar mais e parte.
Espero que quem de direito esteja consciente dessa propriedade do elástico e não o estique demais.
A mim já me parece que se esticou de forma muito perigosa.
Se não queremos o rio a empurrar tudo à sua frente, vamos parar de apertar as margens por onde ele corre.
E isso me parece urgente.

Fonte: SAVANA

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