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domingo, fevereiro 25, 2018

Entrevista com Michel Cahen


Por Francisco Carmona

Não corremos o risco de ir às eleições de 2019 sem fecharmos o assunto desmilitarização e depois regressarmos à guerra, se uma das partes, neste caso, a Renamo, não conseguir aquilo que achava que iria conseguir?

Uma desmilitarização inacabada não é o risco principal. Como já disse, a Renamo não quer voltar à guerra, pode no máximo fazer o que chamei de propaganda armada. Mas os riscos são muitos: um levantamento popular no centro e norte do país, nas cidades e no mato, contra o custo de vida ou contra eleições sentidas como fraudulentas e que poriam a Renamo, sem o querer à partida, a ter que responder, entrar na defesa armada dos manifestantes? Uma táctica de violência intimidatória do governo da Frelimo ou de sectores da Frelimo, se o perigo de uma derrota em 2019 aparecer plausível (o que chamei “processo de mugabização”)? E o próprio resultado das eleições. Não deve haver CNE e STAE, deve haver uma única CNE independente, com meios. Vejo um grande perigo: a Renamo aceitou este primeiro compromisso com o poder não porque é satisfatório, mas porque permite ao Dhlakama sair do mato e entrar em campanha. Dhlakama não quer fazer como em 2014, quando saiu do mato a 04 de Setembro para um escrutínio a ter lugar sete semanas mais tarde. Quer sair agora para organizar a campanha autárquica, vista como primeira etapa da campanha presidencial e legislativa. Se a Renamo está convencida que vai ganhar e perde, a situação pode ser explosiva no país. “Free and fair”, as eleições nunca o serão num Estado neopatrimonial, mas têm que serem plausíveis. Isto é: toda a gente deve estar pronta a perder, a Frelimo deve começar a conceber que pode perder.
Será isso possível? A maneira de como as eleições autárquicas de 2018 se vão desenrolar será decisiva.

Como é que fica o MDM, a terceira maior força política, num cenário em que os líderes deste partido argumentam que a Renamo e a Frelimo formaram uma coligação (FRENAMO) para prolongarem a bipolarização?

O MDM não tem armas. É um partido pacífico e é isso que foi a sua simpática fraqueza. Lembro-me em 2014, a gente a dizer: “O MDM não tem armas? Mas então, quem vai nos proteger contra a Frelimo?” e votaram para a Renamo. Simango não alcançou ainda o estatuto de “Chefe Grande”. No entanto, a prazo, o MDM é muito perigoso para a Frelimo. Com efeito, apesar de este partido ser oriundo da Renamo, não conseguiu apanhar uma parte da base social da Renamo, salvo na Beira. Mas apanhou parte da base social da Frelimo, que, descontente contra a sua direção histórica, podia votar no MDM e muito mais dificilmente para a Renamo. O problema é que o MDM não me parece ter uma estratégia clara. Por exemplo, não propõe publicamente uma aliança com a Renamo. O MDM podia ganhar muita força com esta proposta pública e insistente, porque apareceria como mais unitário e seria o meio mais eficaz de impedir uma “Frenamo”. Depois das eleições, se a maioria legislativa absoluta não foi alcançada pela Renamo, mas que ela pode obtê-la com o apoio dos deputados do MDM, ele teria mesma uma importância grande.
Paradoxalmente, é provável o MDM recuar, a curto prazo, porque beneficiou muito do boicote das eleições autárquicas de 2013 pela Renamo. Esta vai recuperar. Mas o MDM tem um lugar no país. É um grande paradoxo na história de Moçambique: um país altamente heterogêneo – por exemplo, só há minorias étnicas neste país! – mas é politicamente bipolarizado. Outro país africano com a mesma heterogeneidade social e cultural teria vinte partidos representados no parlamento! Moçambique só tem três. O ideal seriam três com força comparável, obrigados a negociar, para impedir o sistema de “o vencedor leva tudo”.

Em alguns sectores argumenta-se que depois de ultrapassada a questão da descentralização e desarmamento, a próxima reclamação da Renamo será económica, sobretudo, a quota dos recursos naturais que a base social da oposição armada da Renamo se julga com direito. Tem a mesma percepção?

Toda a gente quer comer, é claro, sendo que uns comeram muito durante muito tempo e outros ficaram na pobreza absoluta, em particular na base social da Renamo. Moçambique continua um dos países mais pobres do mundo. Porquê, 26 anos depois do fim da guerra civil? Porquê, 26 anos depois de tanta ajuda internacional? Há o problema da elite económica do país, que não é uma burguesia produtiva. Depois do abandono do dito socialismo, o projecto de “capitalismo nacional” de Armando Guebuza foi um fracasso retumbante. Não houve revolução burguesa neste país, houve formação de uma elite rendeira. E há o problema de profundos desequilíbrios regionais. Um país que foi imaginado a partir do extremo-sul, em Maputo, nunca poderá ser regionalmente equilibrado. É preciso uma revolução cultural, é preciso pôr a capital no centro geográfico do país, isto é, na Zambézia.

Fonte: SAVANA – 23.02.2018

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