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domingo, fevereiro 28, 2016

Cheira Mal

Por Machado da Graça

A história dos refugiados moçambicanos no Malawi cheira cada dia pior. E o cheiro vai-se começando a pegar a algumas pessoas. As organizações internacionais que lidam com este tipo de situações são unânimes em relação às causas da fuga dos nossos compatriotas para lá da fronteira. Unânimes sobre o que dizem e unânimes sobre o que não dizem. Todas falam de abusos e crimes por parte das nossas Forças de Defesa e Segurança e nenhuma fala de problemas económicos, vontade de viajar, visitas familiares e outras coisas do género.

A última a vir a público foi a Human Rights Watch que fala de execuções sumárias, raptos de pessoas que nunca mais são vistas, violações sexuais e queima de residências e celeiros. Com testemunhos concretos devidamente documentados. Actos esses praticados por soldados devidamente fardados e transportados em viaturas militares do Governo. Do lado das nossas autoridades só se fala de comissões para investigar os factos, mas nunca mais essas comissões publicam os resultados do que apuraram.


Do lado governamental recordo as declarações (ou falta delas...) do Ministro Oldemiro Baloi, ao regressar do campo de refugiados, perante o microfone da Rádio Moçambique. Estava claramente chocado com aquilo a que tinha assistido e recusou-se a falar à imprensa antes de fazer o seu relatório ao Governo, dado que, segundo ele, o assunto era muito delicado.

Tudo o mais são cantigas para fazer o boi dormir de pé, como dizem os brasileiros.
Ora, o mais perturbador é que as Forças de Defesa e Segurança funcionam de acordo com uma cadeia de comando. Os soldados, ou polícias, que assassinam ou violam estão sob as ordens de vários níveis de superiores que, de acordo com uma hierarquia, acabam no topo, no Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança.

E nós, para além de umas declarações, muito infelizes, de que não há refugiados no Malawi, não sabemos o que pensa o eng. Nyusi de tudo isto. Não sabemos se foi ele que deu ordens para as forças agirem deste modo. Não sabemos se ele ignora o que se está a passar. E não sabemos qual é pior entre as duas hipóteses anteriores.

Mesmo no caso de não saber, a princípio, o que as forças que comanda andam a fazer, agora já não pode negar esse conhecimento. A não ser que lhe escondam os jornais e os relatórios que denunciam as atrocidades.

E se sabe e nada faz em relação a isso fica na situação desagradável de que “quem cala, consente!”.

Armadilha diabólica em que meteram o bom do engenheiro e de onde ele não parece conseguir safar-se.

Nem ele nem todos nós, do Rovuma ao Maputo.

PS – Até há pouco tempo, os únicos momentos em que podíamos ouvir, na Rádio Moçambique, a opinião dos partidos da oposição parlamentar sem “filtros”, por ser em directo, era nas transmissões das sessões plenárias da Assembleia da República. A partir do início da presente sessão isso deixou de acontecer. Creio que, preocupada com a nossa cultura musical, a RM prefere transmitir longas horas de música variada em vez daqueles discursos parlamentares que, por vezes, põem a nu coisas de que os ouvintes devem ser poupados. Obrigado, RM!

Fonte: SAVANA – 26.02.2016

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