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terça-feira, dezembro 01, 2015

UM INCONSISTENTE NO COMANDO DOS DESTINOS DE MOÇAMBIQUE

Por Alfredo Manhiça

Não é necessário ser um entendido em matéria sobre a política para perceber que o poder político é considerado legítimo, quer quando é aceite e existe a disposição de obediência por parte daqueles que não o detêm; quer quando é exercido por indivíduos ou grupos sociais não aceites pelos demais, mas capazes de impor a própria vontade sob qualquer forma de resistência (DIAS, 2010, p. 32).
Com efeito, em Moçambique, não obstante os principais partidos da oposição (a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique) e a opinião pública, em geral, tenham contestado os resultados das eleições gerais de 2014, a Frelimo - graças ao controlo absoluto que exerce sobre as instituições públicas e os respectivos funcionários (o que torna onerosa qualquer tipo de resistência) - manteve-se no poder, embora não tenha sido capaz de provar, com operações aritméticas, que, efetivamente, tinha ganho aquelas eleições.
O mais difícil é prever o futuro de um País quando o homem colocado em frente do seu destino é um inconsistente. Filipe Jacinto Nyusi é o homem inconsistente que Moçambique tem no comando do seu destino. Uma comparação com o seu predecessor, Armando Emílio Guebuza, resulta satírica!

Guebuza chegou à presidência da República com um programa específico a cumprir: revogar os progressos até então alcançados no processo da democratização das instituições públicas, através da revitalização dos órgãos de controlo, tais como as células e os comités do partido a todos os níveis; esmagar a oposição; e instaurar um sistema clientelista, de facto, capaz de permitir-lhe a utilização da sua função pública para tutelar os negócios e interesses privados e os do próprio partido.
Portanto, Guebuza lesou o País, economicamente e moralmente, e fê-lo porque o seu programa consistia precisamente em lesar. Filipe Nyusi está lesando o País e os cidadãos, ou porque não sabe para onde conduzir esta barca ou, se sabe, não tem capacidades de o fazer. Se não, vejamos:
- Depois de ter afirmado, no seu Discurso de Tomada de Posse, no dia 15 de Janeiro do ano em curso, que como Chefe de Estado primaria pela abertura ao diálogo construtivo com todas as forças políticas e organizações cívicas para promover a concórdia, logo a seguir - quando a Comissão Política do seu partido reagiu negativamente à sua iniciativa de encontrar uma solução negociada sobre a controvérsia eleitoral - Nyusi mudou de discurso e, a partir do dia 22 de Abril, em ocasião do comício popular que orientou na vila-sede do distrito de Marracuene, começou a mandar recados dizendo que não gostaria de se ajoelhar a nenhum moçambicano para pedir a paz.
- Quando as Forças de Defesa e Segurança, a Polícia e a Força da Intervenção Rápida, se aperceberam que a paz não era possível por via de diálogo porque o Comandante-Chefe já não estava disposto a dialogar, com as suas ordens, ou com o seu consentimento, ou com o seu silêncio cúmplice, começaram a montar emboscadas que visavam assassinar o líder da Renamo.
- Quando falhou a minuciosamente orquestrada emboscada do dia 25 de Setembro, na Estrada Nacional n. 6, no distrito de Gondola, e Dhlakama refugiou-se nas matas, Nyusi tornou-se, imediatamente, disponível para o diálogo mas, logo a seguir, quando os mediadores nacionais conseguiram trazer Dhlakama até a sua residência da Beira, na manhã do dia 9 de Outubro, Nyusi já não estava disponível para o diálogo. A disponibilidade para dialogar tinha-se transformado em disponibilidade para exibir musculatura consistente em desarmar compulsivamente a Renamo, começando pelo desarmamento da guarda do seu líder.
- E, enquanto a ordem de desarmar a Renamo estava ainda em execução, e os seus frutos não eram ainda conhecidos, no dia 19 do corrente mês, durante a cerimónia de graduação de guardas penitenciárias, no distrito de Moamba, o Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança moçambicanas, o senhor Nyusi, emitia a ordem de suspender a campanha de desarmamento compulsivo da Renamo, e anunciava a sua disponibilidade para dialogar.
Para nós que estudamos ainda no tempo colonial, e os portugueses ensinaram-nos que "quem mente uma vez mente sempre", este comportamento do nosso Presidente da República é desconcertante. Não se percebe como é que Filipe Nyusi espera que o líder da Renamo e os moçambicanos em geral, tenham fé na sua última declaração sobre a sua disponibilidade para o diálogo se, em menos de um ano, já disse e desdisse o mesmo, mais de cinco vezes, quer com palavras quer com obras.
O nosso Chefe de Estado faz uso gratuito das palavras, como se ele não tivesse consciência do alcance e do efeito que as mesmas podem ter nos seus interlocutores e ouvintes; como se ele fosse quem atribui o sentido às palavras e aos conceitos que usa nos seus pronunciamentos; como se os seus interlocutores e ouvintes não tivessem nenhuma capacidade de fazer uma analise comparativa entre o que ouvem antes e o que ouvem depois no decurso de um discurso ou em discursos que se seguem um ao outro; o nosso Presidente da República ‘so-fala”!
Não estou, aqui, a fazer nenhum juízo de valores sobre a pessoa do cidadão Filipe Jacinto Nyusi, porque não o conheço de lado algum, e nem seria autorizado a faze-lo porque não sou psicólogo. Esta observação nasce de uma simples constatação da inconsistência que caracteriza o homem que foi colocado no comando dos destinos da “nossa terra gloriosa”.
Aliás, a inconsistência de Filipe Nyusi não deve ser entendida como uma questão pessoal. Ela é uma manifestação da crise de legitimidade, cujas consequências poderão ainda agravarem-se num futuro eminente. Ele carece de legitimidade enquanto Presidente da República, e carece de afirmação no seio do seu partido.
O seu Discurso de Tomada de Posse foi aclamado pela maioria dos moçambicanos porque tinha sido elaborado e foi entendido como se fosse, por um lado, um reconhecimento público do facto de não ter sido legitimado pelo veredicto das urnas para ocupar o cargo da presidência da República e, por outro lado, como se fosse uma promessa, feita ao povo moçambicano, de conquistar, pelas obras, aquilo que não tinha conseguido pelo veredicto das urnas. Até aqui estava tudo bem.
A inconsistência do Presidente Nyusi nasce do conflito existente entre as políticas que ele precisa de implementar para conquistar a legitimidade que lhe foi negada pelo sufrágio eleitoral, e os interesses privados da nomenclatura e pessoas influentes do seu partido. Para superar, com sucesso, este conflito, Nyusi precisava de ter um poder real, dentro do partido. A transferência formal da presidência do partido, realizada na segunda metade do mês de Março, de Armando Guebuza para Filipe Nyusi, não foi, infelizmente, seguida pela transferência do poder real/efetivo. Portanto, a inconsistência do Presidente da República deve ser entendida como reflexo da sua batalha pela conquista da legitimidade que as urnas lhe negaram, e pela afirmação no seio do seu partido.
Consciente da escassez do tempo disponível para combater as suas duas batalhas, e suspeitando que a situação poderá deteriorar-se dentro de pouco tempo, devido à situação económica na qual se encontra o País, Nyusi deve ter pensado em conquistar aquilo que não conseguiu obter através do sufrágio eleitoral e nem poderá obter através das obras, apresentando aos moçambicanos em geral e aos membros mais influentes do seu partido, a cabeça de Afonso Dhlakama.
Portanto, a ordem de suspender a campanha do desarmamento compulsivo da Renamo e o novo anúncio da sua disponibilidade para dialogar, devem ser entendidos, ou como um outro truque para que alguém lhe traga Dhlakama ao alcance da mão, ou uma confissão pública do insucesso do plano que visava servir-se da cabeça de Dhlakama para obter legitimidade e afirmação.
Alfredo Manhiça

Fonte: Mural do autor - 30.11.2015


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