Testemunhas recordam como Guebuza via e chamava os seus críticos
- Além de enquadrar a contundência linguística de Castel-Branco ao momento
político que se vivia na altura, as testemunhas sugerem que a aspereza
linguística também era usada no sentido Guebuza para os seus críticos
- Sentença marcada para o dia 16 de Setembro corrente
A quarta secção do Tribunal do Distrito Municipal de Kampfumu julgou, esta
segunda-feira, o académico, pesquisador e professor universitário, Carlos Nuno
Castel-Branco e o jornalista e editor do mediaFAX, Fernando Mbanze.
O julgamento ocorre no seguimento do caso iniciado pela Procuradoria do
Distrito Municipal Kampfumu a mando da Procuradoria da Cidade de Maputo,
acusando Castel-
Branco de ter difamado e caluniado o então presidente da República, Armando
Emílio Guebuza. O crime configura-se na legislação moçambicana, como contra a
segurança do Estado.
Já Fernando Mbanze, segundo se sabe, é acusado de abuso de liberdade de
imprensa pelo facto de ter publicado o artigo no mediaFAX.
Início da sessão
A sessão iniciou poucos minutos depois da hora 9, com o juiz da causa, João
Guilherme, a dar espaço para o Ministério Público ler a acusação que a sua
instituição estava a mover contra os réus. A acusação sustentava-se,
basicamente, em inferimentos e interpretações pelo acusador ao texto publicado,
argumentando que algumas palavras e adjectivações concretas punham em causa a
honra, o bom nome e a reputação da pessoa de Armando Emílio Guebuza como pessoa
particular, mas também como Chefe de Estado.
Houve espaço para o pesquisador e professor universitário, Carlos Nuno
Castel-Branco se explicar. E de facto se explicou.
Reiterou que escreveu o texto movido por um genuíno objectivo de dar o seu
contributo para o desenvolvimento do país e ainda para defender o Estado
moçambicano de sinais e sintomas de má governação.
Reiterou que não está nem tão pouco arrependido do que escreveu e nem se
envergonha porque acredita que fez com a melhor das intenções e, efectivamente,
as ideias foram debatidas.
No fim, depois das alegações finais, Castel-Branco contou a história do
camponês com o seguinte teor:
“Quando o camponês descobriu que o tribunal que o julgava o estava a
enganar e a enganar a sociedade, o camponês subiu o tom da sua crítica contra o
sistema”.
Depois foi a vez de Fernando Mbanze também dizer e explicitar, no
, as razões de fundo que terão
concorrido para decidir pela publicação do artigo de opinião do professor
Carlos. Na resposta, Fernando Mbanze explicou que o post de Carlos Nuno
debatia, essencialmente, assuntos de governação. Fernando Mbanze focalizou a explicitação
e argumentação em apenas dois tópicos que falavam essencialmente de questões de
ordem, tranquilidade e segurança públicas.
Fernando Mbanze disse, por exemplo, que a problemática dos raptos e a
tensão político/ militar tinham se transformado em verdadeiras razões de
desestabilização pública e familiar, realidade sobre o qual o governo não
mostrava qualquer competência de resolução.
“Era um momento atípico. Era um momento em que havia uma espécie de
descontrolo governamental e muitos cidadãos se mostravam completamente
indignados com o rumo que o país estava a tomar” – disse, Fernando Mbanze,
justificando que a linguagem áspera usada no texto deve ser contextualizada
pela peculiaridade do momento bastante turvo que o país atravessava.
Acrescentou que o facto de o post ter debatido questões como raptos,
tensãopolítico/militar e desenvolvimento/pobreza dava claramente um valor
deactualidade e de interesse geral, daí queo assunto tinha que merecer
debatepúblico mais alargado.
“Assim, o mediaFAX como órgão de informação, tinha a obrigação de ampliar o
debate público de ideias porque, acreditamos nós, é assim como se faz o jogo
democrático. Não importa quem concorda ou quem discorda. O importante é que
contribuímos para que o assunto fosse amplamente debatido”– disse.
Testemunhas recordam linguagem de Guebuza
As testemunhas arroladas pela defesa disseram ao tribunal que o conteúdo
escrito e publicado por Castel-Branco e posteriormente republicado pelo
mediaFAX em nenhum momento ofende a honra dignidade e reputação do Presidente
da República. Tratouse, isso sim, de crítica política e a linguagem forte e
mordaz que se usou é própria do ambiente politico que se vivia na altura.
Mais ainda, as testemunhas não deixaram de associar a linguagem dura e
severa usada no texto com a linguagem dura e excessivamente dura usada pelo
então Presidente da República para se dirigir e responder aos seus críticos e
ao povo moçambicano no geral.
Recordaram, por exemplo, que Armando Guebuza não pestanejava para chamar e
apelidar os seus críticos críticos usando termos como tagarelas, delirantes,
apóstolos e profetas da desgraça.
Chamando nomes aos seus críticos, ficou a percepção de que os críticos
tinham também o direito de usar uma linguagem dura. Aliás, uma testemunha arrolada
pelo réu Fernando Mbanze chegou mesmo a sugerir que a linguagem usada por
Carlos Nuno tinha sido simpática, tendo em conta o momento bastante conturbado
que o país vivia.
“Eu acho que a crítica deveria ter sido mais severa tendo em conta o clima de
ingovernabilidade a que o país estava”– disse Armando Nenane.
Jaime Macuane, testemunha arrolada por Carlos Nuno recordou que “certa vez
o Chefe de Estado chegou a chamar delirantes aos críticos”.
“Se a Doutora (Sheila Matavele Cossa) está recordada, termos como
tagarelas, apóstolos da desgraça foram introduzidos pelo ex-Presidente (Armando
Guebuza)” – recordou Francisco Carmona, arrolado pela defesa do réu Fernando
Mbanze.
Por diversas vezes, dirigindo-se a população em comícios populares, Guebuza
chegou a dizer reiteradamente que no país não havia pobreza e nem havia falta
de emprego.
O que havia, segundo Armando Guebuza, era o que chamava de “pobreza
mental”, alegadamente porque o povo não via e nem sabia aproveitar as várias
oportunidades de que o país dispunha.
Em outras ocasiões Armando Guebuza, publicamente dizia que a tensão
político/militar tinha sido inventada e adubada pelos jornalistas.
Armando Guebuza disse também durante o seu mandato que os críticos deste
país não eram críticos porque só criticavam por criticar, mas nunca sabiam
apresentar soluções.
Sentença no dia 16
A sentença do caso está marcada para o dia 16 de Setembro corrente, a
partir das 9 horas, segundo decidiu o juiz da causa, João Guilherme.
Portanto, será neste dia, daqui a 15 dias, que se saberá se o tribunal terá
dado razão à procuradoria, ou então, aos réus.
Antes do término da sessão, a acusação manteve tudo que consta da acusação
inicial e pediu, por isso, que o tribunal condenasse os réus, alegadamente pelo
facto, de durante a sessão de julgamento, ter ficado provado que os réus
cometeram os crimes de que são acusados. Apesar de manter a acusação tal e
qual, a digna magistrada do Ministério Público não acrescentou absolutamente
nada em termos de argumentos reais e concretos que efectivamente pudessem
consubstanciar o cometimento de qualquer crime, senão simples interpretações
linguísticas.
Entretanto, a defesa, com argumentos mais trabalhados, disse que a sessão
de julgamento não produziu absolutamente nada em termos de matéria
incriminatória contra os réus.
Aliás, João Trindade, advogado de Castel-Branco, disse que a ter havido
qualquer crime, o mesmo só pode ter sido pelo facto de os acusados terem
emitido as suas genuínas opiniões.
Por seu turno, Álvaro Pinto Basto, advogado de Fernando Mbanze, além de
argumentos bastante trabalhados e demonstrativos de que o editor do mediaFAX
apenas cumpriu o seu papel de informar e abrir espaço para debate de ideias,
apontou questões processuais que podem fazer cair todo o processo.
Um dos aspectos é o facto de a acusação ter dito que o texto põe em causa a
honra, o bom nome e a reputação do cidadão Armando Guebuza, mas também do Chefe
de Estado. Esta colocação abre espaço para que o carácter especial do suposto
crime exija a audição e pronunciamento do ofendido.
Ou seja, ser ouvido para dizer se efectivamente se sentia ofendido ou não.
E isso não foi feito. (Raf. Ricardo e Ilódio Bata)
Fonte: MEDIAFAX – 01.09.2015
Eu acho q problema nao e dos reus e da nossa instituicoes q nao tem orgaos compentes para entender a dinamica dos paradigmas da epoca contemporanea
ResponderEliminarInfelizmente pelo que se pode notar, as nossas instituicoes de justica sao mandadas por pessoas e nao por leis, dai que, obedecem a tdo o que se lhes manda fazer mesmo que notem que isso nao obedece a lei...
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