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sexta-feira, fevereiro 27, 2015

É O FEITIÇO QUE SE VOLTA CONTRA OS FEITICEIROS E OS OPÕE UNS CONTRA OS OUTROS

Por Alfredo Manhiça

O subterfúgio que consiste em desviar a opinião pública do debate dos problemas reais que dificultam a convivência pacífica dos moçambicanos, recorrendo à atribuição da paternidade das reivindicações dos partidos de oposição à “mão externa invisível” – que até bem pouco tempo era uma característica singular do Coronel Sérgio Vieira – está a ganhar terreno no seio do partido Frelimo e dos seus exponentes académicos.

A seguir às acusações de ingratidão pela hospitalidade e de conspiração contra a soberania nacional, feitas ao Professor Gilles Cistac, pelo secretário para a mobilização e propaganda e porta-voz do partido Frelimo, Damião José, autores “anónimos”, sobejamente conhecidos, começaram a infestar as redes sociais com mensagens  que atribuem a paternidade das reivindicações de Afonso Dhlakama e da Renamo ao Embaixador dos Estados Unidos de América (EUA), Douglas Griffths, em conivência com as diplomacias alemã, britânica, italiana, francesa e portuguesa.

Antecipando a proposta de Anteprojeto de Lei sobre as Regiões (ou Províncias) Autónomas, a ser apresentada pela Renamo na Assembleia da República (AR) – conforme o acordado no histórico encontro entre o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo - os propagandistas ao serviço do partido no governo, em vez de animar o debate sobre a pertinência ou impertinência das tais reivindicações, mostram-se preocupados em desacreditar a Renamo e Afonso Dhlakama, apresentando-os como “cavalos de troia” dos interesses económicos dos americanos e dos europeus. 

Agindo desde modo, revelam-se propagandistas da segunda classe. Ainda não descobriram que, para não soar absurda, a construção duma mentira deve conter uma certa dose de verdade. Esta propaganda nem sequer qualifica para ser considerada uma mentira porque é absurda. Basta notar que, contrariamente aos princípios básicos da ética política vigentes na União Europeia (UE) e nos EUA, em todos os cinco pleitos eleitorais realizados na história da democracia moçambicana, as Missões de Observação Eleitoral (MOE) daquelas potências ocidentais foram repetidamente constrangidos a declarar que as eleições tinham sido justas e transparentes, e que as irregularidades não tinham determinado o resultado final, tudo isso porque precisavam de tutelar os próprios interesses económicos garantidos, não pelas leis moçambicanas, mas pela continuidade da governação da Frelimo.

Julgando a partir deste posicionamento, pode-se concluir que enquanto a prioridade da política externa dos países ocidentais, em Moçambique (e em muitos outros países do continente africano), continuar a priorizar o controlo privilegiado das reservas de matéria prima para o aprovisionamento das próprias indústrias e, tal garantia depender, não das leis mas dos acordos celebrados com a elite do partido no poder, com as empresas controladas pela elite ou pelos membros das suas famílias,  é improvável que um diplomata ocidental possa conceber qualquer projecto ou lobbying capaz de potenciar o capital político dos partidos da oposição.

A UE e os EUA precisam da Renamo e dos restantes partidos de oposição só para garantir a regularidade da realização da farsa teatral das eleições. Mas quando chega o momento das negociações e conjugações do capital monetário ocidental com o capital político local, em vista das concessões e apropriações dos jazigos de rubi, das areias pesadas, de carvão mineral ou do grande negocio de gás natural, ou das terras aráveis, a oposição, a Renamo em particular, e o resto dos moçambicanos, não servem para nada e nem devem ser informados de todos os contornos dos acordos celebrados. Os únicos que servem são os vértices do partido no poder. De facto, a expropriação de cerca de 1,5 milhões de hectares, a cerca de 4,5 milhões de camponeses, no corredor de Nacala, feita a favor das empresas portuguesas como o Grupo Amorim, a Rio Forte, a Miguel Pais de Amaral, não foi concordada com a Renamo e os parceiros beneficiários  (a Mozaco, a Agro Alfa, o Moza Banco, o Banco Único, a AgroMoz, o Corredor Agrom, etc.) são empresas controladas, não pelos membros da Renamo, mas pelo presidente e outros altos dirigentes do partido Frelimo, ou pelos membros das suas famílias.

O mesmo se pode dizer do escandaloso negocio sobre EMATUM que o governo francês não precisou da Renamo para obtê-lo e, se se considera que esta empresa foi avalizada positivamente pelo Estado moçambicano um crédito internacional de 850 milhões de Euros, sem sede, sem direcção e sem infraestruturas, torna-se evidente que o único garante da dívida contraída, quer nos EUA como na UE, é a continuidade do governo da Frelimo

E, para sacrificar o interesse nacional, construindo uma plataforma flutuante de gás natural liquefeito (LNG) no Rovuma, contra a óbvia necessidade de construí-la em terra, para favorecer a sua ligação com a economia moçambicana, o governo italiano e o grupo petrolífera ENI não precisaram de negociar com Afonso Dhlakama. Negociaram com o presidente do partido no poder e é a ele que, em gesto de reconhecimento pelos "serviços" prestados, cederam parte dos seus interesses nos novos blocos de petróleo.
O mau e empobrecedor vício de evitar debater questões pertinentes, privilegiando os sofismas está a tomar de assalto a nossa classe intelectual. Por conseguinte, alguns acadêmicos e analistas políticos acabam de lançar, por exemplo, uma nova cruzada que, ignorando as razões pelas quais o líder da Renamo percorre o País fazendo comícios, concentram as suas atenções na mera justificação do desdobramento dos quadros seniores da Frelimo pelas províncias, apresentando-o como exercício do direito da liberdade de expressão, à semelhança do que faz Afonso Dhlakama. Facto está que o périplo do líder da Renamo pelas províncias de Centro e Norte não tem como objetivo o exercício do direito de liberdade de expressão, é um protesto contra as irregularidades que caraterizaram as eleições de 15 de Outubro de 2014. Por uma questão de coerência intelectual é obrigatório partir deste dado, passando pelo encontro realizado entre o Presidente Nyusi e o líder da Renamo, para avaliar a legitimidade ou ilegitimidade do desdobramento dos quadros seniores da Frelimo pelas províncias, negando publicamente a “governação autónoma”, exigida pela Renamo.

Há três semanas atrás publiquei, neste mesmo espaço, ed. 290, de 04 de Fevereiro de 2015, um outro artigo no qual - contrariamente  à propaganda pontificada pelos dirigentes do partido Frelimo e difundida pela imprensa controlada pelo mesmo partido - mostrava a falsidade e a hipocrisia das acusações que se fazem pesar sobre o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, segundo as quais as sua reivindicações atentam contra a Constituição da República de Moçambique e incitam a divisão do País. Observando que as reivindicações de Dhlakama não podiam, de forma alguma, incitar a divisão do País - porque ele foi já dividido pela desastrosa governação da Frelimo - mostrei também que a divisão real não era entre o Sul e o Centro-Norte mas entre os incluídos e os excluídos.

O objetivo do presente artigo é de salientar o erro de cálculo dos "feiticeiros", mostrando que o seu "feitiço" não só se volta contra eles mesmos, mas também os priva da capacidade de distinguir os amigos dos inimigos e torna-os semelhantes a dementes de armas em punho, decididos  a disparar indiscriminadamente, atingindo, em primeiro lugar, os próprios aliados.

A epopeia das Eleições Gerais de 15 de Outubro de 2014, que parecia ter terminado com a atribuição da vitória (não confirmada pelos respectivos editais) ao partido Frelimo e o seu candidato, Felipe Nyusi, na verdade ainda não teve o seu desfecho. O fantasma de fraude eleitoral continua a atormentar o Presidente proclamado, Felipe Nyusi, e faz com que a sua prioridade seja a conquista da legitimação que não conseguiu obter das urnas. O vencedor real das eleições fraudulentas de 15 de Outubro não foi Nyusi. Foram todos aqueles que se desdobraram para forjar aquela vitória, contra a vontade explícita dos eleitores. Nyusi só viria a começar a sua batalha depois da sua tomada de posse.
Embora no primeiro momento parecesse que o interesse dos mentores da fraude coincidisse com os interesses de Nyusi, em breve tempo  começou a manifestar-se o erro do cálculo: enquanto, para Nyusi, é imperativo negociar com as forças de oposição (é a condição sine qua non) para legitimar-se, a agenda dos que o colocaram na presidência da República é contrária a qualquer tipo de entendimento com a oposição ou de reforma de administração pública; ela privilegia o aniquilamento de todas as forças políticas de oposição e o controlo de tipo neopatrimonial das instituições públicas, para garantir a impune delapidação do erário público. Daí o desencontro (destinado a agravar-se) entre os caminhos percorridos por Nyusi e os percorridos pela CP do partido.

Tenho impressão que o erro foi de base: os “libertadores” da nossa “pátria amada” concentraram todas a suas energias e forças na libertação da nação e esqueceram-se de libertarem-se, eles mesmos, do jugo colonial. De facto, a economia colonial tinha sido pensada e estruturada em função da exploração da mão de obra e dos recursos existentes, para o enriquecimento da metrópole. Os libertadores de Moçambique esqueceram-se de se libertar desta lógica. Em parceria com os mesmos europeus e americanos que hoje os acusam de incitar Dhlakama a rebelião, adoptaram os mesmos esquemas da economia colonial, em função  do próprio enriquecimento. É evidente, portanto, que não há nenhuma “mão externa” na questão política moçambicana. As mesmas razões que levaram os libertadores a combater o colonialismo português são as mesmas que levam os partidos de oposição a protestar contra a governação da Frelimo.


                                                                                                       Alfredo Manhiça  


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