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segunda-feira, janeiro 12, 2015

“Maldição dos recursos” naturais pariu o acórdão do CC

Por Noé Nhantumbo

Vírgulas, extemporaneidade e outras armadilhas judiciais


Quando não se falava de riqueza nem de recursos minerais de valor estratégico, Moçambique caminha a seu ritmo e sem convulsões.
Logo que começaram a ser identificados ou ressuscitados os “dossiers” adormecidos, as coisas começaram a mudar.
Se durante a I República, em nome de um regime que se dizia socialista e primava pelo estabelecimento de uma economia superintendida e controlada pelo Estado, a acalmia era a característica predominante no seio dos funcionários a todos os níveis. Seguiam-se as orientações do partido no poder, que se confundia com o Estado. Tudo estava sob controlo e ninguém se atrevia a “saltar o arame”.
A partir da altura em que a fachada e charada socialista desmoronaram, tudo mudou.
O advento de ministros-empresários alicerçados na tese do “Empoderamento” Económico Negro deu lugar a uma corrida desenfreada por posições de controlo de uma economia que havia sido privatizada essencialmente em benefício exclusivo dos detentores do poder executivo e seus comparsas.

É importante não perder de vista que a intolerância política e a recusa de se aceitarem consensos funcionais têm como base o acesso e controlo do “dossier” dos recursos naturais de Moçambique.
Partindo de posições de força e de exclusividade, os detentores do poder só fizeram cedências e negociaram a Paz de Roma como forma de garantir que nada mudava quanto ao “status”.
Rodeados de uma série de dispositivos de controlo efectivo do poder executivo e judicial, estavam convencidos de que, por mais reclamações que houvesse por parte da oposição política, as suas posições de controlo não sofreriam.
Secretismo negocial, parlamento de pacotilha e sob controlo, acordos de partilha entre uma suposta elite política constituída por “camaradas” blindaram posições e determinaram regras de jogo específicas.
Devido à alta de preços de diversas mercadorias no mercado internacional e atendendo a que as corporações sabiam o que o país tinha desde os tempos em este era colónia de Portugal, apoiados pelas instituições de Bretton Woods, os “lobistas” começaram a bater às portas do poder em Maputo.
Embaixadas e embaixadores, serviços de inteligência e congéneres fizeram estudos, e relatórios foram encaminhados, conclusões foram tomadas, e, da noite para o dia, começaram a ser publicitadas descobertas de recursos minerais como se isso fosse verdade. O que se anuncia como descoberta já era do conhecimento dos portugueses e do mundo inteiro. A geologia de Moçambique não nasceu com o advento da II República.
Neste jogo, todo a oposição ficou de fora, e os ministros dos pelouros respectivos terão certamente enriquecido com as suas “assinaturas”.
A nomenclatura ficou galvanizada ao descobrir que poderia tornar-se rica e competir com os seus pares de Angola, da África do Sul ou do Zimbabwe.
Mas como manter segredo ou controlar este “Eldorado”?
Aí é que se socorre do controlo dos poderes democráticos, através de uma mescla de promiscuidade e formalismo. Somos e temos poderes democráticos, mas, ao fim do dia, o executivo controla todos, e a cúpula do partido no poder está no topo da pirâmide que decide.
Se quisermos ser minimamente honestos, à pergunta sobre quem trouxe a Kenmare e a Sasol, teria como resposta?
São estes que, cavalgando a crista da onda das descobertas dos recursos, estenderam e ampliaram o seu poder a olhos vistos.
De uma maneira mais ou menos infantil a oposição pensou que a tomada do poder político alteraria as regras do jogo. Com o campo político-eleitoral mais ou menos bem minado e controlado e com o Tribunal Constitucional também sob controlo, a prepotência e arrogância de alguns aumentou exponencialmente.
Se antes o enriquecimento ilícito acontecia por via do endividamento público, supostamente para defesa da pátria, agora existia e existe a oportunidade de negociar concessões mineiras e florestais.
Eis a maldição dos recursos naturais.
A escandalosa troca de proprietários no negócio do carvão de Tete é simplesmente a ponta do iceberg e, se há algum barulho ou comunicados da Autoridade Tributária, isso faz parte daquele jogo que acontece por força de pressão da sociedade civil e de organismos como a Transparência Internacional e similares. Uns tinham os “diamantes de sangue”, e nós tempos o “carvão e gás de sangue”.
Compra-se e vende-se activos minerais e energéticos e todos ficam a ganhar, menos Moçambique e a maioria dos moçambicanos.
Os que querem convencer os moçambicanos a aceitarem o inaceitável são os mesmos que beneficiam das riquezas de Moçambique. E nessa teia de interesses e pessoas, temos gente situada em tudo aquilo que são órgãos deliberativos, executivo, parlamento e sistema judicial.
A arquitectura orgânica dos órgãos de poder em Moçambique obedeceu a uma agenda determinada.
O Conselho Constitucional, ao homologar aquilo que a CNE/STAE entregou como resultados das eleições de Outubro de 2014, nada mais fez do que cumprir a agenda pré-determinada.
Tudo foi montado para que o “bolo” continuasse a ser consumido unicamente pelos mesmos de sempre. Se antes tinham o benefício da “loja dos dirigentes”, agora o “bolo” cresceu. Têm rubis, ouro, petróleo, gás, ferro, camarão, madeira, arroz, tabaco, logística portuária, transportes rodoviários e aéreos, caminhos-de-ferro, bancos, instituições de ensino primário, secundário, superior, cadeias de distribuição de insumos de todo o tipo e natureza, segurança privada e muito mais.
Este é o emaranhado político-judicial despoletado por um Conselho Constitucional que obviamente não poderia ter feito outra coisa diferente. O CC, na sua actual configuração, não é mais do que um instrumento judicial irrecorrível, ao serviço do poder instituído.
Como sempre, a última palavra caberá aos políticos.

É aí que veremos se existe liderança serena, responsável e patriótica. (Noé Nhantumbo)

Fonte: Canalmoz - 12.01.2015

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