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segunda-feira, julho 28, 2014

Materiais de Votação, conflito de interesse e fiscalização independente

Por Marcelo Mosse 
Pouco depois de adjudicar o fornecimento de materiais eleitorais às empresas Académica e Escolpil, e depois das revelações do SAVANA sobre as ligações dessas empresas a membros proeminentes do Partido Frelimo, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Paulo
Cuinica, disse que comissão vai estudar e aprovar medidas para evitar que situações idênticas se repitam no futuro.


Numa primeira leitura, medidas para tornar o procurement mais limpo ao nível de quem concorre (e não ao nível de quem decide, pois esta é outra questão, também muito sensível dado que os representantes da sociedade civil na CNE já não representam interesses da sociedade civil
mas de partidos políticos) incidiriam sobre a regulação do conflito de interesses, numa dimensão meramente preventiva. Ou seja, a CNE pode decretar que, no futuro, empresas em cuja estrutura acionista pontificam membros de Partidos Politicos não são elegíveis. Mas isso não resolverá o problema. Pelo menos em Moçambique, onde o sector privado se confunde com a classe política, é uma tarefa difícil operar uma separação efetivas de águas.

Nominalmente até pode-se operar essa limitação mas materialmente não há como impedir que membros de partidos façam negócios com a CNE. O atual cenário prova isso. Rafik Sidat não é sócio da Académica mas é ele quem gere boa parte dos negócios da empresa. E poucos sabiam da relação de José António Chichava com a Escolpil.

Vamos esperar para ver como é que a CNE vai regular isso mas o caso mostrou que o campo de monitoria e fiscalização eleitoral por parte da sociedade civil deve ser alargado para abranger outros processos que acontecem dentro da Comissão Nacional de Eleições mas longe do escrutínio público. Um desses processos é justamente a produção dos materiais eleitorais, um trabalho feito todo ele lá fora. No caso vertente, os serviços foram adjudicados à Académica e à Escolpil mas quem vai mesmo executá-los são a Uniprint e a Paarlmedia (Escolpil). Na verdade, as empresas moçambicanas são apenas intermediárias neste negócio apetecível, embora acompanhem, na África do Sul, a produção desses materiais. Os Partidos Políticos representados na CNE também. Mas os partidos que estão fora da CNE, por via de estarem fora do parlamento, não têm acesso a esta parte do processo eleitoral.

Daí que a fiscalização das eleições deve abranger todos os momentos e não apenas a tradicional observação do recenseamento e do processo de votação (incluindo aqui o uso de meios de Estado). Como? A CNE deve permitir que representantes de partidos sem assentos, a imprensa e a sociedade civil também acompanhem junto das gráficas todo o processo de produção dos materiais eleitorais, sua selagem, empacotamento (e destruição das provas) e transporte para Moçambique.

Só assim, esta névoa de suspeição decorrente da situação de conflito de interesses referida pode amainar. Mais do que qualquer regulação, o processe deve ser aberto. Marcelo Mosse


Fonte: MediaFAX -  28.07.2014

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