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segunda-feira, junho 30, 2014

ESTABELECER O PODER POPULAR PARA SERVIR AS MASSAS (1974)

Celebramos neste ano de 1974 o X aniversário do desencadeamento da nossa luta armada. Dez anos durante os quais inúmeros militantes e o Povo aceitaram toda a espécie de sacrifícios e todo o tipo de privações, dez anos a superar dificuldades e a provarmos que somos capazes de alcançar a vitória.
Começamos já a conhecer a vitória. Em regiões cada vez mais vastas da nossa Pátria o Povo já compara e diz «antes da Revolução» e «hoje». O nosso Povo começa a saborear o fruto da sua luta.
Mas ao mesmo tempo todos estamos conscientes que a vitória final não é para amanhã e que um longo caminho ainda nos espera.
Qual a razão dos nossos sacrifícios? Porque motivo o inimigo se mostra tão intransigente e cruel? E porque razão, apesar da condenação de todos os homens justos no mundo, ele continua a encontrar os apoios e ajudas necessários para prosseguir os seus crimes?
Será que tudo isto tem lugar apenas porque queremos a nossa Inde­pendência?
Mas afinal em 1143 e em 1640 Portugal também lutou pela sua Indepen­dência. Os Estados Unidos que hoje apoiam o colonialismo português fize­ram no século XVIII urna guerra para se libertarem do colonialismo britânico e serem independentes. A França e a Inglaterra que financiam e armam Portugal fascista e colonialista, lutaram ainda há poucos anos, de 1939 a 1945, contra o fascismo hitleriano, sofrendo grandes perdas e sacrifícios a fim de preservarem a independência nacional.
Á volta de Moçambique encontramos muitos países independentes. Madagáscar que era colónia francesa, Tanzânia, Zâmbia, Malawi, Swazilândia, antigas colónias britânicas. E todos estes países tornaram-se independentes através de negociações entre a potência colonizadora e a colónia.
Porque razão a Inglaterra e a França aceitaram reconhecer à maioria das suas colónias o direito à independência, e hoje apoiam uma guerra colonial ?
Porquê então dez anos de guerra colonial, dez anos de bombardea­mentos, dez anos de massacres de populações, dez anos durante os quais a OTAN e os países ocidentais têm feito tudo para ajudar Portugal?
          Nós dizemos frequentemente que no curso da luta a nossa grande vitória foi saber transformar a luta armada de libertação nacional em Revo­lução. Por outras palavras, o nosso objectivo final de luta não é içar uma bandeira diferente da portuguesa, fazer eleições mais ou menos honestas em que pretos e não os brancos são eleitos, ou ter no Palácio da Ponta Vermelha em Lourenço Marques um Presidente preto, em vez dum governador branco. Nós dizemos qu5 o nosso objectivo é conquistar a independência completa, instalar um Poder Popular, construir uma Sociedade Nova sem exploração, para benefício de todos aqueles que se sentem moçambicanos.
Ê aqui que se encontra a explicação da guerra. Como um homem assal­tado de piolhos é obrigado a mergulhar a roupa na água a ferver para liquidar os piolhos sem se interessar pela cor ou origem dos piolhos, nós fomos obrigados a aceitar mergulhar o nosso país no fogo da guerra para liquidar a exploração, qualquer que seja a sua origem ou cor dos seus agentes.
O que está em causa é pois o estabelecimento do Poder Popular que afirma a nossa independência e personalidade e liquida a exploração, o que implica a destruição do Poder dos exploradores que a fomenta.
Ë por isso mesmo que os países imperialistas que vivem da exploração vêm socorrer Portugal porque estão Interessados em que a exploração continue
Hoje, graças à nossa luta, um Poder novo constrói-se na nossa Pátria.
Dez anos de Poder da FRELIMO não é muito. Jovens que somos assumimos responsabilidades que esmagam os velhos. O Poder dos explora­dores tem centenas e milhares de anos de experiência, enquanto o nosso Poder é jovem e ao mesmo tempo tem de resolver os problemas que o Poder milenário dos exploradores nunca conseguiu.
O Poder novo não é uma coisa abstracta. O Poder novo somos nós com todas as nossas insuficiências quem tem de o exercer.
De nenhuma nuvem vai descer o Homem Novo capaz de exercer o Poder novo.
A nossa responsabilidade é grande enquanto a nossa capacidade é ainda pequena. Mas temos uma grande vantagem que é decisiva: possuímos a linha de orientação correcta, as massas estão connosco.
Mas ao construirmos o nosso Poder, ao exercê-lo, trazemos em nós, nas ideias, nos hábitos e nos costumes, todas as deformações criadas pelo Poder antigo.
Por isso continuamente temos que rectificar os nossos métodos de trabalho, Introduzir o bisturi da crítica e da autocrítica, para amputar a herança enorme, pesada e negativa que nos transmite a sociedade antiga.
Para este décimo aniversário que celebraremos em breve queremos analisar o nosso Poder, repensar a nossa actividade, estudar o que fizemos e o que resta para fazer e sobretudo corrigir as deformações.
Começaremos por estudar, na primeira parte, o que é o Poder, o que exprime e que valores incarna. Analisaremos a diferença que existe na ori­gem, natureza, métodos e objectivos entre o Poder colonial capitalista e o Poder Popular construído sob a direcção da FRELJMO.
         Ao abordarmos esta questão crucial estaremos em condições de com­preender a razão porque o conflito entre nós e o inimigo é de tal maneira antagónico que só a guerra o pode resolver. Com efeito, a edificação do Poder Popular que exprime a subida ao Poder duma nova classe, só é possível quando a classe anterior e o seu Poder são derrubados. E ao assumirmos esta noção que estamos em condições de verificar a impossibilidade de conciliar os nossos interesses com os do inimigo, através de pretensas autonomias ou de independências, que salvaguardam a essência do Estado colonial capi­talista.
A natureza popular do Poder em vias de edificação implica uma democracia profunda e real, que nunca existiu na História da nossa Pátria.
Assim como o Poder, a Democracia não é uma coisa abstracta: para que ela se exerça e possua um conteúdo concreto é necessário que organize­mos as condições para a sua materialização.
Por isso uma segunda parte é consagrada ao estudo da Democracia, nova experiência que pela primeira vez o nosso Povo vive.
Finalmente, porque nos nossos diversos centros o Poder Popular e Democrático já é exercido na prática, eles aparecem como laboratórios da nossa experiência e centros difusores da nossa linha e dos seus resultados práticos. Importa pois que precisemos como os nossos centros devem cum­prir essa tarefa e quais os requisitos, indispensáveis para que levem a cabo a sua missão histórica.
1.    O PODER DOS EXPLORADORES Ê PARA OPRI­MIR O POVO. O NOSSO PODER É O PODER DO POVO
No processo do desenvolvimento histórico das sociedades, entre os homens foram forjadas diversas relações sociais.
Na aurora da Humanidade, quando se opera a transição dos símios em homens, os seres pré-humanos viviam em bandos errantes dominados pela preocupação de sobreviver. A totalidade do esforço era consumida ime­diatamente e frequentemente ela não conseguia satisfazer as necessidades básicas. Os seres pré-humanos alimentavam-se de raízes, frutos selvagens e cadáveres de animais.
Assim viveram durante centenas de milhares de anos os antepassados da Humanidade. A partir dum certo momento esses antepassados começam a utilizar ossos ou paus para escavarem as raízes, para caçar animais. Come­çam a utilizar instrumentos para produzirem a sua alimentação, a produção ainda que extremamente primitiva inicia-se, o símio dá lugar ao homem. A produção demarca o homem do animal e liberta o seu cérebro abrindo-lhe o caminho para o progresso.
Com o aparecimento da produção, numa primeira fase a colheita e caça, numa segunda fase a agricultura e a criação de gado, a Humanidade começa a desenvolver-se.
Surge a divisão do trabalho, o melhoramento dos instrumentos de pro­dução e das técnicas de produção. Com isso o esforço produtivo do homem já consegue produzir mais do que aquilo que ele próprio necessita para subsis­tir. A produção cria um excedente.
O aparecimento de excedentes na produção fornece a base material, as condições objectivas para que surjam no seio da sociedade forças que pro­curam apropriar-se desses excedentes em detrimento dos que produziram.
A sociedade divide-se em classes opostas, com interesses diferentes: uns querem apropriar-se do fruto do trabalho dos outros, enquanto estes últimos recusam. As relações humanas que até aquele momento eram de cooperação tornam-se relações de luta entre exploradores e explorados.
Ë claro que todo este processo levou centenas de milhares de anos, não foi do dia para a noite que surgiram interesses opostos, classes antagónicas. Mas o fundamental é o processo.
Desde que na sociedade apareceram interesses diferentes e antagónicos, a questão do «Poder», o problema de saber quem deve decidir, que critérios usar para decidir e em favor de quem, tornou-se uma questão fundamental no seio da sociedade.
Um grupo determinado só poderá impor os seus interesses e fazer triunfar os seus objectivos, se possuir o controle da sociedade, por outras palavras se dirigir essa sociedade.
Dirigir a sociedade significa organizar a sociedade para servir os inte­resses do grupo dirigente, impor a vontade deste grupo a todos os outros grupos, quer estejam de acordo ou não. Com o correr do tempo o grupo diri­gente leva os outros grupos a considerarem a sua dominação como a melhor, a mais justa e a mais sábia, a que corresponde aos interesses de todos.
Isto é assim até ao momento em que as novas forças no seio da sociedade tomam consciência dos seus interesses prejudicados pelo grupo dirigente, unem-se, lutam, derrubam o poder anterior e instalam o seu novo poder, reorganizando a sociedade para satisfazer os seus apetites.
Até a uma época recente da História da Humanidade, foram as diversas classes exploradoras —senhores de escravos, feudais, burgueses— quem sucessivamente dominou a sociedade e a organizou política, económica, ideo­lógica, cultural, administrativa e juridicamente em seu favor.
Assim foi porque as largas massas exploradas nem tinham a suficiente consciência de classe que as unisse, nem possuíam a ideologia capaz de lhes dar a visão do conjunto dos seus interesses e capaz de lhes fornecer a estratégia e táctica de luta adequadas para a conquista e exercício do poder.
Historicamente, a primeira vez que as largas massas exploradas, após várias tentativas fracassadas, conquistaram e exerceram o Poder, foi em 1870 em Paris. A Comuna de Paris foi esmagada ao fim de alguns meses pela coligação entre os reaccionários franceses e os reaccionários alemães, e 30 000 trabalhadores foram massacrados.
Em 1917, finalmente, sob a direcção de Lenine, as massas exploradas conquistaram o Poder na Rússia Tsarista e construíram a União Soviética, o Primeiro Estado no mundo com o Povo no Poder. A partir da vitória das forças democráticas na guerra anti-fascista. o Poder Popular estendeu-se a novos países como a China, a República Democrática da Coreia, e a República Democrática do Vietnam na Ásia. Na Europa o Poder Popular foi erigido em numerosos países tais como a República Socialista da Roménia, a República Democrática Alemã, a República Socialista da Bulgária, etc.... Na América latina, com a vitória das forças populares em Cuba em 1959 instalou-se o primeiro Estado Popular no continente americano.
A instalação do Poder Popular tornou-se uma realidade para perto de 1/3 da Humanidade. As zonas em que as massas trabalhadoras conquis­taram o Poder, são conhecidas como «campo socialista» constituído hoje por 14 países.
No nosso país, senhores de escravos, feudais, reis, imperadores, domi­naram a sociedade até à conquista colonial. A burguesia colonialista insta­lou-se então no poder e impôs a sua vontade a todas as camadas do pais até ao momento em que a nossa luta começou a derrubá-la.
A dominação sucessiva das diversas minorias exploradoras —a ditadura sobre as massas — é exercida sempre duma maneira mais ou menos camu­flada a fim que as massas não compreendam a sua verdadeira situação e não se apercebam que estão sujeitas à opressão.
No nosso país antes da conquista colonial, os régulos e Chefes tribais que exerciam o poder afirmavam que o seu poder representava a vontade dos antepassados.
Por exemplo, em certos reinos, o Povo não podia ver a cara do rei, noutros casos era proibido falar ao rei, só se podia ouvir a sua voz.
Ainda nos nossos diasem algumas regiões em que o poder dos régulos permaneceu relativamente intacto, é habitual encontrarmos situações deste género que camuflam, com os mitos e a superstição, a realidade cruel da opressão dos senhores feudais.
Os colonialistas, para melhor camuflarem a sua dominação e impedi­rem as massas de compreenderem e se revoltarem contra a sua situação miserável, estimularam a superstição. Assim difundiram numerosas religiões no nosso seio que, dividindo as massas, enfraqueciam-nas. Ao mesmo tempo as religiões todas elas pregavam ao Povo a resignação.
No nosso país os missionários ensinavam-nos que desobedecer ao governo e ao colono era pecado, que devíamos estar muito gratos ao colonialismo português porque nos trazia a verdadeira fé. No século passado, a Igreja justifica o comércio criminoso de escravos afirmando que este era bom, pois permitia que os escravos fossem baptizados. O actual arcebispo de Lou-renço Marques, Custódio Alvim Pereira, muitas vezes repetiu publicamente que o Povo moçambicano não devia reivindicar a independência, porque esta só podia servir o comunismo e o Islão, por outras palavras, a independência era um pecado contra Deus. No discurso feito em Junho de 1961 aos semi­naristas da arquidiocese de Lourenço Marques, no tempo em que era ainda bispo coadjutor, ele exprimiu os seguintes princípios:
1. A independência é uma coisa indiferente para o bem dos homens. Pode ser boa quando se verificam condições geográficas e culturais, mas estas últimas ainda não existem em Moçambique.
2. Enquanto não existem estas condições, fundar ou tomar parte no movimento pela independência, é agir contra a natureza.
3. Mesmo quando existem condições, a mãe Pátria tem o direito de se opor à independência desde que sejam respeitadas as liberdades e os direitos e se procure o bem estar e progresso civil e religioso para todos.
4. Todos os movimentos que utilizam a violência são contra o Direito Natural, porque se a independência é um bem deve ser obtida por meios pacíficos.
5. Quando o movimento é terrorista, o clero em consciência, não só é obrigado a abster-se como também a opôr-se. Isto é uma consequência lógica da natureza da sua missão.
6. Mesmo se o movimento é pacífico convém que o clero se abstenha para poder ser o guia espiritual de todos. O Superior pode impor esta absten­ção, como o faz em Lourenço Marques.
7. Os Povos nativos da África têm a obrigação de agradecer os benefícios que lhes foram dados pêlos colonizadores.
8. As pessoas instruídas têm a obrigação de combater abertamente as ilusões dos menos instruídos sobre a independência.
9. A independência africana actual nasce quase sempre da Revolução e do comunismo. A doutrina da Santa Sé é bem clara na sua oposição ao comunismo ateu e revolucionário: a grande revolução é a do Evangelho.
10. A palavra de ordem «a África para os africanos» é uma mons­truosidade filosófica, um desafio à civilização cristã porque os acontecimentos actuais mostram-nos que o Comunismo e o Islamismo desejam impor a sua civilização aos africanos.
Nessa mesma intervenção o actual chefe da Igreja em Moçambique concluía:
«Amai a vossa terra que é Moçambique integrado em Portugal, da mesma maneira que um habitante do Algarve se interessa pela sua província sem esquecer a Pátria comum... os actuais movimentos de libertação africanos são contra a Igreja».
Em resumo, segundo este prelado, devemos agradecer a exploração colonial, o trabalho forçado e a venda de homens para as minas, a pilhagem das nossas terras e as culturas forçadas. Devemos agradecer a opressão da palmatória, do chicote, das deportações para São Tomé. Devemos agradecer a humilhação do racismo e das mulheres violadas, os filhos do mato e o sermos transformados num Povo de moleques. Devemos agradecer o obscuran­tismo, a falta de escolas e a superstição, a falta de hospitais e assistência social. Devemos agradecer pois. Revoltarmo-nos contra isso é pecado, pegar­mos em armas quando nos vêm massacrar como em Mueda, Xinavane, Lourenço Marques, Wiriyamu é pecado, é ser contra a Igreja.
Conhecemos muitas homílias dos bispos e padres católicos, muitas pre­gações de cheiques muçulmanos, muitos sermões de todas as igrejas protes­tantes, e até a uma época muito recente, todos nos diziam que nos devíamos resignar, que devíamos aceitar e agradecer.
Devemos notar no entanto que, perante os crimes crescentes cometidos pelo inimigo, nos últimos três anos erguem-se vozes cada vez mais numerosas nos meios religiosos condenando a guerra colonial e os seus massacres. Mas estas vozes ainda aparecem como isoladas e assim não as podemos classificar como tomadas de posição oficiais, públicas e claras das Igrejas em Moçam­bique contra o colonialismo.

Mas além da superstição, a sociedade burguesa colonialista utiliza outros argumentos para camuflar e justificar o seu poder ditatorial.
Eles dizem que nós somos urna raça inferior e atrasada, com costumes primitivos, um Povo ignorante que deve ser educado pela raça superior e avançada, cheia de bons costumes e de sabedoria. A Constituição portu­guesa diz expressamente que a essência da Nação portuguesa é «civilizar» os «bárbaros» que nós somos. Eles repetem continuamente este argumento, muito embora toda a gente veja que em Portugal há mais de 40 % de analfabetos, que a miséria dos camponeses e do Povo português é enorme, o seu obscurantismo não é inferior ao nosso e têm tantas ou mais supersti­ções do que nós, embora diferentes.
Dizem isso quando nos querem convencer. Mas na prática, e quando formulam a sua linha política, dizem e fazem coisas muito diferentes.
O falecido cardea] arcebispo de Lourenço Marques, Teodósio Clemente de Gouveia, numa pastoral de 1960 em que fixava a linha política das escolas escrevia:
«As escolas são necessárias, sim; mas as escolas em que ensinemos aos nativos o caminho da dignidade humana e a grandeza da nação que os protege».
Vir-nos «educar» significa claramente tornar-nos submissos, escravos mentais do colonialismo.
O General Kaulza de Arriaga, derrotado vergonhosamente em Moçam­bique, nas lições que dava ao Curso de Altos Comandos do Exército colonial fascista, no ano lectivo de 1966-1967, dizia:
«Se em Angola ou Moçambique houvesse 20 ou 30 milhões de negros, o problema para nós seria extremamente grave; ainda bem que essas popu­lações são tão reduzidas. Eu não sei se isto resultou da exportação que se fez para o Brasil; se foi isso, ainda bem que se fez essa exportação».
Depois de aprovar o comércio infame de escravos, a forma mais degra­dante da exploração e humilhação humana, o «civilizador» Kaulza de Arriaga que publicamente discursava sobre a conquista do «coração dos africanos» e o «multiracialismo», preconizava ao mesmo tempo a liquidação do nosso Povo. Assim ele diz que:
«Outro problema muito importante é o problema da demografia: pri­meiro, crescimento branco: depois, limitação do crescimento negro».
A «igualdade racial» e a missão de «promoção das populações africanas», são bem esclarecidas quando o general escreve:
«a multiracialidade tem de ser autêntica e mantém-se autêntica mesmo quando à sombra dela porventura precisamos de travar ligeiramente a pro­moção dos Povos negros. Depois temos de convencer esta gente que estamos a promovê-los num ritmo adequado... Claro que existe um outro problema: é que também não vamos ser demasiado eficientes na promoção dos negros, pois devemos promovê-los sim, mas nada de exageros».
Em resumo, «civilização», «educação», «promoção», são apenas para camuflagem da realidade concreta de exploração e pilhagem, opressão, brutalização e humilhação. Palavras bonitas para nos enganarem e adorme­cerem. Por isso, através de cada palavra de ordem do regime de opressão devemos ver a realidade que ela encobre.

A burguesia afirma ainda que deve ser a minoria inteligente e capaz., os ricos e os doutores, quem deve governar a maioria que eles consideram brutos e incapazes.
Oliveira Salazar, o grande orientador do colonial-fascismo português, exprime claramente esta concepção dizendo (F.C.C. Egerton: Salazar, Por­tugal and her Leader):
«Esta hierarquia entre o trabalho de invenção, organização e direcção e a execução propriamente dita, não só exprime uma necessidade inerente da produção material, como também reflecte a desigualdade imposta pela natureza à capacidade dos indivíduos, uma coisa a que a sociedade não pode, nem deve tentar opor-se».
Um dos maiores escritores portugueses, Eça de Queiroz, numa obra magistral em que denuncia e desmascara a burguesia — O Conde de Abranhos — explica-nos a mentalidade da burguesia exploradora e opressora através do sistema de educação universitária:
«Assim o estudante fica para sempre penetrado desta grande ideia social: que há duas classes — uma que sabe, outra que produz. A primeira naturalmente, sendo o cérebro, governa; a segunda sendo a mão, opera e veste, calça, nutre e paga a primeira... Bacharéis são os políticos, os orado­res, os poetas e por adopção táctica, os capitalistas, os banqueiros, os altos negociadores. Futricas são os carpinteiros, os trolhas, os cígarreiros, os alfaiates... Esta ideia de divisão em duas classes é salutar, porque assim educados nela, os que saem da universidade não correm o perigo de serem contaminados pela ideia contrária — ideia absurda, ateia, —destruidora da harmonia universal — de que o futrica pode saber tanto como sabe o Bacharel. Não, não pode: logo, as inteligências são desiguais e assim fica destruído esse princípio pernicioso da igualdade das inteligências, base funesta dum socialismo perverso».
Os opressores, em particular a burguesia colonial, com o objectivo de camuflarem a sua acção e manterem-nos ignorantes, passam a vida a gritar-nos nas orelhas que exercem o poder para benefício de todos, ou da maioria, que o fazem para difundirem o progresso, a civilização, a religião cristã. Eles afir­mam-nos sempre que é um grande sacrifício o exercício do poder, que são pesadíssimas as responsabilidades, que de boa vontade e coração alegre as abandonariam, se a isso os não obrigasse o dever.
Os discursos que ouvimos, os artigos nos jornais, a propaganda na rádio, toda a máquina de intoxicação colonialista, diariamente nos tenta convencer que o poder dos opressores é o melhor do mundo, que nos devemos sentir felizes pela dominação e só os ingratos, loucos e comunistas podem pensar o contrário.
No entanto é muito diferente a realidade que podemos descobrir por detrás das palavras maravilhosas.
Do Governador Geral ao Chefe do posto, todo o aparelho administrativo só tem um objectivo: fazer tudo para que as companhias, os ricos, os capitalistas, explorem o povo.
As leis que são feitas, os impostos que são cobrados, as ordens que são dadas, nunca servem o Povo, sempre são para benefício dos patrões. Se algumas vezes, aparentemente, uma lei parece beneficiar o Povo, é porque a revolta do Povo era muito forte e então fez-se qualquer coisa para tentar acalmar a cólera de Povo com o objectivo de desmobilizar as massas e assim poder continuar a dominação colonial.
Um exemplo disto foi a greve da estiva em Lourenço Marques em 1963. Antes da greve eles pagavam de 12.00 a 15.00 por dia aos estivadores, mas depois da greve e apesar da repressão, temendo uma revolta mais séria dos estivadores, eles subiram os salários para 28.00. Agora, por causa da guerra, em toda a parte se sobem os salários com o objectivo de corromper as pessoas, fazer-lhes esquecer que vivem colonizadas, exploradas, oprimi­das, humilhadas. Da mesma maneira, nas zonas em que eles temem que o povo comece a apoiar a luta, que a luta se estenda para essa zona, os colo­nialistas diminuem logo a sua arrogância, difundem grandes fotografias de pretos e brancos juntos e aparentemente alegres. No entanto, trata-se apenas duma máscara, pois a PIDE continua a prender, torturar e assassinar pessoas enquanto que para efeitos de propaganda se distribuem rebuçados às crianças.
Mas  a   natureza  da  opressão  continua  a   mesma.
As leis do governo continuam a mandar-nos prender e a vender-nos para as minas da África do Sul. Quem ganha são os donos das minas de ouro, quem perde a vida, quem regressa tuberculoso, sem um braço ou uma perna, somos nós.
São as leis do governo quem nos obriga a cultivar o algodão e a vendê-lo às companhias. Quem ganha são as companhias, mas somos nós quem nunca tem roupa para se vestir apesar de ter produzido o algodão.
As leis do governo entregam-nos como máquina de trabalho às com­panhias de açúcar, às companhias de chá. As companhias ganham muitos e muitos milhares de contos, mas nas nossas casas, de manhã nós e as nossas famílias não temos chá nem açúcar.
É a administração que nos prende se recusamos cumprir a vontade da companhia, é ela que nos força a irmos trabalhar nas machambas, nas minas e nas fábricas.
São os nossos impostos quem paga o vencimento dessa administração que nos oprime, são os nossos impostos quem paga a polícia que nos prende quando desobedecemos à companhia, são os nossos impostos quem paga o exército que nos massacra se nos revoltamos contra a opressão.
Somos nós e o nosso trabalho quem paga tudo, mas quem é servido e obedecido são os que exploram.
Os burgueses e os colonialistas dizem que os tribunais são imparciais e fazem justiça. A propaganda diz que a justiça é cega para não distinguir entre o rico ou o pobre, o grande senhor ou o pequeno trabalhador e assim dizer a verdade, dar o prémio ao justo, castigar o culpado.
Dizem isso é certo. Mas nunca ninguém ouviu dizer que os tribunais da burguesia e do colonialismo mandaram devolver a terra aos camponeses que foram espoliados. Hoje, como acontece para a barragem de Cabora Bassa -em que 25 000 pessoas foram espoliadas das suas terras e expulsas, nenhum tribunal nos dá razão. Ninguém ouviu dizer que o tribunal condenou a PIDE por assassinar e torturar pessoas ou por ter pessoas meses e anos na cadeia sem serem julgadas. Os tribunais condenam os que lutam pelo Povo e aprovam, apoiam e elogiam os que massacram o Povo.
Estes exemplos muito concretos que toda a gente conhece, que cada um de nós verificou diariamente na sua vida, mostram muito claramente para que serve o poder dos colonialistas e capitalistas, quem é que dele beneficia.
Quando o poder está na mão dos exploradores, ele serve os exploradores e Impõe a ditadura dos exploradores.
Na sociedade dos exploradores, para se exercer o poder é necessário pertencer ao grupo explorador, dedicar-se de corpo e espírito ao serviço dos exploradores.
Na sociedade tradicional não é qualquer pessoa que pode ser régulo. Para se ser régulo deve-se pertencer à camada feudal, ser da família do chefe, isto é, ser seu filho ou seu sobrinho. Quem designa o novo régulo ou é o régulo anterior ou um órgão composto por feudais.
Da mesma maneira se passa na sociedade burguesa, onde o poder per­tence às companhias, aos grandes capitalistas e é exercido pelos servidores fiéis do capital.
Toda a gente sabe que um Governador-Geral ou Ministro, além de se enriquecer durante o seu mandato, quando é substituído encontra imedia­tamente uma alta posição nos bancos e companhias. Deputados, governa­dores, ministros, saem das companhias e dos bancos para o governo, do governo para as companhias e para os bancos.
Por exemplo, Pimentel dos Santos que agora é governador de Moçam­bique, até â sua nomeação em Outubro de 1971, entre os seus diversos cargos, tinha o de Presidente do Conselho de Administração da Companhia Mineira do Lobito. Ê claro que apesar de governador ele continua ligado à sua com­panhia e servindo-a. Assim, em Setembro de 1972, a sua companhia, em asso­ciação com a Betlehem Steel dos Estados Unidos e a Companhia de Urânio de Moçambique, recebeu em concessão para a prospecção e exploração de minérios uma área de dezenas de milhares de quilómetros quadrados, com­preendidas entre Cioco e Changara na Província de Tete. Podemos repetir o mesmo exemplo com cada um dos ministros, governadores, deputados, etc....
No   quadro   de   uma   sociedade   colonial   como   aquela  que   existe   em Moçambique   controlada   pelo   colonialismo,   além   das   «qualidades»   exigidas pela sociedade burguesa normal,  requere-se que o indivíduo pertença à raça colonizadora ou  ao menos se  encontre totalmente  submetido  ao colonizador,. transformando-se então em verdadeiro fantoche.
Estes factos conhecidos de todos, mostram-nos claramente que o Poder, o Estado, não são instrumentos técnicos e neutros, mas sim armas utilizadas pelas classes exploradoras contra as massas exploradas.
A opressão que existe não é porque o chefe de posto, administrador ou governador são maus, têm mau coração ou se enchem de satisfação ao explorar-nos.
Duma maneira geral, individualmente, humanamente, eles não são nem melhores nem piores que qualquer outra pessoa, de qualquer outra raça.
Eles  são aquilo  que são  em virtude da posição que ocupam.
Se por acaso surge um administrador ou chefe de posto que sinta a sua consciência torturada pelos crimes que é forçado a praticar, se ele ousa opor-se àquilo que é a sua tarefa) ele é imediatamente afastado, substituído, punido.
E por isso que afirmamos sempre lutar contra um sistema e não contra pessoas individualmente.
A prática do colonialismo português e da guerra de agressão em nada foram alteradas pelas melhores ou piores qualidades humanas de Marcelo Caetano, quando este substituiu Salazar, da mesma maneira que a prática criminosa e assassina da PIDE persiste sob o novo nome de DGS.
A existência de classes exploradoras, brancas ou negras ou de qualquer outra cor, produz um Poder e um Estado exploradores.
Por isso nós dizemos sempre que lutamos contra a exploração do Homem pelo Homem, de que o colonialismo português é hoje a principal expressão no nosso pais. Por outras palavras, isto significa que o nosso objectivo é derrubar o Poder das classes exploradoras em Moçambique repre­sentadas principalmente pelas burguesias coloniais e imperialistas, destruir o Estado Colonial, forma essencial da dominação colonialista e imperialista na nossa Pátria.
É necessário conhecer claramente estes pontos. Há nacionalistas, uns ingenuamente por não possuírem uma consciência de classe desenvolvida, outros porque estão comprometidos com a exploração, que pensam que o objectivo da nossa luta deveria ser a de instalar um Poder negro, em vez dum Poder branco, nomear ou eleger africanos para os diferentes postos políticos, administrativos, económicos e outros, que são hoje ocupados por brancos. Os primeiros, quando engajados na prática, compreendem e aceitam a necessidade da destruição do Estado explorador, enquanto os últimos, iden­tificando-se ao sistema, recusam a destruição do Estado explorador. Em resumo, para estes nacionalistas, a quem o Poder colonial, porque estrangeiro, não dá inteira satisfação, o objectivo final da luta seria na realidade o de «africanizar» a exploração. É por isso que eles recusam a nossa ideologia revo­lucionária — como recusam sobretudo as transformações da mentalidade e comportamento que exigimos, que pretendem não ter importância para o combate contra o colonialismo.
Esta posição é uma posição reaccionária que põe em causa a natureza e o objectivo da luta.
A nossa luta, para eles, deveria ser uma luta entre o Poder negro e o Poder branco, quando para nós a luta é entre o Poder dos exploradores e o Poder Popular.
Vimos já que num Estado explorador toda a máquina do Poder, as suas leis, a sua administração, tribunais, polícia, exército, têm o objectivo único de manter a exploração, servir os exploradores.
O Estado, o Poder, as leis, não são técnicas ou instrumentos neutros que podem igualmente ser utilizados pelo inimigo e por nós. Por isso a questão decisiva não é a de substituir o pessoal europeu pelo pessoal africano.
Da mesma maneira que os colonialistas têm o seu modo de combater e nós temos o nosso, eles têm a sua ciência militar e nós a nossa, assim nós temos o nosso poder, e eles têm o deles. Há um antagonismo entre, nós e eles sobre a origem, natureza, métodos e objectivos do Poder.
Não podemos fundar um Estado popular, com as suas leis e sua máquina administrativa, a partir dum Estado cujas leis, cuja máquina admi­nistrativa foi inteiramente concebida pelos exploradores para os servir.
Não é governando com um Estado concebido para oprimir as massas que se pode servir as massas.
«Africanizar» o poder colonial e capitalista retira o sentido à nossa luta. Para que serviria a luta se continuássemos submetidos ao trabalho for­çado, às companhias, às minas, mesmo se tudo estiver cheio de gerentes e capatazes africanos? Para quê o sacrifício se continuarmos a ser obrigados a vender o gado e o algodão, em feiras que só beneficiam os comerciantes, mesmo se estes forem africanos? Qual a razão de ser de tanto sangue, se no fim continuássemos submetidos a um Estado que, mesmo se governado por moçambicanos, só serve os ricos e os poderosos? Como manter uma polícia que prende e tortura os trabalhadores, guardar um exército que dis­para contra o Povo, mesmo se todos os generais forem pretos?
Um Estado de ricos e poderosos em que uma minoria decide e impõe a sua vontade, quer a aceitemos ou não, quer compreendamos ou não, é a continuação sob novas formas da situação contra a qual lutamos.
A questão do poder popular é a questão essencial da nossa Revolução.
E neste quadro que se torna absurdo falar de autonomia, ou conceber uma independência que nos seja oferecida por Caetano ou sucessores.
As massas populares compreenderam, o seu instinto de classe fez-lhes compreender esta questão: a Independência, a autonomia, concebidas pelo Imperialismo, pelo colonialismo, são tácticas destinadas a manterem tudo como antes, a manterem a exploração.
Foi por isso, porque assumiram a defesa do seu poder, que as massas aceitam os sacrifícios mais heróicos para estender a luta e consolidar as zonas libertadas. Todas as ofensivas do inimigo, por mais furiosas e violentas, têm-se quebrado diante desta intransigência firme das massas em defenderem o seu poder.
Quando no nosso seio, entre 1967 e 1969, o grupo de novos exploradores tinha conseguido em grande medida paralizar a direcção e começar a desviar o sentido da nossa luta para implantar de novo uma ditadura de exploradores, foi o povo, o instinto de classe das nossas massas laboriosas que assumindo o perigo que corríamos, deu às forças revolucionárias no seio da direcção o ajioio decisivo que nos conduziu à vitória.
O nosso Poder representa os interesses do nosso povo trabalhador, exprime a nossa vontade de expulsar o colonialismo e o imperialismo e criar uma sociedade nova sem exploração. O nosso poder é a expressão revolu­cionária da aliança que, defendendo os interesses da nossa classe camponesa e operária, une todas as camadas e grupos sociais, animados de espírito patriótico e democrático: operários, camponeses, trabalhadores das plantações e das serrações, das Concessões, trabalhadores das minas e caminhos de ferro, dos portos e indústrias, motoristas e mecânicos, intelectuais, técnicos e funcionários, estudantes e empregados, pequenos e médios comerciantes, etc... O poder que está a nascer traduz esta nova relação de forças que surge no nosso País, favorável à aliança popular. A antiga ditadura da minoria exploradora sobre o povo substitui-se o poder do povo, que se impõe a todas as forças colonialistas e classes reaccionárias, o Poder da maioria esmagadora que submete a ínfima minoria e destrói a exploração.
O nosso Poder é diferente na forma e no conteúdo de tudo o que existiu no passado no nosso País.
O Poder pertence ao povo, é exercido pêlos seus autênticos represen­tantes, para servir os interesses do povo.
Na reunião de Maio de 1970, o Comité Central da FRELIMO num documento em que se define as qualidades de um membro do Comité Central afirma: «é entre os militantes que realizam de uma maneira mais saliente estas qualidades de militante, que se deve escolher os membros que devem dirigir a organização e em particular os membros do Comité Central. O mem­bro do Comité Central deve vir das fileiras da luta. O membro do Comité Central deve distinguir-se pela sua devoção à luta de libertação nacional, pelo abandono de si próprio para entregar-se à luta e para servir os interesses do Povo».
O mesmo documento, ao expor as qualidades exigidas do militante da FRELIMO, sublinha:
«E um servidor das massas e sacrifica-se pela maioria».
Quer isto dizer que, enquanto na outra zona, na zona dos exploradores, se exige do dirigente ser um servidor dos exploradores, saído das suas fileiras, na nossa zona o dirigente sai das massas, das fileiras da luta, e é um ser­vidor das massas que está pronto a sacrificar tudo, incluindo a própria vida, em benefício da maioria, na defesa da maioria.
A maioria somos nós, nós camponeses, nós operários, nós trabalhadores nascidos do povo explorado, dominado, e que temos o objectivo de nos liber­tarmos, de construir a nova sociedade, a sociedade que corresponde aos nossos Interesses.
A nossa luta já instalou o nosso poder em vastas regiões da nossa Pátria. Nessas regiões são os nossos interesses que comandam. A linha política da FRELIMO que exprime esses interesses aplica-se diariamente em todos os sectores de trabalho para beneficiar a maioria. A linha política da FRELIMO que orienta o nosso poder transforma diariamente as relações sociais, as relações entre os homens, ela transforma a sociedade. A nossa linha transforma a natureza, põe os recursos da nossa terra à disposição da maioria, mobiliza as leis da natureza para beneficiar as largas massas.
A partir do momento em que o nosso poder se exerceu na educação, definimos que a tarefa desta era de educar o homem para vencer a guerra, construir uma sociedade nova e desenvolver a Pátria.
O nosso ensino destina-se a pôr a ciência ao serviço do povo e da revolução, a fazer dos alunos, estudantes e intelectuais, trabalhadores ao serviço dos outros trabalhadores.
Quando tomámos o poder na frente da saúde, dissemos que no trabalho hospitalar devemos materializar o princípio que a revolução liberta o povo.
Não queremos hospitais para ricos onde trabalham grandes técnicos que são ricos e servem os ricos. Poucos nos importa o luxo dos hospitais burgueses e colonialistas, o que nos interessa é fazer do nosso hospital uma base, um destacamento operacional de luta contra a doença física e também a doença que mina o espírito, a superstição, a ignorância, o tribalismo, o espírito burguês.
Em Cabo Delgado, em Niassa, em Tete, em Manica e Sofala, as compa­nhias, os ricos proprietários abandonam as nossas zonas e fogem.
Assim o nosso poder instala-se na produção. Já não são as companhias e os ricos que definem os objectivos da produção e do trabalho e beneficiam do nosso esforço.
Hoje, porque temos o Poder, a produção liberta o homem, dá-lhe a sua identidade de transformador da natureza e da sociedade. Produzimos para aprender e aprendemos para produzir e lutar melhor, produzimos para satis­fazer as nossas necessidades, para alimentar as nossas crianças e famílias, vivermos melhor.
O nosso Poder cria a produção colectiva ao serviço do Povo e da Revolução, destrói a produção exploradora, transforma os produtores indivi­dualistas em produtores integrados na colectividade. A produção em vez de dividir os homens em explorados e exploradores une-os agora todos, faz de todos servidores do Povo, desenvolvendo o bem estar do Povo.
Nas zonas livres o Estado colonial e burguês foi destruído, as estru­turas feudais desapareceram. Surge um novo Poder que é democrático que é nosso.
Os elementos que exercem o Poder gozam realmente da confiança das massas pois cresceram politicamente no seio da luta das massas. Eles dis­cutem continuamente com as massas. As novas orientações, as novas directri­zes, vêm da discussão e da experiência prática das massas, são assumidas pelas massas para serem aplicadas.
Do Círculo à Localidade, do Distrito à Província e à Nação, pela pri­meira vez na nossa História, o Povo tem um poder que é seu, que não sente como coisa estranha que o submete.
Poder que pertence à maioria explorada e que impõe a. vontade desta a toda a Nação, assim é o nosso Poder.
2.    ORGANIZAR A VIDA DEMOCRÁTICA
O exercício do Poder, a sua forma e os seus métodos, devem corres­ponder ao seu conteúdo.
Mas acontece muitas vezes que o conteúdo novo seja ainda guardado nas garrafas velhas, isto é, exprime-se pela forma antiga.
O nosso Estatuto ao definir os métodos de trabalho na FRELIMO — capítulo VII, alínea a) e seguintes — expressamente estabelece uma série de pontos que podem ser resumidos nas fórmulas seguintes: livre discussão, submissão da minoria à maioria, responsabilidade colectiva, crítica e auto­crítica do trabalho e do comportamento.

O nosso Estatuto, o conteúdo da nossa acção, exigem uma democracia real, uma verdadeira liberdade de expressão de opinião, uma discussão pro­funda acerca das decisões que tomamos.
Por isso na nossa vida damos tanta importância às reuniões com as massas e com os combatentes. São as reuniões que permitem auscultar o verdadeiro sentimento e consciência da base, detectar as contradições, explicar e fazer assumir a linha e as orientações concretas para cada situação específica.
As nossas decisões devem sempre ser democráticas no conteúdo e na forma. No conteúdo quer dizer que elas correspondem aos interesses reais das largas massas. Na forma significa que as largas massas devem participar na elaboração da decisão, senti-la como delas e não imposta de cima para baixo.
E: evidente que há situações concretas, de emergência, em que o res­ponsável tem que assumir a tarefa de decidir só sem consultar ninguém. Numa emboscada o comandante não vai reunir os combatentes para que estes votem o momento em que se abre o fogo, se dá o assalto ou ordem de recuo.
Mas em contrapartida, quanto mais e melhor antes da batalha o res­ponsável discutiu com os combatentes, lhes fez assumir o sentido e objectivo da batalha em que se engajam, as dificuldades e a táctica a seguir, tanto mais estes estarão disciplinados na linha do fogo, mais prontos estarão para o sacrifício, porque a vitória depende dum bom combate que resulta do comando que libertou a iniciativa da base.
Pode acontecer por vezes que no curso da discussão um companheiro ou se exprima mal, ou mesmo exponha uma ideia errada. A nossa tendência pode ser então a de o mandar calar, na base da nossa autoridade. O resultado é negativo: primeiro porque esse orador sentir-se-á incompreendido e persis­tirá na sua ideia errada indo até murmurar fora da reunião. Segundo, e mais importante ainda, para se combater uma ideia errada é necessário que todos, ou a larga maioria, compreendam como e porque a ideia é errada.
A democracia no seio do Partido é uma condição indispensável para que todos e cada um se sintam engajados e responsáveis da situação, pois que a criação e desenvolvimento da situação sempre foram associados.
É certo que nas estruturas temos escalões diferentes. Na prática o tipo e natureza de cada discussão variam em função do escalão em que a discussão se estabelece, o que é normal. Mas o princípio de discutir e ela­borar a decisão em conjunto deve sempre ser mantido.
A decisão burocrática, isto é, a decisão tomada pura e simplesmente pelo chefe ou direcção sem que haja um debate e explicação com as massas, embora possa ter um conteúdo excelente — o que é difícil — não mobiliza as massas, que em última análise são quem a deve assumir, pôr em aplicação e defender.
A decisão burocrática arrisca-se, embora tendo um bom conteúdo, a não corresponder ao nível de compreensão das massas, por outras palavras, ser Irrealista e criar uma contradição que teria sido evitada se uma discussão tivesse tido lugar.
A discussão democrática exige uma preparação rigorosa. Antes da discussão devemos proceder a uma investigação cuidadosa do assunto ou assuntos a debater, detectar o sentido geral da questão, estarmos claros sobre a linha do partido na matéria.
Assim preparados estamos em condições de orientar a discussão e formular as orientações correctas, as palavras de ordem exactas.
Devemos sempre considerar que, se uma orientação em si é correcta, muitas vezes se tentamos impô-la pode ser negativa por não corresponder à compreensão das massas. Em particular, as orientações que contrariam as tradições devem ser introduzidas progressivamente, depois de uma mobili­zação profunda que toque em especial o sector ou sectores que são mais vítimas dessa tradição.
Ao orientarmos uma discussão devemos utilizar a táctica de unir os sectores conscientes, isolar as forças recalcitrantes, ganhar ao ponto de vista justo a maioria hesitante.
Por isso nas discussões não podemos ser abstractos, temos que tocar os pontos concretos, raspar as crostas para que sangrem as feridas e assim todos sintam realmente a necessidade da resolução do problema.
Preparar pois a discussão como quem prepara um combate: fazer um reconhecimento estratégico e táctico dos pontos a discutir, conhecer os pontos fracos e fortes nossos e daquilo que queremos combater, organizar e dispor correctamente as nossas ideias, conhecermos como avançar e como recuar se necessário.
Para levarmos a cabo a ofensiva de democratização dos nossos métodos de trabalho, devemos dar uma importância à democracia política, econó­mica e militar no nosso seio.
Ao trabalharmos devemos sempre ter em mente que o Poder pertence ao Povo e somos todos igualmente oprimidos e humilhados, vendidos e explorados, massacrados, que somos irmãos da mesma classe com uma mesma missão: servir o Povo. Ê esta a base da nossa unidade, o ponto de partida da nossa democracia.
A democracia política é fundada na discussão colectiva, na resolução colectiva dos nossos problemas. Todos e cada um são chamados a exprimirem os seus pontos de vista sobre como melhor servir o Povo em cada situação concreta. Todos e cada um são responsáveis pela vida da Organização, pelo desenvolvimento e consolidação da luta e Revolução. Todos e cada um têm o dever de desenvolver criadoramente a nossa linha, sintetizando as nossas experiências ricas, adquiridas no combate político e armado contra o inimigo, na transformação da sociedade, na mobilização das leis da natureza a favor do progresso colectivo.
Os erros cometidos, individuais ou colectivos, as violações da nossa linha e da nossa disciplina devem servir-nos para nos educar. As lições tiradas dos erros devem ser discutidas pelas massas para que elas adquiram a nova experiência. As violações da linha e as agressões contra a nossa disciplina devem ser objecto de discussão e crítica pública das massas. Fazendo assim, por um lado utilizamos os erros para aprofundar a nossa consciência política, e por outro lado entregamos às massas a defesa da linha e da disciplina, que é a sua propriedade.

A tendência de certos camaradas de esconder perante as massas os erros cometidos especialmente por responsáveis, reflecte falta de democracia política e falta de confiança nas massas.
O poder pertence ao Povo trabalhador. A linha política exprime os interesses das massas laboriosas e a disciplina é a sentinela que defende a linha. Assim é evidente que a defesa da linha e da disciplina compete pri­meiramente às massas populares, essa defesa é a defesa da sua vida.
Confiar às massas a tarefa de criticar os erros, os desvios e agressões contra a linha e a disciplina é afirmar também que os erros, os desvios e agressões, os crimes, são antes de tudo actos políticos que reflectem ou insu­ficiências na compreensão da linha ou oposição à linha. Neste quadro a denúncia e crítica públicas constituem lições políticas que nos educam e educam também aquele que violou a linha.
ï! por esta razão que nos opomos de maneira geral aos julgamentos secretos ou à preocupação imediata com a elaboração de códigos penais e disciplinares. O julgamento secreto quando introduzido como sistema impede as massas de exercerem o seu Poder e abre O! caminho para abusos eventuais. Os códigos por seu lado tendem a congelar a evolução dinâmica e o pro­cesso de transformação constante em que nos engajamos, podem por isso facilmente despolitizar e burocratizar a justiça.
A democracia militar é assegurada pela participação de todos na sin­tetização das nossas experiências de combate, no estudo colectivo do conjunto do nosso país e do inimigo, nas lições tiradas em comum sobre cada acção, na discussão constante sobre os métodos para estendermos a luta armada a novas zonas e consolidar a nossa rectaguarda.
A democracia económica insere-se directamente no nosso combate pela liquidação do sistema de exploração do homem.
Asseguramos a democracia económica abolindo primeiramente o poder das -companhias e das classes exploradoras coloniais-capitalistas, ou tradicionais-feudais. Impedindo que estas classes explorem os trabalhadores, cria­mos as bases da democracia económica.
O nosso trabalho de mobilização e organização das massas na trans­formação da produção individual ou familiar em produção colectiva consolida o processo da democracia económica. Com efeito, agindo assim impedimos que a produção individual ou familiar degenere em propriedade exploradora originando classes de novos exploradores. Simultaneamente tornamos concreto o princípio justo de que todas as riquezas do nosso país e o nosso esforço pertencem à colectividade , servem a colectividade e destinam-se a desenvolver e melhorar as condições de vida e o bem estar do Povo.
Neste quadro, o trabalho, a participação na produção não só é um dever como também um direito de todos e cada um.
Para a Revolução não há desempregados, inúteis ou inválidos, talentos que não possam ser utilizados. Todos têm o dever e o direito de participarem na luta colectiva pela transformação da sociedade e pela utilização dos recur­sos da natureza em proveito da colectividade. A participação na produção une-nos à nossa classe, e a recusa de participação na produção exprime uma oposição à nossa linha e um apoio aos exploradores.
A discussão colectiva sobre os métodos de aumentar, diversificar é melhorar a nossa produção, a síntese constante e colectiva das nossas expe­riências positivas e negativas, a decisão tomada em comum sobre o método de repartição dos frutos da produção tendo em conta as necessidades quer da guerra, quer da elevação do nível de vida das largas massas, garantem o desenvolvimento da democracia económica.
Dentro deste quadro compreendemos que manifestações de preguiça no nosso seio, a falta de respeito pêlos bens do Povo e da Organização, cons­tituem atentados graves contra a nossa linha política de democracia econó­mica, expressões dum espírito de parasita, espírito de explorador.
O processo e a experiência da democracia é novo no nosso país. O nosso Povo, porque sempre viveu sujeito à dominação das diversas classes exploradoras, nunca conheceu a democracia real.
A revolução trouxe a democracia, ela afirma-se já a diversos níveis: político, económico, militar. Ela é exercida ainda no quadro das estruturas da Organização. Importa na fase presente alargarmos o campo da sua apli­cação, materializando assim ainda mais o princípio de que o Poder pertence às massas trabalhadoras.
Dentro deste quadro, uma necessidade importante, que corresponde à consolidação do Poder nas zonas libertadas, é a de progressivamente, come­çando dos escalões inferiores, ir generalizando o sistema de eleições para a designação dos responsáveis civis da população, por outras palavras, criar­mos verdadeiras estruturas democráticas de base do Poder administrativo.
É evidente que as eleições não podem ser anárquicas, mas têm de ser orientadas de maneira a que a escolha das massas recaia nos elementos que assumiram na ideia e comportamento a linha do Partido, possuam capa­cidade de iniciativa e de organização.
Importa por isso exercer uma grande vigilância para impedir que sejam eleitos elementos com tendências exploradoras, embora gozando de popularidade — por razões subjectivas ou acções demagógicas.
Velhos e jovens, homens e mulheres, igualmente devem participar na escolha e devem aparecer no exercício das responsabilidades lutando contra a tendência arcaica de discriminar a mulher e os jovens.
Devemos compreender que na medida em que a revolução se desenvolve e se consolida e a vida se reorganiza, uma divisão de tarefas cada vez mais nítida se estabelece entre a organização política, a administração e as estru­turas militares.
A associação cada vez maior de representantes eleitos das populações às tarefas de administração das mesmas, fomenta a iniciativa das massas e habitua as massas à vida democrática, cria um sentido de responsabilidade colectiva, leva as massas a exercerem o poder.
Em definitivo, na fase final, a tarefa do Partido político é dirigir, organizar, orientar e educar as massas; a tarefa das estruturas administra­tivas é pôr em prática as decisões nos diferentes campos da vida económica e social, enquanto que a tarefa da estrutura militar é apoiar as massas e protegê-las, expulsar o inimigo da Pátria, defender a Pátria e par­ticipar activamente na sua reconstrução.
O Partido dirige e orienta a reorganização da vida das massas e a reconstrução nacional, como orienta e dirige o exército, definindo-lhe os alvos, educando a consciência. O exército cria as condições para libertar o Povo e a terra. A administração, ela põe em aplicação as directrizes sobre a recons­trução nacional.
Na fase actual em que aumentam e se diversificam as tarefas da administração, importa progressivamente irmos democratizando os métodos do trabalho e de designação de responsáveis.
Os nossos métodos de trabalho não são secundários, pois que são eles quem materializa a aplicação das decisões.
Para um órgão de direcção trabalhar com as massas necessita que esteja unido.
Quando existem contradições num órgão de direcção nasce o boato, a intriga e a calúnia. Cada facção procurará mobilizar apoio para a sua corrente, dividindo as massas. Quando estamos desunidos, dividimos as massas e os combatentes, conduzimos a base a perder confiança na direcção, a desmobilizar-se e tornar-se inactiva, abrimos brechas por onde o inimigo penetra. Finalmente dividimos os nossos amigos.
Para estarmos unidos e unirmos as massas, devemo-nos conhecer bem.
Conhecermo-nos bem é sabermos que estamos correctos na ideia e no comportamento, e quando há algo de incorrecto, estarmos prontos a assu­mir a responsabilidade, submetendo-nos à crítica e auto-crítica.
A unidade no seio da direcção, à volta da linha correcta seja a que escalão for, é a força motriz do sector e condição para o sucesso da tarefa.
Da mesma maneira que uma pessoa se deve alimentar diariamente a fim de que o seu corpo se encontre em condições propícias para aguentar as tarefas e dificuldades, assim também a unidade se alimenta diariamente.
A vida colectiva, o trabalho colectivo, o estudo em conjunto, a crítica e auto-crítica, a ajuda mútua, são alimentos, os sais e vitaminas da unidade.
Os membros da direcção não devem ter vidas separadas uns dos outros, cada um ter uma vida própria e só se juntarem no momento em que há reuniões. Os membros duma direcção, tendo em conta é claro as tarefas de cada um e as deslocações necessárias, devem esforçar-se por viverem juntos, conhecendo-se assim melhor no quotidiano, apreendendo as deficiências de cada um, para melhor se corrigirem mutuamente. Trabalharem juntos, produ­zirem juntos, suarem juntos, juntos sofrerem os rigores da marcha, juntos superarem as dificuldades do inimigo, da natureza, cria laços fortes de amizade e respeito mútuo. O que nos liga não são palavras, mas muitas acções que vivemos juntos servindo o Povo, liga-nos uma unidade irrigada pelo suor e sofrimento, fertilizada pelo sangue.
Assim, quando sentimos que um companheiro está atrasado, vamo-nos esforçar por fazê-lo avançar.
Temos que compreender que a ignorância de um é um ponto fraco colectivo e afecta o trabalho de todos.
Como podemos aceitar por exemplo, que o nosso companheiro continue analfabeto, sem falar português? Será necessário, para alfabetizarmos esse camarada, para lhe ensinarmos português, que se reuna o Comité Central e vote uma resolução sobre isso?

O ponto fraco de um nunca pode servir de ponto forte para ninguém, o ponto fraco de um, o erro de um dificulta o trabalho de todos, prejudica a nossa tarefa, enfraquece colectividade.
A nossa preocupação é de avançar como as vagas do mar, avançar em conjunto, não deixar outros atrasados e ignorantes cometendo erros.
Organizar o estudo político, científico e literário para em conjunto assumirmos a situação e dispormos da técnica capaz de nos ajudar a superar as dificuldades.
Utilizar com frequência a crítica e auto-crítica, tanto para rectificar os métodos de trabalho, como para corrigir os erros e desvios individuais.
Mas não fazer da crítica e auto-crítica uma rotina religiosa, uma espécie de confessionário em que dizemos os pecados, somos absolvidos, recebemos uma penitência e preparamo-nos para repetir as mesmas situações.
Combatermos energicamente o espirito de vitória, a auto-satisfação. Nada mais ridículo e falso do que ouvir um camarada dizer que «tudo está bem, a situação é boa».
Afirmações como esta mostram auto-satisfação e rotina, como demons­tram falta de análise, incapacidade para detectar as deficiências e organizar o combate contra elas.
A falta de análise e estudo conduz à ignorância dos problemas e à hesitação perante as situações concretas, e um vacilante não pode ter auto­ridade perante as massas.
Um elemento não é responsável, não é dirigente, apenas porque foi eleito ou designado para executar uma tarefa.
A verdadeira autoridade que faz um dirigente, é a autoridade política.
Quando um dirigente não possui a confiança dos seus companheiros e as massas, ou tendo-a possuído perdeu-a, cai na autoridade administrativa, no autoritarismo.
Possuir autoridade política é primeiramente demonstrar, pelo compor­tamento e ideias, que se assumiu a linha do partido e se vive essa linha continuamente.
O dirigente é em todo o momento o representante, o defensor e o exemplo da linha política da FRELJMO.
Se surge uma contradição entre a linha e o comportamento do diri­gente, este não se encontra em condições de perante as massas representar, defender e mostrar o que é a linha.
Costumamos dizer duma maneira vulgar, que aquele que tem bife na boca não pode falar.
Por outras palavras, um responsável que é indisciplinado, por muito que fale de disciplina, só explicará na realidade a indisciplina e com a sua indisciplina vai fomentar liberalismo e anarquia.
Um responsável que desvia bens do Partido para satisfazer os seus interesses e vícios poderá fazer mil discursos sobre a importância de respeitar os bens do Partido e do Povo, o preço do sangue com que esse material foi adquirido. Na realidade ele só pode ensinar corrupção às pessoas, e estas lutarão entre si para ver quem mais e melhor se beneficia dos bens do Partido, quem mais e melhor explorará a seu favor o sangue e suor do Povo.

Um responsável que recuse ter calos nas mãos poderá fazer centenas de reuniões sobre a produção, mas isso não levará ninguém a produzir e não organizará uma só cooperativa.
Um responsável que fale de produção colectiva e queira manter a sua machamba e o seu gado, continuará a ensinar que devemos persistir na pro­priedade privada.
Um responsável que organiza o combate contra as tradições que opri­mem a mulher e é o primeiro a aceitar que os filhos e filhas sejam submetidos aos ritos de iniciação, na realidade mobiliza as massas para continuarem mergulhadas nas tradições reaccionárias.
Um responsável que vem explicar o valor da higiene e saúde e é incapaz de cavar uma só latrina, de limpar a sua casa e libertá-la de moscas e mosquitos, que não ferve a água de beber, que continua a recorrer a curan­deiros e feiticeiros, conduz pelo seu exemplo o Povo a fazer o mesmo.
Em resumo, as massas dirão sempre: ele diz palavras porque lhe deram ordem de dizer essas palavras, mas essas palavras são vazias como o vento, deixa passar e tudo continuará como antes.
O resultado é que o responsável, pelo seu comportamento, cria o caos, e temendo a censura dos seus superiores, temendo ser afastado do seu posto que rodeou de privilégios, vai impor uma ditadura às massas para criar uma fachada de coisas bonitas quando tudo está em ruínas.
Em vez de discutir e convencer, berrará ordens, dará punições, e ao mesmo tempo, porque com a sua vida cria compromissos, não pode punir os seus cúmplices, criando uni sentimento geral de injustiça, não pode punir os que conhecem os seus pontos fracos criando liberalismo.
Este responsável cria todas as condições favoráveis para fomentar contradições nas massas, divisões, abre as portas e janelas aos boatos e intri­gas, em resumo, instala uma base inimiga onde deveria ser um centro difusor da vida da FRELIMO.
A autoridade política exige do responsável uma alta disciplina, isto é, que as suas ideias, vontade e comportamento se identifiquem totalmente com a linha da FRELIMO e as decisões dos órgãos competentes. A autoridade política requer ainda competência, vontade de aprender, capacidade em reco­nhecer as próprias limitações e decisão em combatê-las.
Um incompetente não está em condições de dirigir e organizar. Para manter a sua posição imporá decisões, e como estas terão de ser erradas, ele impedirá a discussão e a crítica. Ao mesmo tempo ele oprimirá todos aqueles em quem sente qualidades superiores, porque conhecendo apenas a sua ambição, ignorando as necessidades do conjunto, ele vê na competência dos outros «concorrência».
Quanto mais competente é um elemento, mais vontade de aprender dos outros ele tem, melhor reconhecerá as suas limitações e lutará contra elas. Por isso fomentará sempre um espírito colectivo, a discussão; estimulará a iniciativa dos seus subordinados e combaterá o burocratismo que dificulta e trava o progresso.
Um dirigente deve possuir a visão do conjunto, a única que lhe permite compreender como a sua tarefa ou sector de actividade se integra no processo geral da luta. Assim poderá definir os objectivos e prioridades do seu trabalho a curto, médio e longo termo.
É estabelecendo as prioridades correctamente que se pode planificar o trabalho. Planificar significa organizar a tempo os recursos materiais e humanos, criar as condições políticas e materiais para se atingirem os objectivos pro­gramados dentro do período determinado, estabelecer a estratégia e a táctica adequadas para utilização mais eficiente dos recursos de maneira a cumprir-se correctamente o1 plano.
Um aspecto final que é exigido do dirigente é a preocupação constante pela melhoria das condições de vida das massas e combatentes. A Revolução destina-se a criar melhores condições de vida.
Isso implica as transformações materiais que fornecem a base objectiva da elevação do nível de vida. Esta acção requer também uma acção de expli­cação e educação para que por um lado se compreenda a necessidade da transformação e por outro se compreenda como beneficiar da transformação e como a utilizar.
Assim, por exemplo, não basta criar-se uma horta, é necessário ainda que as pessoas compreendam o beneficio que lhes traz o consumo da salada e como a consumir. Não é suficiente cavarem-se latrinas numa povoação ou base: é indispensável explicar-se qual a sua necessidade e como as utilizar.
Em última análise, um responsável, uma direcção, exprimem a nossa linha.
Assim a sua qualidade central é a defesa da linha, a preocupação pela vida da Organização política, pela vida das massas e combatentes.
É este o critério supremo para apreciarmos os méritos do nosso tra­balho, a pedra de toque para distinguirmos a direcção correcta e eficaz da direcção incompetente e errada.
Na zona colonialista e capitalista a direcção é julgada em função dos benefícios que a sua actividade traz para as classes exploradoras e a sua capacidade em impedir e reprimir o movimento reivindicativo das massas.
Porque o nosso objectivo é servir o Povo e o Poder pertence ao Povo, o nosso critério são as transformações operadas no seio da sociedade e a utilização dos recursos da natureza em benefício das largas massas.
3.    CENTROS DIFUSORES DA LINHA
Um centro nosso, educacional ou sanitário, um infantário ou posto comercial, uma cooperativa ou destacamento, uma base ou um distrito, para além da sua tarefa específica, tem a missão fundamental de ser um centro difusor da nossa linha e da nova vida, um modelo da nova sociedade em construção e das novas relações sociais entre os homens.
Como uma lanterna na noite escura nos indica o caminho a seguir, os nossos centros mostram às massas o processo de construção da nova sociedade. Isto implica que os centros apareçam como agentes dinâmicos na transformação da mentalidade do homem, e forças motrizes na mobilização das leis e recursos da natureza para elevar o nível de vida das massas.
No processo de transformação do homem e da sociedade encontramos numerosos obstáculos.
Compete-nos transformar a massa enorme, diversa e rica, que do Rovuma ao Maputo e dos confins de Tete ao Oceano Indico, constitui o nosso Povo. Há velhos incrustados em tradições arcaicas e jovens deformados pêlos falsos valores do colonialismo e capitalismo. Temos mulheres a quem durante milénios a sociedade oprimiu asfixiando a iniciativa. Vêm para as nossas fileiras advogados e engenheiros, sociólogos e economistas, técnicos e intelectuais, frequentemente endoutrinados pela burguesia para desprezarem o trabalho manual e se conceberem como uma elite dirigente que nada tem a aprender. Mas encontramos também camponeses analfabetos com uma expe­riência do mundo limitada aos horizontes da sua povoação, a quem a domi­nação colonial inculca a ideia de que constituem uma massa ignorante e bruta incapaz de raciocinar ou possuir iniciativa. Das fábricas e das minas, das serrações e das plantações, dos transportes chega-nos uma classe operária embrionária, com uma consciência de classe fraca e ainda incapaz de assumir o seu papel dirigente no processo de transformação da sociedade. Das admi­nistrações e escritórios, das casas comerciais e bancárias vêm a nós funcio­nários e empregados eivados duma mentalidade pequeno-burguesa.
As zonas rurais e urbanas enviam-nos continuamente novos elementos possuindo as suas deformações específicas.
Nas zonas rurais a vida é particularmente desorganizada, sem noção de programa ou pontualidade, profundamente dominada pela rotina e tradi­ções ultrapassadas que inibem o progresso e paralizam a iniciativa. Para o camponês o Poder é o governo hostil e estrangeiro que se manifesta pela caderneta e imposto, pelo recrutamento forçado os baixos preços fixados à venda dos produtos penosamente obtidos, pela palmatória e machila. O terror asfixia a iniciativa. O homem vive em contradição permanente com uma natureza que desconhece e teme, com um Estado que o explora, oprime e humilha. As suas relações sociais vão pouco para além da povoação em que vive e quando muito estendem-se ao grupo linguístico que é seu.
Na cidade colonial-capitalista a luta pela sobrevivência é feroz e força os seres ao egoísmo, à concorrência. A ambição, a luta para mais e melhor explorar outros homens destroem a confiança entre as pessoas e fazem delas rivais. Funcionários e empregados fomentam calúnias e intrigas contra colegas para serem promovidos em seu detrimento. Adulam-se chefes, pro­curam-se «cunhas», arranjam-se alianças de uns contra outros, humilham-se as pessoas para salvaguardarem o seu pão quotidiano. A cultura degenerada colonial capitalista exalta gostos degradantes e corruptos que animalizam o homem. A cada um é inculcado o desejo do Poder e do luxo construídos por cima da exploração e humilhação dos outros seres.
No campo, como sobretudo na cidade, domina ainda a onda de opressão colonial-fascista. A acção da PIDE procura infundir um terror permanente nas pessoas que as conduza a resignar-se à fatalidade dum destino de explo­ração e dominação.

O desencadeamento da luta e as vitórias que alcançamos mostram duma maneira concreta que não existe nenhum destino ou fatalidade, que somos capazes de transformar a sociedade o criar uma Nova Vida.
Por isso as pessoas procuram a FRELIMO. Todos odeiam o inimigo, a opressão e a humilhação, a exploração e o terror, muito embora frequen­temente não esteja bem clara a definição do inimigo. Todos anseiam pela liberdade e estão dispostos a sacrificar-se por ela mesmo quando ainda igno­rem como exprimir correctamente o seu conteúdo. Todos aspiram a um mundo diferente ainda que não possam precisar qual a diferença.
Assim, sem clareza, com dúvidas e incertezas, com vícios e defeitos, com tradições mortas e gostos decadentes, presos no tribalismo ou no indi­vidualismo, com a iniciativa asfixiada e a inteligência temendo pensar, com os complexos herdados e impostos, cada um chega à luta, cada um vem à FRELIMO procurando a resposta certa, o caminho correcto.
A nossa tarefa é a de a todos integrar e transformar em servidores do Povo, combatentes defendendo os interesses das massas exploradas, mili­tantes da causa da libertação da Pátria.
Nenhum milagre virá ajudar-nos nesta tarefa gigantesca. O processo de transformação é feito pêlos homens que somos, lutando continuamente contra as nossas próprias limitações.
Para nos transformarmos e transformarmos os homens que cada dia chegam a nós precisamos de viver organizados, por outras palavras possuir o aparelho, as estruturas capazes de aplicarem a linha.
Sem estarmos organizados não conseguimos transformar-nos a nós próprios e seremos ao contrário arrastados pelo peso dos hábitos e gostos da outra zona.
Viver organizado significa primeiramente possuir estruturas. As estru­turas são a presença organizada da FRELIMO no nosso seio. São elas que nos mostram qual a nossa tarefa, como ela se combina com todas as outras tarefas e como estamos assim integrados no corpo da FRELIMO. Sem as estruturas, por outras palavras sem a integração na FRELIMO, viveremos isolados, como membros fora do corpo.
E; evidente que por mais inteligente, dinâmica, trabalhadora e dedicada que uma pessoa seja, ela não pode sozinha fazer todos os trabalhos do centro em que vive. São as estruturas que nos fornecem os mecanismos adequados para distribuirmos as tarefas entre nós.
As estruturas fornecem-nos os canais apropriados para a resolução dos problemas que enfrentamos no nosso trabalho e na nossa vida.
JÊ através das nossas estruturas que asseguramos a discussão dos nossos problemas, descobrimos como aplicar a nossa linha duma maneira cria­dora em cada situação concreta enfrentada. É no quadro das nossas estruturas que corrigimos os nossos métodos de trabalho.
As estruturas são o instrumento da democratização da nossa vida, pois que levam à participação de todos duma maneira organizada, à solução dos problemas de maneira colectiva.
Quando levamos todos a participarem na resolução dos problemas, quando fazemos que todos e cada um se sinta responsável pela resolução dos problemas enfrentados, estamos a colectivizar a nossa direcção, a colectivizar a nossa vida.
As estruturas não caem do céu, elas são produtos de situações precisas e respondem a necessidades concretas. Quer dizer que as estruturas devem ser operacionais, isto é, responder às necessidades e situações precisas de um dado centro. Elas devem permitir uma divisão e coordenação das tarefas do centro, a execução da tarefa principal e das outras tarefas revolucionárias.
E evidente que não vivemos uma situação estacionária: o desenvolvi­mento da luta, a acção inimiga modificam constantemente a situação que vivemos. A modificação da situação, a mudança de condições requerem que as estruturas se adaptem a elas. As estruturas devem adaptar-se à vida, não é a vida que se deve submeter às estruturas. Isto significa que as estru­turas devem ser flexíveis, para poderem sempre adaptar-se à situação concreta.
As estruturas têm uma função: assegurar uma continuidade e desen­volvimento do trabalho, permitir que as nossas tarefas sejam cumpridas correctamente em todas as condições, por outras palavras, elas devem ser dinâmicas, elas são transmissoras da energia que faz movimentar a máquina.
Mas as estruturas são também os homens, sem eles as estruturas tornam-se apenas bonecos, mais ou menos bem desenhados numa folha de papel ou num quadro.
Frequentemente no processo da revolução surgem erros e desvios, muito embora a linha seja clara e as estruturas adequadas. E ao nível das Insuficiências que possuímos, que devemos situar a causa destes erros e desvios.
O desenvolvimento da nossa Revolução, a extensão e consolidação da nossa luta armada suscitam o aparecimento de novas contradições.
Cada progresso suscita sempre uma reacção, a Revolução é sempre oposta pela contra-revolução.
A contradição principal que surge entre nós na fase presente é entre as exigências da situação e a nossa capacidade.
A luta, a instalação do poder popular, desenvolvem-se mais rapida­mente do que a consciência e a capacidade dos quadros, sobre quem pesa a tarefa de orientar, canalizar e dinamizar o processo geral.
O aspecto principal desta contradição manifesta-se na incapacidade das estruturas de alguns centros em resolverem por si correctamente os diferentes problemas que surgem, a sua dificuldade em definir e planificar as tarefas, a impossibilidade desses centros em integrarem e transformarem efectivos crescentes que lhes são confiados, as populações cada vez mais numerosas de que são responsáveis.
Ora todos nós possuímos uma linha clara de orientação, uma linha provada pela prática: a linha da FRELIMO, que cobre todos os aspectos da nossa vida e todos os sectores da nossa luta. A análise criadora da linha permite-nos encontrar a resposta adequada para cada situação concreta que enfrentamos. As nossas estruturas têm acompanhado a evolução da situação, estamos sempre a organizarmo-nos. Temos connosco as massas, temos as estruturas, a linha.
Então onde se encontra a causa da contradição? Como resolver a contradição para passarmos a uma fase superior? A resposta está nos quadros,  que   são   o  factor   decisivo  na   aplicação da linha   e na vida  das estruturas.
Perguntamos, porque é que os quadros veteranos da luta, que construí­ram com numerosos sacrifícios aquilo que somos hoje, se deixam, como dizemos, ultrapassar?
Temos primeiramente como causa desta situação, o espírito de vitória.
As grandes vitórias que alcançamos, tanto no campo da luta armada como no da liquidação das forças reaccionárias e na destruição das infil­trações inimigas no nosso seio, ou ainda na reconstrução nacional, levam certos camaradas a só verem vitórias contínuas, a desprezarem tacticamente o inimigo, a considerarem sempre a situação como «normal», «boa», e nunca tiram lições dos revezes, não estudam como combater as nossas limitações.
Por isso deixam de estudar a nossa linha, acham que já conhecem o suficiente e aí estão as vitórias a prová-lo. O resultado é o abandono da análise política, a nossa consciência torna-se insensível aos desvios e agressões contra a linha e assim não conseguimos detectar e destruir no ovo as infil­trações ideológicas, morais e físicas do inimigo.
Negligenciam o estudo científico, consideram que já sabem o suficiente, tanto mais que aí estão as vitórias a prová-lo. Mas o desenvolvimento da guerra e da reconstrução nacional requerem conhecimentos científicos cada vez mais sólidos e superiores, e nós não os temos. Como resultado desta atitude a nossa ignorância bloqueia o progresso, e o que não progride estagna e apodrece.
Deixam de estudar o inimigo, consideram que já o conhecem suficien­temente, e a prova é que aí estão as vitórias. Mas as manobras do inimigo evoluem continuamente, o seu espírito criminoso e desesperado cresce com cada derrota. Não estudar continuamente o inimigo, desprezá-lo tactica­mente, leva-nos à rotina, e por isso a sermos surpreendidos pelas novas mano­bras do inimigo, pêlos seus novos crimes. Assim, em vez de mantermos a ofensiva, em vez de destruirmos a cobra quando está no ovo, caímos na defensiva, descobrimos a cobra quando, já adulta, levanta a sua cabeça venenosa para nos liquidar.
Abandonam o combate interno pouco a pouco, já estamos suficiente­mente puros, já nos demarcámos o suficiente do inimigo porque não temos contacto físico com ele. Pouco a pouco a velha vida, a vida da outra zona penetra, o liberalismo introduz-se, a corrupção surge, os compromissos come­çam a paralizar-nos, as ideias erradas pululam, a superstição espalha-se. Cria-se com isto o clima de relaxamento, a desconfiança e a injustiça infil­tram-se, a divisão surge e o inimigo descobre que o terreno começa a ferti­lizar-se para ele poder agir.
O espírito de vitória é uma manifestação de oportunismo de esquerda: leva-nos a desprezar tacticamente o inimigo, conduz-nos ao aventureirismo. Cedo ou tarde o espirito de vitória far-nos-á pagar em sacrifícios, far-nos-á pagar caramente em baixas pesadas e inúteis os erros que cometemos.
O espírito de vitória é irmão gémeo do espirito de derrota, o oportu­nismo de esquerda é a outra face do oportunismo de direita.
Quando, em consequência dos erros cometidos pelo espírito de vitória, se sofrem revezes, os aventureiros caem então no espírito de derrota, temem o inimigo do ponto de vista estratégico, começam a só analizar fracassos, deixam de ver os progressos da luta. Como tinham o espírito de vitória rápida, a guerra torna-se «interminável» nas suas cabeças. As vitórias alcan­çadas são para eles casuais e isoladas.
Com este espírito passam a realizar as suas tarefas com um desin­teresse evidente, abandonam totalmente a visão de conjunto, só vêm erros nos trabalhos efectuados pêlos outros camaradas, mas recusam-se a apontar e discutir os erros, a propor soluções justas. Preferem o murmúrio à crítica e auto-crítica, a intriga à discussão aberta. Criam os seus grupinhos, os seus aliados.
S6 analisar fracassos, só ver erros, torna-se uma maneira de justificar e camuflar o abandono das posições revolucionárias, o desinteresse pelo trabalho.
Criam-se doenças e problemas imaginários, apresentam-se como Incom­preendidos, perseguidos, mártires de conspirações e inimigos que só existem na sua imaginação ociosa e doentia.
Os corpos continuam na nossa zona, mas os espíritos já se instalaram na outra zona, sonhando com o conforto e corrupção vistos como coisas maravilhosas.
Uma outra insuficiência que aparece frequentemente ligada às mani­festações anteriores é o espírito de «veterano», de «antigo» na guerra e na política e por isso sabe tudo, nada tem a aprender sobretudo das novas gerações. As novas gerações em particular, cheias de dinamismo e desejosas de introduzir novas ideias e métodos, são concebidas como concorrentes inde­sejáveis que vêm desalojar os «veteranos» da sua rotina e privilégios.
Estes «veteranos», que de veteranos só possuem a antiguidade e não a riqueza duma experiência sintetizada para ser transmitida às novas gerações, são elementos estagnados mentalmente. Cumprem rotineiramente as suas tarefas sem se preocuparem em introduzir novos métodos nascidos da expe­riência adquirida. Ao trabalhar não se preocupam em realizar a tarefa o melhor e mais rapidamente possível, e cometem erros que justificam dizendo que errar é humano. Têm vergonha de reconhecer a sua ignorância e assim recusam-se a aprender, persistindo nos velhos caminhos errados. A sua anti­guidade é pretexto para reclamarem privilégios e darem prioridade aos seus problemas pessoais e egoístas. Querem um tratamento especial porque são antigos, esquecendo-se que dos veteranos exigimos sobretudo um espírito e comportamento exemplares que nos eduquem na Nova Vida. Impedem a promoção de novos quadros e novas forças e procuram semear a descon­fiança contra elas. Fazem isso porque perderam a visão do conjunto e a noção das necessidades crescentes da guerra e reconstrução nacional. Preo­cupam-se pois com postos e não com as tarefas da luta, querem defender privilégios e rotinas que os transformam em pequenos capitalistas.
Estas manifestações exprimem a contradição permanente entre o velho e o novo, o progresso e a rotina, o espírito de desenvolvimento e o espírito conservador. Esta contradição é própria de todas as revoluções e o método para a tratar correctamente é de educar os quadros no espírito de progresso, na visão do conjunto e no sentido de servir as massas ganhando as novas gerações para desenvolver o trabalho.
As novas gerações também devem ser educadas correctamente. Estas novas gerações, quando nas nossas zonas libertadas, quando crescem nos nossos centros, são frequentemente consideradas automatica­mente como «revolucionárias», impregnadas da nossa linha. Elas próprias assim também o pensam. Por isso negligencia-se por vezes o trabalho político no seu seio, o combate colectivo contra os gostos, os vícios e defeitos da outra zona. Sem qualquer base e porque simplesmente cresceram fora da presença inimiga, consideram-se as novas gerações livres do passado.
Isto é um erro grave e perigoso que pode conduzir à formação de pequenos reaccionários no nosso seio, quando estamos convencidos de que formamos gerações de continuadores da revolução.
Devemos compreender que as novas gerações crescem em contacto com as velhas gerações que lhes transmitem os vícios do passado. A nossa prática demonstra-nos como é que crianças e jovens nos nossos próprios centros são contaminados pelas ideias, hábitos e gostos decadentes. Na nossa situação a acção subversiva do inimigo também desempenha um papel impor­tante na introdução e fomento dos valores e práticas da outra zona. Final- mente, e durante todo o período em que ainda subsistir o capitalismo e o imperialismo no mundo, a sua propaganda e subversão far-se-ão sentir entre nós, e a conquista da independência e do Poder não constituem de modo algum garantia de impermeabilização contra os valores decadentes.
Com efeito, não é em dez ou vinte anos que se liquidam os pesos mortos duma herança milenária. Os valores, os gostos, as concepções que vêm do passado, ainda que contrárias à linha, contrárias à nossa vida, contrárias ao progresso, continuam fortes. A luta abalou-os, mas ainda é muito cedo para cantarmos vitórias. Este combate político terá que se prosseguir durante dezenas de anos, até que realmente a mentalidade nova ganhe a quase totalidade da sociedade e novos problemas e contradições surjam exigindo novos combates. Por outro lado, as novas gerações cresceram sem contacto directo com a exploração, a opressão, a humilhação próprias da sociedade colonialista e capitalista. Elas conhecem os bombardeamentos, mas nunca sofreram a palmatória, combateram contra helicópteros mas nunca foram submetidas ao trabalho forcado, liquidaram soldados inimigos mas não foram presas para pagar impostos, testemunharam crimes mas nunca foram vendidas para as minas.
No seio das largas massas existe uma rica experiência de sofrimento, um enorme potencial de ódio contra o inimigo. Mas as experiências não são suficientememte trocadas, não são suficientemente sintetizadas para que se aprofunde o conhecimento e o ódio contra o inimigo, contra a exploração. Podemos dizer que se desperdiça a experiência de sofrimento que devia servir para formar as novas gerações e consolidar a consciência das massas em geral.
Para superar estas deficiências e resolver as contradições da fase presente, a ofensiva ideológica e organizacional impõe-se.
Isto significa agir ao nível das secções e do grupo, no que respeita à organização do exército, e dos círculos no que concerne a organização das massas.
Mas para que realmente transformemos as secções e círculos em células de base, em centros da nossa vida política, sentiu-se a necessidade de agir sobre os quadros, porque é sobre estes que recai a tarefa de dinamização da base.
Devemos dinamizar cada sector de trabalho com os elementos que, pelo seu comportamento e pelas suas ideias, demonstram ter assumido criadoramente a nossa linha e fazerem parte da vanguarda da nossa organização, que possuem o espírito de iniciativa e visão do conjunto, se preocupam em combinar a sua tarefa principal com as outras tarefas revolucionárias, enga­jam-se no combate interno, estudam e são sensíveis aos mínimos desvios e agressões contra a linha, defendem a disciplina que é a sentinela da nossa linha política.
Para além dos problemas concretos e das feridas precisas existentes em cada sector, direcção e quadros devem preocupar-se em:
         a)   Representar, Inculcar defender a nossa linha no seu sector;
         b)   fazer   assumir   e  defender  a nossa disciplina  que   é  a   sentinela da nossa política;
c)   pôr a política nos postos de comando em todas as nossas activi­dades;
d)   organizar o sector de trabalho, organizá-lo no espírito de combate entre duas linhas e na demarcação crescente entre nós e o inimigo, na aquisição da visão de conjunto e na combinação entre a tarefa principal e as outras tarefas revolucionárias;
e) organizar e orientar os militantes na análise crítica diária das actividades individuais e colectivas e na sintetização das experiências, na libertação da iniciativa e na destruição do espírito de rotina e na criação do espírito de inovação e progresso;
/) organizar e orientar o sector de trabalho no estudo político, na alfabetização e elevação do nível científico, no estudo e análise da nossa situação e do inimigo;
g) manter uma ofensiva intensa e permanente de combate colectivo e de purificação das nossas fileiras dos elementos incorrigíveis, impermeáveis à linha e que persistem nos gostos corruptos, nos vícios e defeitos, e recusam a transformação;
h) organizar e orientar o estudo das experiências teóricas e práticas das outras revoluções, a fim de tirar lições úteis para a nossa situação, e educar os militantes no espírito revolucionário internacionalista.
Podemos afirmar essencialmente que a ofensiva ideológica deve-nos criar uma consciência política sólida fundada em três pontos centrais:
1.    Conhecimento profundo da nossa linha política.
2.   Conhecimento íntimo da nossa luta, tanto na sua evolução como no seu significado para o nosso Povo e os outros Povos do Mundo.
3.   Confiança total nas massas unidas e organizadas sob a direcção da nossa linha correcta, estar consciente de que as massas neste quadro compreendem e assumem a luta, têm energia criadora e são invencíveis qualquer que seja o adversário e a sua força.

A dinamização exige uma investigação cuidadosa, tanto para determinar os problemas concretos existentes no sector em que devemos agir, como também na selecção do núcleo dinamizador, que realmente deve ser com­posto por elementos de vanguarda.
Dinamizando os quadros, que são o factor decisivo na aplicação da nossa linha política, estaremos em condições de transformar as secções e círculos em células de base da nossa organização política.
E esta acção que nos habilitará a enquadrar e transformar a vida das massas que em número crescente se integram na nossa organização, asse­gurando assim o alargamento consolidado da nossa frente. Esta acção criará ainda as condições para que se constitua no nosso seio a vanguarda orga­nizada do nosso Povo e das classes trabalhadoras exploradas, instrumento indispensável para o desenvolvimento da revolução democrática e popular em Moçambique.
Neste quadro, a natureza das relações entre os nossos centros e as massas populares tem um papel fundamental.
São as massas a fonte de vida da nossa organização, são elas a força principal e decisiva no processo da libertação da nossa Pátria e na cons­trução da nossa sociedade. O combate é feito e ganho por elas e destina-se 8 satisfazer os seus interesses.
Qualquer centro nosso é um centro colectivo ao serviço das massas, um centro que sintetizando as experiências da revolução leva essas experiências às largas massas para desenvolver o processo de transformação da vida.
Servimos as massas dando-lhes o exemplo da aplicação da nossa linha.
Quando o nosso comportamento de militantes corresponde à linha, estamos a educar as massas na nova vida.
Servimos as massas dando-lhes o exemplo de vida organizada, Incul­cando-lhes métodos para viverem organizadas, orientando-as para se orga­nizarem cada vez melhor.
É organizando as massas, é criando estruturas democráticas e popula­res no seu seio que poderemos transformar a sociedade.
São as estruturas criadas no seio do círculo que orientarão os cam­poneses, criadores de gado, pescadores, artesãos, a organizarem-se colecti­vamente para produzirem nas cooperativas, melhorarem as suas técnicas produtivas, diversificarem e aumentarem a produção, elevando assim o nível de vida das massas. É evidente que o exemplo da produção colectiva nos centros, dos seus resultados, as machambas, as hortas7 as árvores de fruto, as lagoas artificiais ou naturais para a criação de peixe, serão as melhores testemunhas do valor e veracidade da nossa capacidade colectiva em trans­formar a sociedade.
São as estruturas criadas no seio do círculo que levarão as massas a organizarem-se em destacamentos que punem qualquer acção inimiga contra a povoação, as machambas e locais de trabalho. E o trabalho organizativo que transformará cada povoação, cada machamba, numa fonte de sofrimentos e baixas para o inimigo. O exemplo dado por cada um dos nossos centros na defesa contra as agressões inimigas, o nosso trabalho de instrução militar no seio das massas, o sabermos estimular a imaginação e iniciativa criadora das massas para combinarem as armas e armadilhas tradicionalmente utilizadas contra as feras com as armas modernas, tornarão impossível qualquer acção generalizada do inimigo contra o nosso Povo.
São as estruturas criadas no seio do círculo que, elevando a cons­ciência política das massas e conduzindo estas ao aprofundamento da demar­cação com o inimigo, aguçarão a sensibilidade das massas contra as manobras ou infiltrações do inimigo, permitindo assim que as destruamos no embrião.
Em última análise, é esta estruturação que torna irreversível a libertação duma zona e nos conduz a rechaçar as invasões e agressões inimigas por poderosas que estas sejam.
É evidente que para os nossos centros dinamizarem a vida das largas massas e transformarem a sociedade, isto exige que cada centro e cada militante afectado num centro assumam a missão de servidores das massas e continuamente, duma maneira exemplar e sem qualquer relaxamento, res­peitem integralmente os interesses das massas.
Não poderemos nunca tolerar que um militante nosso ouse utilizar o poder ou a arma que lhe foram confiados para servir o Povo, para cometer qualquer violação dos interesses do Povo, por mínima que seja. Devemos ser intransigentes perante qualquer liberdade tomada com as mulheres e abuso aos bens do Povo, ou qualquer injustiça cometida contra as populações. Isto é parte integrante da nossa luta, da nossa disciplina, e condição indis­pensável para que as massas possam sempre distinguir, sem hesitação, as nossas acções das do inimigo.
Servir as massas, transmitir-lhes a arma invencível da nossa linha, as nossas experiências, orientá-las na elevação do nível ideológico e organizativo, é a missão de todos os nossos centros nas suas relações com as massas.
Iniciamos o décimo ano da nossa guerra popular de libertação contra o colonialismo português e o imperialismo.
Durante estes dez anos de luta armada, estes doze anos da existência da FRELIMO, a situação da nossa Pátria e do mundo sofreram alterações profundas.
Os nossos objectivos iniciais de independência nacional aprofundaram-se no processo de desenvolvimento da guerra popular, criando as bases da revolução nacional democrática e popular para instaurar o poder popular, o poder das largas massas trabalhadoras do nosso país.
A extensão da luta armada para zonas onde dominam grandes inte­resses económicos e estratégicos do imperialismo, levou-nos a uma confron­tação directa com este, tornando imediato e concreto o conteúdo anti-imperialista do nosso combate.
As graves derrotas político-militares sofridas pelas forças coloniais portuguesas, a sua incapacidade manifesta em bloquear a progressão do combate libertador, forçaram a direcção inimiga a modificar a natureza da agressão contra o nosso Povo, com o intuito de salvaguardar os interesses fundamentais imperialistas: a exploração das massas trabalhadoras nacionais, a pilhagem dos nossos recursos e a destruição do movimento revolucionário na África Austral em particular e no continente em geral.
Ë neste contexto que se situa a entrada da África do Sul e Rodésia na guerra contra nós, o reforço do apoio militar, financeiro e técnico, a transmissão das experiências de agressão aos colonialistas portugueses e aliados, pelos Estados imperialistas, em particular os Estados Unidos, França, Alemanha Federal e Inglaterra.
Assim a internacionalização da agressão contra o nosso Povo tornou-se uma realidade, a guerra colonial assume já o carácter de guerra imperia­lista de agressão.
Com o objectivo de diminuir as suas baixas crescentes e alarmantes, o comando inimigo decidiu modificar a cor dos cadáveres, «moçambicanizar» a guerra pela criação dum exército fantoche, recrutado à força e enquadrado por portugueses: OPV, GE, GEP, etc....
Esta acção permitiria ainda camuflar perante a opinião mundial a agressão estrangeira contra o nosso Povo.
Estas modificações da situação requerem de nós uma resposta adequada.
Definimos no passado que as nossas tarefas essenciais eram as de Intensificar o trabalho político no seio dos quadros, estender a luta e con­solidar as nossas zonas. A IV Sessão do nosso Comité Central eleito pelo II Congresso (Dezembro de 1972), ao dar-nos a palavra de ordem de genera­lizar a ofensiva para estabelecermos a nossa favor a correlação de forças com o inimigo, precisou que isso requeria a popularização da nossa linha, isto é, fazer que ela seja assumida e vivida pelas largas massas, a demo­cratização dos métodos de trabalho e a colectivização da direcção.
Mais recentemente, ao estudarmos os meios para criarmos as condições para a aplicação destas directrizes, definimos duas orientações fundamentais: a intensificação da ofensiva ideológica em direcção dos quadros, combatentes e massas, a intensificação do trabalho organizacional pela constituição de grupos e secções como células de base, no seio do exército, e fazer dos círculos a base da nossa acção política no seio das massas.
Os diversos centros da FRELIMO— militares, educacionais, sanitários, infantários, de produção, de comércio — têm um papel decisivo a desempenhar: são eles o centro difusor da nossa linha.
Para as largas massas, é a eles que compete mostrar duma maneira prática a superioridade e justeza dos nossos princípios e objectivos.
Em resumo, é sobre os nossos centros que recai a responsabilidade de transmitir às massas duma maneira viva a linha política da FRELIMO.
É sobre cada um dos militantes que recai a responsabilidade de enrai­zar a revolução na nossa Pátria, garantir a sua vitória, única justificação para a imensidade de sacrifícos, para o mar de sangue que já consentimos.
Ë nos nossos centros que se encontram as respostas, é lá que possuímos as forjas do Homem Novo, da Sociedade Nova.
Por isso, ao prepararmos as celebrações do décimo ano da nossa guerra popular, transmitimos a todos os nossos centros e militantes a palavra de ordem:
«DEMARCAR O NOSSO PODER DO PODER DO INIMIGO, ESTABE­LECER O PODER POPULAR PARA SERVIR AS MASSAS».


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