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quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Gurué: A tipificaçao do modelo eleitoral moçambicano

Editorial do Savana

O resultado da repetida eleição autárquica no Gurué, província da Zambézia, é simplesmente uma pequena amostra do nível de ilegalidades e irregularidades que caracterizam os nosssos processos eleitorais, onde órgãos de administração de eleições entram em conivência com o partido no poder para roubar votos dos eleitores da oposição.

E que não haja dúvidas. O facto de o Conselho Constitucional ter anulado e mandado repetir a eleição naquela autarquia deveu-se à forma tão flagrante como a fraude foi orquestrada e executada.


Não duvidamos da rigorosidade com que o Conselho Constitucional exerce o seu mandato na fiscalização dos processos eleitorais, mas também acreditamos que é do interesse dos doutos juízes daquele órgão evitar a desestabilização generalizada do Estado. Pelo contrário, talvez tivessem que anular as eleições em muitas outras autarquias.

Já desde o surgimento do multipartidarismo em Moçambique que alegações de fraudes eleitorais têm sido feitas pelos partidos da oposição. Só a confiança que todos nós tínhamos quanto ao que considerávamos a integridade dos órgãos de administração eleitoral nos deixava com uma visão céptica quanto a tais alegações. Mas os autores destas fraudes ganharam tanta confiança da impunidade com que sempre realizaram os seus actos, a tal ponto que deixaram de ser mais discretos.

A composição do eleitorado do Gurué não pode ter sofrido significativa alteração em pouco mais de dois meses desde a primeira eleição no dia 20 de Novembro passado, para provocar esta alteração substancial verificada na repetição do escrutíneo.

Na sua deliberação, o Conselho Constitucional faz um arrolamento exaustivo das irregularidades ocorridas na primeira eleição naquela autarquia. Algumas delas mostram sinais claros de terem sido deliberadas para produzir um determinado resultado, contrário ao da vontade da maioria dos eleitores. São, na verdade, crimes eleitorais.

Mas como se os actos ilícitos descritos pelo Conselho Constitucional não fossem suficientes como avisos, e daí dissuadir malfeitores de encetarem novas tentativas de fraude, há o caso da senhora que foi surpreendida com vários boletins de voto já preenchidos a favor da Frelimo. Se esta tentativa não tivesse sido detectada, talvez o resultado da eleição do Gurué tivesse sido outro, ou possivelmente até, o Conselho Constitiucional tivesse que voltar a anular o acto.

Tal é a pobreza dos nossos actores políticos.

Os agentes do Estado estão numa tal situação de captura que ninguém sabe que procedimentos criminais foram instaurados em relação a esta senhora apanhada em flagrante, e que, como se sabe, é esposa de um alto funcionário do Ministério da Justiça.

Se em política pode ser válida a máxima de que os fins justificam os meios, é vergonhoso que um partido da dimensão da Frelimo tenha que se sujeitar a esta humilhação para ganhar eleições. O partido tem experiência suficiente para, em função da sua actual baixa popularidade, desencadear acções que lhe permitam corrigir os factores que o tornam menos popular, e a breve trecho recuperar o apoio perdido e ganhar eleições com dignidade.

O pior que pode acontecer a um partido ou dirigente político é governar uma população que não só está contrariada em relação a quem a governa, mas que de um modo geral também acredita não ter votado no seu governante.

O que é mais grave no meio de tudo isto é que muitos destes actos de fraude eleitoral descarada são cometidos com a conivência de funcionários públicos cuja razão da sua remuneração mensal destina-se única e exclusivamente à protecção da integridade da vontade dos eleitores. O que dá para suspeitar que há muitas outras ilegalidades e irregularidades que passam despercebidas, não detectadas, e que ao fim do processo ditam um resultado contrário à vontade expressa pelos eleitores. E enquanto os custos destes crimes para o erário público são enormes, espanta como, acto contínuo, os criminosos responsáveis por estes actos continuam a viver no nosso meio, na maior das impunidades. Se é a isto que chamamos democracia, melhor termo haverá para descrever sistemas eleitorais onde a integridade dos funcionários eleitorais é um valor supremo.


Editorial do Savana, 21-02-2014

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