Por Pedro Nacuo
Em Agosto de 2002, o Professor Doutor, Adelino Ivala, hoje Primeiro Secretário da Frelimo, em Nampula, fez uma coisa inédita: convidou a todo mundo intelectual e académico, sobretudo da sua província e algumas vizinhas, para a cerimónia que chamou de entrega do Diploma de doutoramento à sua mãe, na aldeia natal, Posto Administrativo de Méti, 270 quilómetros da capital provincial, no distrito de Lalaua.
Foi uma maneira que o Dr. Ivala encontrou de homenagear a sua mãe, uma velha camponesa e analfabeta, Joaquina Nawinlé, do quase sempre inacessível posto de Méti, igual a muitas mães do mundo rural do nosso país. Para isso, no convite vinha o mapa de como lá chegar e as condições da estrada, aconselhando-se o uso de viaturas de tracção às quatro rodas. Eu, em Cabo Delgado, também recebi o convite, com todas as especificações, sabendo embora que conhecia muito bem o terreno.
O director executivo regional dos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, Filipe Nyussi, que na empresa passou a chamar-se decano, por até hoje ter sido o único que dirigiu aquele empreendimento, naquela posição, durante 13 anos ininterruptos, também estava convidado, porque para além de ser chefe de uma grande empresa na região, nadava na área académica, pois, era docente de algumas universidades de Nampula, incluindo a UP de que o Dr. Ivala era director.
Eu, em Cabo Delgado, e ele Nampula, combinamos que iríamos juntos à festa inédita, para o que quis confirmar as condições difíceis de acesso a Méti, que vinham descritas no convite, sabendo que eu era dali natural. A conclusão foi de que levaríamos uma viatura, de facto 4x4, no comboio, até à estação ferroviária de Iapala, onde descarregaríamos para depois fazermos os restantes 125 quilómetros considerados chatos.
Na véspera eu já estava em Nampula e o Eng. Nyussi avisou que a viagem, de comboio começava às 6h00, pelo que devia brincar tanto quanto possível, mas que o horário não se alteraria, porque o comboio, para além de tradicionalmente cumprir o horário, era de passageiros, não havendo lugar para mudar o seu horário, mesmo tendo em conta que excepcionalmente levava o director regional da empresa. A maioria não deve ser prejudicada por causa dos nossos caprichos, filosofou.
Foi difícil apanhar sono sabendo que ia viajar com o engenheiro Nyussi, que o conhecia como intolerante quando a questão é o cumprimento da palavra, a começar pelo horário. O excesso de zelo fez com que fosse à estação uma hora antes. Pus-me a “bater” uns copos no Take Away, do saudoso Joshua Germano Mpomberah, no recinto ferroviário, a controlar a viatura do director assim que entrasse. Não havia telemóveis. O director não chegava, mas o comboio estava a se preparar para sair e até conseguia ver o Land Cruiser, da Inspecção ferroviária, com antena comprida, já no vagão. A viagem era também de trabalho, porque era preciso controlar os comboios da região, mesmo a partir de Méti, usando o rádio de comunicação montado no carro.
Os repetidos avisos de que o comboio estava para partir, não me demoveram, pois eu sabia que ia com o director dos comboios, pelo que não haveria comboio nenhum a sair sem que o seu líder o entendesse. Esquecera-me, inclusive da frase da noite anterior, de que a maioria não poderia ficar afectada por causa do nosso comportamento. Eu não sabia que o director já estava acomodado no seu camarote, mas preocupado por não localizar o seu companheiro de viagem. O comboio parte, eu em terra!
Antes de desenvolver a velocidade, o director na porta e em movimento vê o companheiro a ficar. Com todo o poder que tinha sobre toda a tripulação, o Engenheiro Nyussi não ordenou que o comboio parasse, afinal, a maioria não poderia ficar prejudicada por causa dos nossos caprichos. Senti vergonha perante o velho Mpomberah, a quem havia garantido que sem mim o comboio não partiria. Fiquei pequeno, falando sério! A viagem ficava desfeita, porque a partir da partida, tudo estava cronometrado, incluindo o trajecto na penosa estrada para Méti. Tudo indicava a chegada ao local da cerimónia, às 15h45 minutos.
A vergonha terminou porque um senhor, também Engenheiro, de nome António Bié, veio ao Take Away, procurar um jornalista vindo de Cabo Delgado que deveria viajar com o director. Humildemente disse que era eu e pediu para que me metesse imediatamente no carro dele, Toyota 300-D, cor vermelha, para perseguirmos o comboio, que tem uma curta paragem no apeadeiro de Rapale, 22 quilómetros. Chegamos a tempo de apanhá-lo e fiz parte da viagem, já a explicar-me vergonhosamente sobre as razoes por que iria ficar, mesmo depois do aviso anterior.
Lembro-me disto a propósito do comboio eleitoral que a Renamo viu partir, depois de muitos avisos e conselhos de que a maioria não podia ficar refém dos nossos caprichos. Que não há líder, ainda que seja muito importante na empresa política moçambicana, cujos apetites suplantam os desígnios da maioria, como é o cumprimento da Lei, para que a viagem não se adie ou atrase.
Custa caro achar-se muito importante no meio da maioria, dirigida por pessoas sérias. Di-lo-ia o velho Mpomberah que viu um jornalista que se queria “fazer”, que acabou reduzindo-se à sua própria pequenez. O Comboio fugiu-lhe!
É mesmíssima coisa, que aconteceu com o segundo maior partido do nosso país: pensou que o comboio não partiria, porque se achava muito importante e não poderia ficar em terra! Até jurava a pés juntos de que a viagem não seria possível sem ele. Por ai pôs no desemprego todos os seus quadros que militavam nas assembleias das 53 autarquias de todo o país. Hoje não tem nenhum àquele nível e em tais órgãos municipais.
Hoje está a ser difícil convencer os mesmos para lutarem para defender lugares daqueles que estão no parlamento nacional, porque há uma pergunta provocatória que se faz: quando foi para defendermos os nossos lugares disseram que não fossemos às eleições e agora que é para eles, devemos cantar ate à exaustão?
Agora o tempo, que já havia sido programado na tabela horária do comboio, está a ser escasso. Novas tentativas de adiamento da viagem, não procedem e temos só uma saída: correr atrás do comboio, mas para tal temos que contar com a disponibilidade do Engenheiro Bié e a sábia e rápida solução do outro engenheiro que vai no comboio, neste caso Nyussi, que em coordenação com o seu colega, de que é chefe, tudo farão para que vamos a tempo de apanhar o comboio em Rapale. Bem-haja!
PEDRO NACUO
Fonte: Jornal Notícias - 22.02.2014
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