Editorial do Savana
Não era preciso nenhum esforço para perceber o
semblante carregado do Reverendo Dom Dinis Sengulane, quando apareceu nas
câmaras de televisão na noite desta segunda-feira, para se pronunciar sobre os
últimos desenvolvimentos em Satunjira, Gorongosa, onde comandos das Forças
Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) arrasaram o local onde se encontrava o
líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
Para a sua própria consolação, procurando
encontrar o menos mal de uma situação extremamente má, tentaria temperar o seu
desconforto com algumas palavras que poderiam tranquilizar os que nunca
acreditaram que os homens de Deus também se zangam.
Não era uma questão pessoal, terá dito. “Não pensem
que estou assim porque estive pessoalmente envolvido em esforços para evitar
que isto acontecesse”, estamos a citá-lo de memória.
Mas no fundo do coração, como se costuma dizer, estava
um homem profundamente magoado, sentindo-se traído por aqueles que o
encorajaram a lutar para ajudar a encontrar uma solução, mas que no seu íntimo
sabiam que não era exactamente isso o que pretendiam.
O nome de Dom Dinis Sengulane está intimamente ligado
aos esforços que conduziram ao Acordo Geral de Paz em 1992. E ciente das suas
responsabilidades espirituais e patrióticas, voltou a envolver-se nessa missão por
vezes inglória, quando a paz voltou a mostrar-se frágil a partir dos primeiros
meses deste ano.
Juntamente com outras personalidades nacionais, a sua
routina nos últimos meses resumia-se a um vai-e-vém entre a Ponta Vermelha e os
sopés da Serra da Gorongosa, num exercício arriscado mas que teria como recompense
conseguir um entendimento político entre o governo e a Renamo.
Nenhum deles podia contemplar um desfecho tão
dramático como este; o ressurgimento de uma guerra que usaram toda a sua
inteligência e sabedoriapara evitar a todo o custo.
Parece estarmos a ouví-los dizer, em uníssono, que
“fomos enganados”! O governo, reiterando pela milésima vez que estava empenhado
na preservação da paz, que não havia ninguém mais interessado no diálogo e no
aprofundamento da democracia do que ele próprio, os encorajava a prosseguir nos
seus esforços genuínos de tentar uma aproximação. Não obstante ao mesmo tempo
estar a preparar-se para a guerra.
É uma aventura de grande risco, que pode vir a custar
ao país mais do que os benefícios que dela se espera.
O envolvimento das Forças Armadas num desentendimento
que estava a ser alvo de uma negociação revela claramente as intenções do
governo de romper com o processo negocial e obrigar a Renamo a fazer aquilo que
melhor sabe fazer: a guerra de guerrilha.
Vem confirmar aquilo que já há muito se suspeitava.
Que o governo estava a assumir uma postura negocial que tornava claro que não
estava nem tão pouco interessado em negociar. E os seus propagandistas já nos
tinham anunciado da sua vontade de reduzir a Renamo à sua insignificância.
O que importa agora perguntar é, e daqui, para
onde vamos? Há pessoas que acreditam
que esta demonstração de força por parte do governo marca o início do fim da
era de Dhlakama como líder da Renamo. Já vinham falando de uma “solução angolana”, em
alusão à morte de Jonas Savimbi pelas forças governamentais em Fevereiro de
2002.
Mas esses que defendem essas ideias apocalípticas
ignoram o facto de que Moçambique não é Angola; as condições que se obtinham em
Angola em 2002 não são as mesmas que se obtêm em Moçambique hoje. Moçambique avançou
muito na construção da sua democracia, e não pode ser obrigado a regredir
nesses seus avanços por absurdas comparações que em nada se assemelham ao nosso
modelo de vida.
E mesmo que se consiga matar Afonso Dhlakama,
como parece ser o objectivo destas acções, continuarão na mesa os assuntos
políticos que a Renamo colocou, e sem a resolução dos quais a democracia em
Moçambique continuará a ser um projecto adiado.
Pode faltar clareza na forma como as coisas são
colocadas, mas há muitos moçambicanos, se não mesmo a maioria, que se revêem
nas reivindicações que a Renamo tem estado a apresentar. Não é só a Renamo que
se tem batido pela necessidade de se despartidarizarem as instituições do
Estado; não é só a Renamo que vem exigindo que os órgãos de administração
eleitoral tenham capacidade de realizar as suas actividades obedecendo somente
à Constituição e outras leis do país, sem qualquer tipo de interferência
político-partidária. Não é só a Renamo que exige a participação justa de todos os
moçambicanos no acesso às oportunidades económicas do país. Não é só a Renamo
que exige a maior ampliação do espaço de debate nacional; não é só a Renamo que
se insurge contra a repressão do pensamento livre.
Estas são questões pertinentes da nossa vida como
cidadãos deste país, e só a partir do momento em que o governo aceitar
abordá-las com a necessária frontalidade, estará a nação moçambicana bem posicionada
para seguir o caminho de uma verdadeira democracia participativa. Uma
democracia que não é só multipartidária porque existem no país mais de 40
partidos políticos, não importa qual é a utilidade de alguns deles para o
processo político nacional.
Fonte: Savana – 26.10.2013
Pensamentos:
ResponderEliminar1. Matar em vez de pleitar é próprio de quem não tem razão.
2. Qual é o Estado não partidarizado que possa existir em todo o mundo?
3. O Estado é uma força sempre ao serviço de alguém, de alguma coisa, de algum partido ou de alguma classe.
4. Apoiar opressores não é próprio de oprimidos mesmo que se digam democráticos.
Dom José Corvo
NGuiliche
ResponderEliminarEntao nao resta nada senao nos rendermos! É isso?
Esqueceu um pensamento
5. No meio de tantas pessoas a chorarem, há uma pessoa a rir.
Bem dito Nguiliche.
ResponderEliminarBem dito concordo, so que este riridor ja nao esta a rir fugiu. E nos deixou orfaos
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