EDITORIAL
- SALOMÃO MOYANA
O
descalabro do processo de diálogo entre o Governo e a Renamo, no Centro de
Conferências Joaquim Chissano, afinal de contas, esconde o desejo camuflado de
recurso fácil à violência como forma de alcançar objectivos inconfessáveis,
estando a nação moçambicana, neste momento, com pouquíssimas chances de
continuar a garantir a paz e estabilidade política, o que terá reflexos na
paralisação económica e social de um país que, nos últimos 21 anos, conheceu um
franco desenvolvimento em vários sectores devido à prevalência da paz.
Desde
a quinta-feira da semana passada que o Governo ordenou a concentração de
enormes efectivos militares nos arredores de Santhunjira, a base onde se
encontrava a residir o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, há, precisamente, 12
meses.
De
concentração nos arredores da base de Santhunjira, os militares passaram ao
ataque directo esta segunda-feira, obrigando Afonso Dhlakama e sua equipa de
segurança a refugiar-se nas matas, perigando, em definitivo, a possibilidade de
continuação da paz nos moldes em que era usufruída no País.
A
acção das forças governamentais configura uma autêntica declaração de guerra
contra o líder da Renamo, o que ocorre numa altura em que o Chefe desse Governo
proclama intenções de se encontrar com o mesmo líder escorraçado para discutir
a paz e a estabilidade política do País.
Custa
imenso imaginar como se pode discutir a paz e estabilidade política do País com
alguém que está sendo caçado, vivo ou morto, pelo exército governamental, o
qual usa, para o efeito, o seu mais sofisticado equipamento bélico, como se
estivesse em combate contra exército estrangeiro.
Custa
imenso descortinar o real significado do discurso político oficial de paz
quando no terreno as acções desenvolvidas são de autêntica guerra. Ou seja, o
nosso Governo fala da paz e estabilidade política mas, no terreno, ataca o seu
mais directo interlocutor para a paz e estabilidade política, alegando coisas
tão irrelevantes, tais como [UTF-8?]“eles é que foram os primeiros a
[UTF-8?]atacarâ€.
Ou
seja, o exército governamental cria condições objectivas, através de crescente
aproximação às imediações do acampamento do líder da Renamo em Santhunjira,
para ser atacado pela segurança de Dhlakama e, daí, encontrar um pretexto para
pôr em causa os 21 anos de paz e estabilidade política que o País vive.
Estamos
profundamente consternados com o evidente retrocesso do clima de paz e
estabilidade no País. Pior do que isso, estamos profundamente indignados com a
indiferença e o disfarce com que as autoridades governamentais deste País lidam
com questões sensíveis de manutenção da paz e estabilidade política, como se
possuíssem uma garantia secreta e invisível de que sempre conseguirão fazer o
País voltar à normalidade através de uso de armas.
Nós
somos, desde sempre, contrários ao uso de armas para matar moçambicanos e,
desse modo, fingir-se que se garante a paz e estabilidade política.
Uma
paz com vencidos e vencedores é paz precária, é paz podre porque assenta sobre
rancores e frustrações dos derrotados, os quais, à mínima oportunidade que
tiverem, subvertem os alicerces débeis de tal paz precária.
A
verdadeira paz, quanto a nós, é aquela que assenta no consentimento das partes
desavindas, aquela que resulta de compromisso e cedências mútuas no processo
negocial, aquela que resulta de entendimento e concórdia entre filhos da mesma
terra.
Portanto,
engana-se quem pense que derrotando, militarmente, um dos lados teremos paz
efectiva no País. Antes pelo contrário, o recurso às armas vai gerando um
efeito multiplicador de violência, passando, provavelmente, a haver
desestabilização à escala nacional, o que obrigará à mobilização de escassos
recursos económicos e financeiros para suportar o esforço de guerra, subtraindo
tais recursos da satisfação das crescentes necessidades sociais do povo
moçambicano.
A
deterioração da situação política no País é a marca indelével da falta de
inteligência política das nossas autoridades governamentais, as quais preferem
recorrer ao mais fácil para não encontrar as soluções que se impõem para os
problemas candentes do povo moçambicano.
Aliás,
o que faz com que só agora o Governo ordene o ataque a Santhunjira? Que
elemento novo surgiu no cenário político nacional que aconselha o uso de força
contra Santhunjira neste momento?
Será
que a acção do Governo, que ocorre precisamente a escassos 15 dias de arranque
de campanha eleitoral para as autárquicas, pode ser interpretada como um gesto
demonstrativo de que o Executivo quer as eleições autárquicas de 20 de Novembro
ou, possivelmente, pretende ocupar-nos com os ataques à base central de
Dhlakama e, desse modo, concluirmos todos que não há clima para haver eleições
autárquicas no dia 20 de Novembro?
É
que, de facto, nós não estamos a perceber por que só agora é importante atacar
Dhlakama, um Dhlakama que vem demonstrando, ultimamente, uma retórica cada vez
mais reconciliatória e de adesão consequente à paz e ao diálogo político.
Seja
qual for a justificação que se avançar, a mesma será insuficiente para
restabelecer a paz e a confiança política que já se solidificava entre os dois
principais parceiros da paz em Moçambique, nomeadamente o Governo e a Renamo.
É
que, independentemente da vontade de quem quer que seja, o Governo e a Renamo
são os dois parceiros da paz em Moçambique e jamais será possível garantir esse
bem precioso humilhando e matando um dos lados. O Governo e a Renamo são os
dois pólos obrigatórios para que haja corrente eléctrica da paz em Moçambique,
sendo que a falha ou eliminação de um dos pólos acarreta consequências inimagináveis
para o bem-estar geral de todos os moçambicanos, beneficiários directos dessa
corrente eléctrica da paz.
A
estorieta do porta-voz do Ministério da Defesa Nacional de que as FADM sempre
agiram em perseguição dos guerrilheiros que lhes atacaram não cola nem colhe
relevância nenhuma, uma vez que as unidades das FADM criaram condições
objectivas bastantes para que fossem atacadas, a fim de realizar seus intentos
de ocupação da base do líder da Renamo.
Não
faz nenhum sentido, em termos militares, alguém ir acampar, com todo o seu
arsenal bélico, na porta da casa do outro, advertindo-o que em caso de ataque
irá reagir usando o poderio militar em exibição. Isso chama-se grosseira
provocação, que se faz, apenas, com o intuito de atacar e subjugar o outro,
numa altura em que o Comandante-Chefe das mesmas FADM diz precisar desse outro
para um encontro ao mais alto nível. Até parece uma brincadeira de crianças!
Há
ou não há vontade política para se construir uma paz baseada no diálogo?, eis a
questão, que deve ser respondida, não só com retórica em comícios populares
mas, sim, com acções concretas visíveis a olho popular.
A
presente situação, de crescente provocação e humilhação militar de um dos
parceiros fundamentais da paz em Moçambique, vai descambar num ciclo de
violência à escala nacional, que os mandantes da provocação não estarão em
altura de travar e solucionar, o que vai sobrar para o martirizado povo
moçambicano.
A
maior desgraça do povo moçambicano é não possuir forças vivas da sociedade
capazes de se erguerem e pararem com o desgoverno da sua vida!
Fonte:
Magazine independente in Diálogo sobre Moçambique – 23.10.2013
Viva cota Solomon!
ResponderEliminarMAGAZINE!!!!
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