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sexta-feira, abril 12, 2013

Sociologias

Por Niosta Cossa

A questão da maioria qualificada que o partido Frelimo detém no parlamento moçambicano – usada para rejeitar/refutar o meu post “RENAMO” – parece não ser compreendida claramente neste país, principalmente entre os que teorizam a legalidade e/ou a paz e/ou a democracia do faz-de-conta por estes dias de tensão política. Estes, facilmente, vão deduzindo que esta, a maioria qualificada, exprime a vontade do eleitorado/povo, e que a Renamo, por conta disso, deve conformar-se.

Eu questiono: quanto da vontade popular está nesta maioria qualificada da Frelimo?

Se é de democracia que se está a falar, e a votar-se democraticamente, isso supõe que os eleitores devem ter consciência, primeiro, do próprio acto democrático – cujo estandarte é o pluralismo, no qual se encerram (e dependem) todas as liberdades e vontades individuais – e, segundo, da necessidade, aliás, imperiosidade, de, ter-se a vida colectiva decidida por duas ou mais forças políticas, e não por uma só. Afinal, democracia não deve ser vitória do melhor partido, mas, sim, negociação e intermediação dos anseios e vontades populares entre os diversos partidos existentes no mercado político de um dado país – ou entre as forças que compõem o parlamento.

Tirando todo o folclore sobre a boa organização da Frelimo e até sobre a desestruturação da Renamo e/ou sobre a novidade que é o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), ter um partido com maioria qualificada no parlamento não é democracia, independentemente do partido do presidente. Sim, a democracia em si, efectivamente, prevê uma situação destas, entretanto, quando efectivamente a situação se concretiza, quanto sobra de democracia?

E a legitimidade desse processo democrático torna-se suspeita quando o partido que obtém essa maioria qualificada no parlamento é o mesmo que capturou o Estado.

Aplaude-se a Armando Guebuza por ter ensaiado uma reconciliação interna e reorganizado e reforçado o partido Frelimo, em moldes novos conduzindo-o à tal maioria qualificada. Mas, poucos deixam claro como isso foi feito.

Ora, Guebuza reforçou o partido Frelimo através da (re)centralização do Estado no partido. Os negócios e assuntos do Estado, tal e qual no tempo do monopartidarismo, (re)passaram a ter no seu centro o partido.

Não é novidade para ninguém que, por estes dias, para obtenção de crédito, altos cargos em instituições estatais, vantagens nos negócios sob alçada do Estado, concessões para empreendimentos, importância e/ou influência económico-social, é necessário que se esteja ligado ao partido Frelimo.

E a questão que os apologistas da legalidade/da paz/da democracia-de-faz-de-conta/e até de Guebuza não fazem (nem respondem) é:

Quanto disso contribuiu para a maioria qualificada actual do partido Frelimo no parlamento?

Grande parte, claro, se se considerar que os resultados eleitorais da oposição (1994 e 1999) – Renamo – antes das movimentações partidárias de Guebuza não eram tão abismais em diferença comparados com os da Frelimo pós-movimentações partidárias de Guebuza (2004 e 2009): 1994 (38% contra 44% da Frelimo), 1999 (39% contra 49% da Frelimo), 2004 (27% contra 56% da Frelimo) e 2009 (18% contra 75% da Frelimo).

Está bem que Guebuza fez um forte trabalho de base e que a Renamo tem muito que queixar-se de si mesma e da incompetência e pasmaceira do seu líder, todavia, não se pode ignorar que a revitalização da Frelimo custou dinheiro, distribuição de benesses, compra de lealdades e aluguer de fidelidades, via Estado, luxo que a Renamo, partido falido e sem acesso aos cofres do Estado, não se podia nem pode dar. Fala-se e elogia-se tanto a revitalização das células e bases da Frelimo como se, com isso, Guebuza tivesse feito um milagre ou incursão política genial quando tudo que fez foi colocar o partido Frelimo no centro do Estado, como o princípio e o fim do Estado moçambicano, pelo qual todos moçambicanos são obrigados a passar.

Com toda incompetência que lhe é reconhecida, entretanto, se Dhlakama tivesse acesso ao dinheiro (ou às posições do Estado), não seria isso que teria feito?

Aqui entra, uma vez mais, a sociedade civil moçambicana em jogo. Não viram mesmo o que estava a acontecer com as movimentações de Armando Guebuza e da Frelimo? Se viram, o quê fizeram? Ou, mais importante, o quê tem feito?

Assim, caímos na “sociologia do poder” do Professor Elísio Macamo. As instituições da sociedade civil e os demais moçambicanos individuais vivem tão atemorizados com o poderio da Frelimo que, ainda que perante as mais hediondas práticas anti-democracia ou anti-oposição daquele partido, não têm tido nem vontade nem aquele par esférico e mágico vulgarmente chamados de “colhões” para fazer frente e/ou travar tais práticas.

Porém, a sociologia do poder não se esgota por aí. Ou melhor, esta sociologia não pode, de forma nenhuma, ser vista unilateralmente. Do lado da Frelimo apenas.

Ou seja, indo pela lógica do bom professor, se existe uma Frelimo “fantástica”, a qual é atribuída poderes míticos e uma omnipotência que, na verdade, não tem, então, deve também existir uma Renamo “fantástica” – o MDM é novo demais para tal –, a qual é atribuída defeitos e erros e uma omni-ausência que, na verdade, não tem.

Ou por outra, se “Moçambique, para todos os efeitos, virou uma grande ilusão que é artefacto de temores muitas vezes infundados, mas que podem ter efeitos reais em virtude da força das crenças que lhes subjazem, temores esses que têm principalmente a ver com a tendência de dar à Frelimo poderes quase míticos que não tem, uma coerência de acção que ela, na verdade, não tem, e consistência na persecussão de objectivos que ela também não tem” (Elísio Macamo), será justo considerar que, por outro lado, o mesmo Moçambique virou (também) um artefacto de temores muitas vezes infundados, que puderam ter efeitos reais em virtude das crenças que foram subjazidas, temores esses que tiveram que ver com a tendência de marginalizar e reduzir a Renamo à forma diabólica que não tem, a uma falta de ambição que ela, na verdade, não tem e à inconsistência na prossecução dos objectivos que ela também não tem – apenas está de mãos e pés atados por não ter nem dinheiro nem o controlo do Estado. E ninguém quer saber da Renamo.

Aliás, o próprio discurso do professor Macamo, feito propositadamente a esta altura dos acontecimentos, é reflexo do posicionamento da sociedade civil em relação a Renamo. Não tinha o ilustre professor uma outra altura para confessar o seu amor por Guebuza? Foi fazê-lo exactamente agora? E porquê?

Bom, o professor Elísio Macamo é um criador de opinião, e, pelas reacções, exceptuando os reaccionários incorrigíveis, já convenceu, com seu discurso amoroso pró-Guebuza, a muitos indecisos. E com a subtilidade do seu discurso de imacular Guebuza e diabolizar a Frelimo, quem ganha com isso? Não se pode esquecer que do lado antagonista está Dhlakama, e entre Dhlakama e Renamo não há diferença nenhuma… E, como adiantava acima, com o texto, já conquistou os indecisos (sobre que partido tomar nesta crise e, posteriormente, quando a mesma passar).

Entretanto, quem pode culpar ao justo professor por isso? Afinal, o discurso e/ou a manifestação de opiniões servem exactamente para isso: para formar e/ou influenciar opiniões.

Contudo, será justo atentar-se ao facto de que é nestes momentos em que a Renamo perde. Pois, quem se atreve nestes momentos de risco a formar uma opinião pró-Renamo séria, fundamentada num pensamento coerente, e devidamente corroborada? Pois é, ninguém! Nestes momentos, a sociedade civil moçambicana deixa a Renamo na mão…

E foi deste modo (e também de outros, como alguns erros políticos de Dhlakama) que chegou-se à maioria qualificada da Frelimo no parlamento moçambicano.

Portanto, eu não vou facilmente pela atribuição da maioria qualificada da Frelimo à vontade do eleitorado, muito menos à vontade popular. Quando se verificam os índices de desinteresse pelas eleições entre os eleitores – fora as fraudes que tornaram-se recorrentes e manobras de impedimento de participação de novos/pequenos partidos –, menos seriamente se leva essa maioria qualificada.

Como já avançava Luís de Brito na sua nota sobre voto, abstenção e fraude em Moçambique de 2008, “a evolução da abstenção em Moçambique coloca um evidente problema de legitimidade aos dois principais partidos, cuja sua votação conjunta representava 72% do eleitorado em 1994, tendo descido para 50% em 1999 e atingido apenas 30% em 2004”.

Por isso, repito: numa democracia de faz-de-conta, e como um dos signatários do Acordo Geral de Paz e, por via disso, sendo um dos dois fundadores da mesma democracia, neste momento em que a sua existência como partido está ameaçada, a Renamo tem legitimidade moral, que, a meu ver, é mais importante do que a legitimidade da oficialidade das eleições recorrentemente pouco concorridas e tuteladas por uma Comissão Nacional de Eleições altamente parcial, para confrontar a Frelimo seja por que meios for.


Fonte: Diálogo sobre Moçambique – 12.04.2013

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