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terça-feira, abril 09, 2013

O preço da arrogância

EXAME DE CONSCIÊNCIA 
(O PAÍS 08.04.2013)

Por Lázaro Mabunda

As ameaças da Renamo e do seu presidente Afonso Dhlakama, sempre ignoradas, materializaram-se, na semana passada. O resultado não podia ser mais do que sete mortos e dezenas de feridos num espaço de três dias. O conflito que saldou em mortos e feridos não preocupa, até aqui, o nosso Governo, muito menos o Presidente da República, que o vê como um simples “jogo de tiros”. Por que Guebuza e o seu governo vêem isto como uma brincadeira? Simplesmente porque nenhum dos seus filhos nem dos filhos dos seus camaradas, com quem partilha o poder, ficam directamente afectados com a situação.

O Governo deve perceber que esta situação poderá degenerar em oportunismos por parte de indivíduos mal intencionados, o que irá colocar o país numa situação de instabilidades crónica. Poderá criar condições para o surgimento de movimentos sem rostos nem líderes, focos de oportunistas fustigados pelas más políticas sociais e económicas do Governo, que resultam em pobreza, desemprego e desigualdades sociais, em todo o país. Será mais difícil controlar grupos dispersos de guerrilheiros cujos mandantes desconhecem-se.

Quer dizer, o que pode acontecer é o surgimento de grupos esporádicos de assaltantes à mão armada em nome da Renamo, em todo o país. Até a própria polícia poderá fazer-o em aproveitamento deste tipo de oportunidades, assaltando ou alugando armamento aos assaltantes, tal como o faz hoje. Temos neste país grupos de pessoas que se sentem injustiçados pelo Governo, nomeadamente madjermans, antigos agentes dos Serviços de Informação e Segurança do Estado, desmobilizados que semanalmente se manifestam e são violentamente reprimidos e molhados pelos jactos de água das poderosas forças policiais. São 120 mil desmobilizados.

Na verdade, estas mortes eram evitáveis, mas não foram e não serão porque a arrogância do Governo e de quem o lidera sobrepõem-se ao interesse nacional. Guebuza não pode pensar que o seu antecessor, Joaquim Chissano, que se sentava e aturava, em alguns momentos, os mimos de Afonso Dhlakama o fizesse porque era, conforme o apelidou, “Deixar-andar”. Se Chissano o fez foi porque tinha a noção de que os seus interesses particulares não podiam estar acima dos interesses de uma nação. Chissano lucidamente sabia que uma nação não podia estar refém dos seus apetites. É esta visão que falta ao nosso visionário e milagroso Presidente Guebuza.

O Presidente Guebuza tem de perceber que as causas da frustração dos homens da Renamo, ao ponto de fazer refém o seu líder, Afonso Dhlakama, são as mesmas que frustram a maioria dos moçambicanos: a exclusão social, política, os aumentos do custo de vida num contexto em que a elite política está cada vez mais a enriquecer e, acima de tudo, a marginalização dos membros da oposição.

Guebuza diz que “o povo não pode viver assustado”. Ora, este povo já vive assustado desde que descobriu que a sua intenção nunca foi de colocar este país ao mesmo ritmo com que se combatia a pobreza, antes de 2005, mas de empobrecer mais a população e enriquecer mais a elite partidária. Mais, desde que descobriu que os nossos governantes não “têm medo de enriquecer”, porque a “pobreza não é uma dádiva divina”.

Os filhos dos pobres não podem continuar a ser mortos por interesses apetitosos de uma elite nefasta ao próprio povo que o elegeu.

Cada vez mais convenço-me de que, de facto, é real a especulação de que Armando Guebuza quer manter-se no poder, por mais anos, à custa de uma alegada crise político-social. Os especuladores argumentam que Guebuza e Dhlakama irão encenar uma crise política que vai resultar na suspensão da Constituição da República e na criação de um governo de unidade nacional, liderado pelo actual Chefe do Estado, até que as condições justifiquem a realização de eleições. A descoberta dos recursos minerais e a ganância pelos mesmos podem conduzir-nos a este cenário.

Fonte: O País, in faceboo – 08.04.2013

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