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segunda-feira, janeiro 21, 2013

O esquizofrénico combate à corrupção: mais do mesmo?

Por Adelson Rafael

A literatura sobre corrupção dispõe de diversas definições úteis. Uma definição amplamente citada de “corrupção” é que consiste no “comportamento que se desvia dos deveres formais de uma função pública devido a interesses privados (pessoais, familiares, de um grupo fechado) de natureza pecuniária ou para melhorar o status; ou que viola regras contra o exercício de certos tipos de comportamentos ligados a interesses privados”. De acordo com Robert Klitgaard em “a corrupção sob controlo”, historicamente, o conceito referiu-se tanto ao comportamento político quanto ao sexual. Como a palavra de origem latina corruptus, “corrupto” evoca uma série de imagens do mal, designa o que destrói o carácter saudável. Há um tom moral nessa palavra, pois, originalmente, tinha o significado de “partido em pedaços”, tendo depois assumido o sentido de “podre” ou “apodrecido”.
Para além dos significados associados à decomposição e putrefacção, outros menos correntes poderão também ser atribuídos, destacando: depravação, desmoralização, sedução e suborno. De referir que as definições não são estáticas, sendo que o entendimento das sociedades quanto ao que se considera “corrupto” está, de certa maneira, sujeito à evolução. Todavia, actualmente, a acepção mas usual da palavra corrupção é aquela que se encontra, de certo modo, associada à apropriação ilegítima dos bens e serviços públicos para benefícios ou interesses privados.
E, apesar dos ganhos recentes no combate à corrupção, sejam planificados, circunstanciais ou ocasionais [Moçambique obteve uma alteração positiva de pontuação pela melhoria de 15% ao passar de 2.7 (ano de 2011) para 3.1 (ano de 2012), numa escala de zero a dez], mas continua dos países mais corruptos a nível mundial segundo o índice de percepção sobre a corrupção referente ao ano de 2012, produzido pela “Transparência Internacional”, representando uma despromoção em termos relativos [obteve uma alteração negativa de posição ao passar de 120 (2011) para 123 (2012)] resultante do aumento de número de países avaliados de 182 (2011) para 174 (2012)], bem como da melhoria de combate a um ritmo mais rápido que o nosso.
A “Transparência Internacional” é uma organização não governamental que tem como principal objectivo a luta contra a corrupção. Foi fundada em Março de 1993, sob a liderança de Peter Eigen, funcionário aposentado do Banco Mundial, com experiência em projectos de desenvolvimento no continente africano e América latina, e encontra-se baseada em Berlim  (Alemanha). É conhecida pela produção anual de um relatório no qual se analisam os índices de percepção de corrupção dos países do mundo. O Índice de Percepções da Corrupção é hoje a mais conhecida e utilizada medição da corrupção em pesquisas científicas. Para formar o índice, empresários e analistas de diversos países são convidados a dar sua opinião sobre o grau de corrupção em cada país. Desta forma, o índice não mede, objectivamente, a corrupção, mas sim como o conjunto da sociedade percebe subjectivamente a corrupção em cada país.
Apesar de diversas reformas administrativas de apoio ao combate, há necessidade de suprimir o défice de dispositivos legais de combate à corrupção, de modo a garantir padrões de governação adequados, que possam, de uma forma preventiva, reduzir os riscos de corrupção, designadamente ao nível dos financiamentos dos partidos políticos, dos concursos e fornecimento dos serviços públicos, das incompatibilidades e impedimentos (existência de período de “luto” entre o exercício de cargos políticos e passagem a cargos privados, com interesses incompatíveis, não sendo permitida a estratégia encapotada da prestação de serviços de consultoria), do controlo de riqueza dos políticos (criação de uma declaração mais sintética, que juntem património e interesses, com possibilidade de ser consultada no site do conselho constitucional, e subsequente criação do crime de enriquecimento ilegítimo, sendo que, para tal, não seria necessário a inversão do ónus da prova, mas apenas demonstrar pela acusação, baseando-se em perícias contabilística e financeira, que face aos rendimentos declarados, não seria possível acumular aquela riqueza).
É verdade que o fim da corrupção não pode efectuar-se magicamente por decreto. Mas é só uma mera meia verdade. Pois a criminalização da corrupção pode ser feita por actos, isto é, leis, normas, convenções e tratados, todavia, o combate é um processo continuo a ser observado por todos, pois o exercício da cidadania pressupõe indivíduos que participem na vida comum. Um dos direitos mais importantes dos cidadãos é o de não ser vítima da corrupção, pois corrompe a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, arruína a prestação de serviços essenciais básicos (educação, saúde, habitação, água e saneamento) e compromete a vida das gerações actuais e futuras.
Não há nada de errado em punir o corrupto, mas é preciso também combater o acto de corromper. Uma condição não existe sem a outra. Porque punir o corrompido não resolve, pois constitui apenas uma parte da equação. De forma análoga, ir ao outro extremo também importante, mas insuficiente. Os homens vão, mas a cultura permanece. A corrupção não pode constituir uma “instituição nacional”, parte integrante de nossa cultura. Neste sentido a tomada de consciência pela população torna-se essencial.
Constitui fundamento primordial para a prevenção e combate à corrupção a vontade política. Vontade política para agir sobre o problema, consubstanciada mais em actos concretos em detrimento de somente discursos. Sem essa vontade política em assumir verdadeiramente a importância do combate à corrupção para o desenvolvimento do país, a luta eficaz e eficiente do combate à corrupção nunca se irá concretizar. Vontade política para que as acções de prevenção e combate à corrupção tenham ritmo e direcção desejados.
Consta que um dos sintomas mais graves da corrupção é a perda da capacidade de indignação pela sociedade, passividade fatalista, conformismo com os acintes que lhe passam com insistência com a comunicação social. Surgem frases de efeito, mas ausentes de dignidade. Por mais difícil que pareça, combater a corrupção é possível e necessário. Urge resgatar a capacidade de indignação da sociedade. Há que lograr abandonar a perda da capacidade de indignação, algo tão difícil quanto possível. Parafraseando Aristóteles (384 a.C. – 7 de Março de 322 a.C.) diria: “é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer”.

Fonte: O País online - 19.12.2012

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