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sexta-feira, agosto 10, 2012

A LÓGICA DA AJUDA EXTERNA

Tenho lido vários artigos sobre a ajuda externa em jornais e blogs moçambicanos e o que tenho notado, independentemente da qualidade desses artigos, muitos deles falham em evidenciar a verdadeira lógica da ajuda ou apoio ao desenvolvimento.


Acho que para um melhor entendimento desta problemática vital para o desenvolvimento, seria importante entender o que move os países industrializados/ desenvolvidos as nos apoiar.

Esse entendimento, para além de melhorar a nossa capacidade de diálogo com os doadores, constitui um passo inicial para reflexão sobre a melhor maneira de estancar a corrupção, sobretudo a grande corrupção.

Para mim, a lógica de apoio ao desenvolvimento é meramente económica. Isto é, os países desenvolvidos já chegaram à conclusão há muito tempo, de que não seria possível crescerem ou continuarem a inovar sem garantir um mercado cada vez maior e com capacidade de compra.

As crises económicas mundiais que ocorreram ao longo da história e o fim do colonialismo no mundo contribuíram para essa consciência e para a introdução da moda de apoio ao desenvolvimento.

Com um acelerado avanço tecnológico, o mercado de cada país desenvolvido ou sua região mostra-se inadequado à contínua inovação e crescimento económico, e que se não se abrirem novos mercados para a sua produção, as crises económicas e de super produção não tardariam a acontecer.

Com o avanço tecnológico, um único país desenvolvido, por exemplo europeu, seria capaz de produzir uma quantidade de pares de sapatos para a totalidade da sua população num único dia. A pergunta seria: e nos outros dias? Porquê esse país iria continuar a produzir? Para quem?

Ai é onde entra a lógica do comércio externo, mas mesmo assim, exportar para onde? Moçambique? O moçambicano tem capacidade de compra? Não. Então vamos potenciar esse “indígena” com capacidade aquisitiva, dando saúde, educação, infra-estruturas, emprego e acima de tudo rendimentos para comprar continuamente.

Nessa operação de criação de capacidade de compra, o doador/ país desenvolvido começa a enfrentar o problema. Nem todo o apoio alocado à saúde, educação, infra-estruturas, etc., é usado de forma transparente e eficiente, falhando em grande medida o alcance desse objectivo.
A criação de capacidade de compra (o que chamaríamos de qualidade de vida/ desenvolvimento) não acontece de forma proporcional com a velocidade com que os fluxos de ajuda externa entram no país.

Há aqui um efeito de caixa de ressonância, onde o grito é maior na extremidade de controlo/ tais gestores públicos e vai diminuindo à medida de tenta alcançar o público-alvo. É a corrupção a fazer o papel do vento que enfraquece ou elimina o som antes de chegar ao destino.

É por isso mesmo que acredito que os doadores jamais irão parar de fornecer o apoio ao desenvolvimento, a não ser que esses fluxos de ajuda externa passem a produzir o impacto desejado, que os países receptores melhorem o desempenho e que passem a ser mais sustentáveis sem o apoio externo.

O que pode vir a acontecer, e que tanto defendo, é a eliminação do apoio directo ao orçamento. Acho que os americanos estão certos em não prestar apoio directo ao orçamento. Acho que os europeus deviam seguir o mesmo exemplo.

Moçambique deve viver dos impostos que consegue encaixar. Esta medida seria um incentivo para a diversificação e criação de novas fontes de receitas fiscais: eliminação dos excessivos incentivos fiscais aos mega-projectos e promoção da produção nacional.

A ajuda externa iria surgir como complemento e apoio a programas concretos na área de educação, saúde, infra-estruturas, desenvolvimento empresarial, etc., e não ao orçamento do estado.

Não concordo com a teoria de que os países desenvolvidos querem explorar eternamente os mais pobres e que a ajuda externa é indesejável, cria dependência e que reduz a nossa capacidade de criatividade.

Nós próprios é que somos responsáveis por esta dependência externa, no dia que melhorarmos a eficiência com que esses fluxos de apoio ao desenvolvimento são aplicados, estaremos a dar os primeiros passos rumo à independência económica e que os países desenvolvidos, para além de continuarem doadores, passariam a ser nossos parceiros estratégicos de negócio.

Tudo depende de nós. Da nossa abordagem e atitude em relação a esses apoios. Tratando-os não como uma oportunidade para enriquecimento individual ou de um grupo de indivíduos, mas como uma oportunidade única para tirar o país da pobreza.

Fonte: Racionalidade (22.08.2012)

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