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quinta-feira, novembro 10, 2011

Bajulação como arte e cultura africanas

Por Marcos Efraim Macamo

Cansado de “viver” a mesma língua com mesmos ideais e interpretações, venho assim nesta contingência romper todo o protocolo ideológico e defender a bajulação sob ponto de vista africano contra todos argumentos políticos e lógicos, mesmo correndo o risco de ataques morais, éticos, deontológicos e antropológicos.

O famoso conto popular que escolhi, para elucidar a necessidade social do acto bajulador foi no seguinte conto: o anão sempre perguntava as pessoas com que se cruzava pelo caminho diariamente se as mesmas o teriam visto ainda à distância ou tão perto, tudo para desaprovar o seu estado de anão. Os que respondiam que só deram conta do homenzinho numa curta distância, estes sofriam represálias. Para se evitar estas represálias, muitos optavam por responder que teriam dado conta do homenzinho a uma longa distância. Outros ainda, respondiam dizendo que teriam lhe visto ainda muitíssimo longe, mas muitíssimo longe mesmo! Jurando até pelos vivos e mortos mesmo sabendo que era impossível contemplá-lo a uma longa distância.

Ora, nós africanos vivemos e pensamos no plural. O individualismo filosófico não é parte do pensamento africano. A natureza, a criação, os eventos e tudo mais ocorre no “nós”, isto é, no plural. O pensamento plural ou colectivo é que é força motriz para o avanço da sociedade africana como um todo. O anão anseia que todos sejam parte de si e ele parte dos demais.

O “eu” é condicionado pelo tu e pelo “nós”. O poder do tu e de “nós” afecta o “eu”. Ao elevar o “tu” criou-se condições para a própria elevação do “eu”. Ao negar o “nós” e o tu reduzo o meu “eu” quanto ao seu poder e força reais. Os súbditos asseguraram o prestígio dos reis e chefes elevando-os e por sua vez estes são elevados pelas comunidades. O bom régulo era o espelho da bondade dos súbditos do rei.

Na evocação dos antepassados o aspecto bajulador é essencial, pois garante o respeito e satisfaz as necessidades dos inferiores aos espíritos. Mesmo perante o mal praticado pelos decisores, primeiro bajula-se a estes para em seguida apelar a sua recta consciência. O bajular no contexto da inteligência africana se resume não no reconhecer as peripécias do seu superior (o bajulado), mas em fazer um apelo para este se retratar, se reconsiderar e procurar se reavaliar. Ao afirmarem que viram o anão ainda de tão longe, tinham um objectivo social e antropológico por cumprir. Bajular não é ignorância, é um meio formal de atingir esse objectivo do “tu” e “nós”.

Bajular é uma maneira de formar e estabelecer um diálogo de uma forma dinâmica, o qual lança apelo ao bajulado para ter em conta os seus pontos fracos e ter em conta seus súbditos. O bajulado está assim em constante alerta, pois se confronta com a sua realidade e com o que o bajulador afirma. O bajulado encontra nesta dialéctica uma relação intrincada daquilo que é a sua realidade e da realidade transmitida pelo bajulador. O bajulador não se importa com a verdade contida no seu acto de bajulação, mas preocupa-se sim com o impacto transformador desse acto.

O bajulador espera atentamente captar a atenção do bajulado como forma de assegurar esse “nós” no colectivo, transmitindo ao mesmo tempo a ideia de que “tu” e “nós” dependemo-nos mutuamente. O bajulador preocupa-se em manter o tu em nós e eu em vós, para que a coexistência pacífica e, quiçá, o alcance dos objectivos do tu e nós versus tu e eu sejam alcançados. A bajulação pode ser exercida por gestos, por sinais, por linguagem bem trabalhada, como sendo o juntar as mãos; o se manter de cócoras perante seu adversário etc. Por via de bajulação, os enviados e emissários do rei ou dum chefe rival, lograram o alcance de sucessos. A bajulação procura sempre transmitir simpatia, honra e glória para o bem do “nós”.

Durante as guerras tribais no sul de Moçambique, a bajulação ditou o curso das soluções de vários problemas agudos.

O bajulado neste exercício intrincado não se apresenta como sujeito passivo. Ele por vezes se recusa a aceitar ao bajulador.

O acto de bajular não é mau em si, nem sempre foi sinónimo de fraqueza, pelo contrário se traduz em alguns casos na busca de forças adicionais para a concretização do meu eu e assegurar o “nós”.

Ao bajular transportamos a expressão do “nós” por via do tu. A elevação dos dirigentes africanos pelos seus subalternos se traduz na expressão mais clara da técnica de bajulação. Bajular é uma arte e cultura africanas. Na bajulação há um diálogo mudo e construtivo. Este diálogo chama a atenção do bajulado no sentido de se retratar constantemente. Os grandes pactos de paz e bom relacionamento entre as tribos africanas foram achados em tempos de e momentos de grandes bajulações.

Compatriotas, é momento este de reconstruirmos o pensamento africano e ao mesmo tempo valorizarmo-lo.

Fonte: Jornal Notícias - 11.12.2011

Reflectindo: Dá para debater.

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