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sexta-feira, agosto 26, 2011

“Revolução de Agosto”: um novo patriotismo

Por José Chirindza

Este domingo celebra-se na Beira a passagem do terceiro aniversário do que ficou conhecido por “Revolução de Agosto”, um movimento político que reconduziu Daviz Simango à presidência da segunda maior autarquia do país e culminou com a criação do MDM. Em conversa com o SAVANA, Daviz Simango, rosto do movimento, reclama ganhos políticos e diz mesmo que o movimento “trouxe uma nova abordagem de consciência patriótica”.
Na entrevista, Daviz fala de um MDM (partido que dirige) saudável - negando que as recentes demissões de quadros tenham deixado fissuras no partido. Pelo caminho fala de um ambiente político perturbado por um partido no poder arrogante e de um Governo pouco dialogante com os cidadãos.
Eis na íntegra a entrevista:
No próximo domingo, 28 de Agosto, comemoram o terceiro aniversário da chamada “Revolução de Agosto”, um movimento político que o reconduziu à presidência do município da Beira e culminou com a criação do MDM, até aqui o terceiro maior partido político no país. Que balanço faz dos 3 anos?
A “Revolução 28 de Agosto” trouxe em Moçambique uma nova abordagem de consciência patriótica. Os jovens decidiram que as vontades populares são inalienáveis, daí que era preciso mostrar ao mundo que quando o povo quer faz. Ao celebrarmos o terceiro aniversário da nossa revolução dissemos de viva voz que a Beira mostrou ao mundo que a defesa de interesses populares é fundamental. Mostramos ao mundo que aquilo que está a acontecer no norte de África já aconteceu nesta cidade.

Para além de quebrar a bipolarização no Parlamento, o MDM está a materializar os objectivos que nortearam a sua fundação?

O primeiro grande anseio foi evitar que Beira caísse em mãos alheias e ali tivemos a capacidade de dar uma resposta positiva. Conseguimos mostrar que o que nós queremos ninguém nos tira. O MDM conseguiu quebrar a bipolarização na casa do povo, apesar de pouco tempo que tivemos para nos organizarmos. No início passamos por constrangimentos, nomeadamente a exclusão política que sofremos nas eleições gerais de 2009. Isso prejudicou o MDM, mas os corajosos jovens de 28 de Agosto não se deixaram levar. Com o pouco que lhes foi deixado, estes jovens conseguiram chegar à Assembleia da República.
Hoje o MDM é um partido respeitado porque conseguiu afirmar ao mundo que existimos em Moçambique como a terceira força política.

Qual é a meta do MDM?

Nós constituímos o partido para governar. Nunca nos passou pela cabeça a ideia de estarmos eternamente como oposição, pois queremos colocar os nossos dirigentes políticos a governar este país.

FRELIMO CRIA OBSTÁCULOS

Os partidos da oposição têm tido fraca presença nos distritos, limitando o seu raio de acção nas principais cidades do país. É difícil fazer política nos distritos?

Há desafios. Temos que olhar para o ambiente político do país e aí vamos constatar que o partido no poder procura a todo custo aniquilar qualquer pensar diferente. Nos distritos e localidades criam obstáculos para inviabilizar actividades políticas dos outros partidos.
O mais grave é usarem as autoridades administrativas, pessoas que recebem do erário público, dos nossos impostos, para impedir estes processos. Eles deviam se abster de entrar em conflitos com partidos políticos, arreando bandeiras, detendo membros ou proferindo palavras injuriosas a qualquer cidadão que esteja a fazer trabalho de outra formação política com a qual não se simpatizam. Quem instala esta violência toda é o partido no poder através de estruturas governamentais e régulos usados como propriedade privada.
Nós continuamos a apelar aos régulos para que eles continuem a exercer as suas actividades respeitando as práticas costumeiras, como por exemplo a sucessão por linhagem. Mas acontece que a Frelimo quebrou esta prática e colocou seus secretários como régulos para garantir maior controlo político.
Preocupa-nos também a influência do partido no poder através das suas estruturas sobre o poder administrativo. Hoje é natural ver um primeiro secretário da Frelimo a fazer despachos e a dar ordens claras para funcionamento de uma estrutura administrativa. Esta influência partidária no comando administrativo provoca conflitos.

Qual é o pensamento do MDM sobre este assunto?

O MDM defende que o pessoal da administração pública não deve ser recrutado nos moldes em que vemos hoje, porque agora impera o oportunismo dos políticos sobre os funcionários.
Não queremos que no nosso país quando entrar um outro governo, os funcionários públicos se sintam hostilizados pelo seu passado.

Depois dos problemas que afectaram e continuam a afectar a Renamo, o MDM era visto como alternativa política. Até que ponto a crise despoletada no seu partido com a demissão do secretário-geral e outros quadros afectou a imagem do movimento?

A demissão de quadros não pode ser considerada como sendo uma crise, porque ela pode ser motivada por várias razões, tanto mais que os membros podem, quando assim o entenderem, demitir-se. Há quem se demite publicamente, outros silenciosamente ou simplesmente comunicando às estruturas do partido.
Portanto, as demissões não podem ser tratadas numa abordagem de crise. É verdade que houve membros do MDM que desertaram, mas também há muitas pessoas que saíram de outras formações políticas e filiaram-se ao MDM.

Não admite que essas demissões sejam um prenúncio de crise?

Olha, se quisermos falar de crise, temos que ver se há ou não problemas de identidade no MDM. Hoje estamos a testemunhar sucessivas renúncias de presidentes de municípios propostos pelo partido Frelimo. Eu não sei onde está a crise neste momento. Um indivíduo que é eleito pelas populações locais é obrigado pelo partido que o indigitou a renunciar. Todos esses presidentes que estão a renunciar não foram eleitos apenas pelos votos dos seus correligionários. Nem todos os eleitores têm partido.
Mas hoje a Frelimo está a dizer a esses eleitores que o seu exercício democrático está abaixo dos interesses partidários. Há aqui uma crise de identidade e falta de conhecimento democrático. Por isso, dissemos que o partido no poder é anti-democrático, não respeita as vontades populares e elevados custos que permitiram essas eleições.

Que impacto podem ter as renúncias de presidentes de autarquias no processo democrático do país?

Vão criar mais abstenção nos próximos pleitos eleitorais. Enquanto alguns partidos e organizações da sociedade civil trabalham no sentido de reduzir os níveis de abstenção que continuam muito altos, aparece um partido político arrogante a desmotivar as pessoas aos processos eleitorais. As pessoas vão ou estão a se questionar sobre a relevância e pertinência do seu voto, se futuramente pode aparecer um partido político a se permitir ao luxo de afastar quem foi democraticamente eleito.
Nós defendemos que é preciso responsabilizar criminalmente essas pessoas que pedem demissão ou renúncia.

Como?

Um cidadão que tomou a decisão de se candidatar, sabendo das suas obrigações e da duração do seu mandato, como é que aparece no meio do mandato a renunciar sob a suposição de que vai estudar? Será que tais estudos estão acima dos interesses nacionais? Estão acima dos gastos públicos e da vontade do eleitor?
É preciso encontrar formas de responsabilizar estes compatriotas que metem cartas de renúncia para agradar os seus camaradas. É preciso que a democracia interna dos partidos funcione e que haja respeito pelo povo moçambicano.

VAMOS ÀS ELEIÇÕES INTERCALARES

Devido às renúncias, o país deverá organizar eleições intercalares, conforme manda a lei. O MDM irá concorrer nas autarquias que ficaram sem os presidentes?

O MDM está a mobilizar-se nesse sentido. Nós temos dito e continuaremos a dizer que viemos para governar. Portanto, em nenhum momento estaremos ausentes nos processos eleitorais.

Já pensaram nos nomes dos candidatos para Cuamba, Pemba e Quelimane?

Delegamos essa competência à comissão política nacional. Neste momento está a trabalhar com as estruturas provinciais, distritais e das próprias autarquias. Esse processo vai culminar com eleições internas dentro do partido e depois iremos anunciar os nossos candidatos.

Recentemente, o MDM esteve reunido em Pemba em conselho nacional. Que decisões foram tomadas e para quando o congresso do movimento?

O MDM determinou o seu plano estratégico e neste momento o objectivo é divulgá-lo. Outro objectivo é assegurar a participação do partido em todos os pleitos eleitorais. Quanto ao congresso, decidimos marcar para Novembro do próximo ano na Beira. A nossa intenção é assegurar que todos os candidatos sejam reconhecidos pelo congresso do partido.

Que avaliação faz da situação política no país?

A avaliação que faço é crítica, porque continuamos a assistir a uma grande arrogância por parte do partido no poder e ausência de diálogo. Digo ausência de diálogo porque todos os extractos sociais deste país devem ser parte integral no desenho das políticas de desenvolvimento. Se um Conselho de Ministros é alargado devem ouvir-se os problemas do país e não do partido. Neste último conselho, por exemplo, o Chefe de Estado deveria convidar intelectuais, figuras de renome e organizações da sociedade civil que trabalham para este país.
Continuamos também a assistir à intensificação da partidarização do aparelho do Estado e os primeiros secretários do partido continuam a interferir na gestão do fundo de desenvolvimento local, os 7 milhões.
Continuamos a insistir que os mega-projectos sejam reavaliados, que as nossas riquezas beneficiem o povo. Queremos que as nossas riquezas sejam aproveitadas para projectar investimentos em benefício das futuras gerações.
Na Saúde continuamos com os mesmos problemas, hospitais sem medicamentos e estes a apodrecerem nos armazéns.
Temos médicos que abandonam hospitais públicos porque não tem melhores condições de trabalhos e salários; temos crianças a estudar no chão e debaixo de árvores supostamente porque o Governo não tem dinheiro, mas há dinheiro para construir estátuas em todo o país. Será que para valorizar um ser humano é preciso manifestar toda esta abundância? 2012 será ano o quê?
Há situações que neste país não podem continuar. Se alguém quer venerar outrem não deve empurrar o país para a falência. O mais importante é ensinarmos nas nossas escolas a real história do nosso país. Assim, os nossos heróis serão sempre reconhecidos.

Alguns membros do seu partido dizem que o senhor, para além de ser presidente do MDM, é também membro do PCN. Que explicação tem para isto?

Eu sou membro fundador do MDM. Não se encontra espaço para que um fundador seja membro de outra formação política. O PCN é um partido político, tal como o MDM. Portanto, não é concebível que alguém esteja em dois partidos.
Mas é importante perceber que quando alguém é craque as pessoas procuram todo tipo de linguagem para o denegrir.

Mas também há acusações segundo as quais o senhor está a gerir o partido em moldes familiares…

Que gestão familiar? Vamos verificar bem a estrutura do MDM: no secretariado-geral do movimento quem faz a gestão não tem nada a ver com o presidente do partido. Por não ter nada a ver com o presidente, quer dizer que não há gestão familiar. Mas é preciso também ter em conta que Daviz Simango faz parte de duma geração com boa formação e educação e com uma gestão invejável.
Na gestão municipal continuamos a seguir em frente, apesar dos constrangimentos com que nos temos confrontado. Até nos acusam de estarmos a comprar os prémios que recebemos em reconhecimento do nosso desempenho.
As pessoas devem aceitar que há quadros competentes fora da Frelimo. Este partido no poder está hoje a enfrentar um partido que em 6 meses da sua criação lhe criou dores de cabeça devido à sua capacidade de organização, planificação e execução. As pessoas ainda não perceberam como foi possível que em cinco dias conseguimos assegurar as assinaturas e o processo de inscrição, fazer uma campanha contra todo o aparato financeiro propositado pela Frelimo, desafiar dois partidos colossos em simultâneo e sair-se bem. A este tipo de quadros o país deve aproveitar no máximo porque são pessoas que marcam a diferença.

Fonte: Savana - 19.08.2011

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