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quinta-feira, março 17, 2011

As razões para o não a Ana Juliana

Acórdão do TA diz que nomeação da nova SG só podia ser por transferência

Em exclusivo, o jornal “O País” teve acesso ao acórdão no 19/2011 do Tribunal Administrativo, através do qual este órgão recusa o visto à juíza Ana Juliana de Sales Lucas e Saúte para exercer o cargo de secretária-geral do Conselho Constitucional.

O acórdão é assinado por três juízes da Primeira Subsecção da Terceira Secção do Tribunal Administrativo e por um representante do Ministério Público, e aponta, essencialmente, duas razões de fundo para negar o visto àquela magistrada proposta para o cargo pelo presidente do Conselho Constitucional, Luís Mondlane.

PRIMEIRA RAZÃO

Diz o acórdão que “a designação de Ana Juliana de Sales Lucas e Saúte para o cargo de secretária-geral do Conselho Constitucional, pelo respectivo presidente, só podia ocorrer validamente na sequência de um acto administrativo de transferência dos quadros da Magistratura Judicial para o Conselho Constitucional, colocando-a, consequentemente, na esfera de competência deste órgão, o que não se prova nos autos”.

Prossegue o acórdão que “o preenchimento de um cargo de direcção, chefia ou de confiança, no aparelho do Estado, é regido, dentre outras, pelas normas contidas nos artigos 23 e 27 do Estatuto Geral dos Funcionários do Aparelho do Estado, e 23 do Regulamento da Lei no 14/2009, aprovado pelo Decreto no 62/2009, de 25 de Agosto”

Assim, continua o acórdão, “a Dra. Ana Juliana de Sales e Lucas, conforme se constata em alguns documentos que instruem o processo ora em análise, é juíza de direito da Magistratura Judicial, pertencente, portanto, aos respectivos quadros, aprovados pelo Decreto no 45/92, de 29 de Dezembro, cuja gestão e disciplina competem ao Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), nos termos dos artigos 220 e 222 da Constituição da República”.

“O artigo 20 do Regulamento da Lei no 14/2009, de 17 de Março”, prossegue o acórdão do Tribunal Administrativo, “aprovado pelo Decreto no 62/2009 de 8 de Setembro, estabelece o princípio segundo o qual a gestão dos quadros de pessoal é da competência dos respectivos dirigentes, do que decorre que a nomeação da interessada (Ana Juliana), em qualquer que seja o regime, é da competência do Conselho Superior da Magistratura Judicial”.

Deste modo, no entendimento dos juízes, ao aprovar o artigo 22 do Estatuto Geral dos Funcionários do Aparelho do Estado, o legislador queria prever estas situações de transferência de uma instituição para outra. E essa competência, no caso da juíza Ana Juliana, entendem eles, mantém-se sobre o órgão que tem a competência da sua gestão, ou seja, o Conselho Superior da Magistratura Judicial.

Por isso, na óptica dos quatro magistrados que assinam este acórdão, “a deliberação do Conselho Superior da Magistratura Judicial, segundo a qual não vê qualquer inconveniente para que a Dra. Ana Juliana de Sales e Saúte seja nomeada para o exercício de funções de chefia e confiança, em comissão de serviço de natureza judicial, configura, no caso vertente, UMA SIMPLES INFORMAÇÃO, COM NATUREZA OPINATIVA E NÃO UM ACTO ADMINISTRATIVO TRANSLATIVO DE COMPETÊNCIA.”

Nestes termos, refere o acórdão, “o acto administrativo sub judice está eivado de vício de incompetência do órgão de quem emana, por recair sobre uma magistrada alheia aos quadros do Conselho Constitucional”.

SEGUNDA RAZÃO

Para além da competência de nomeação, o acórdão avança a questão dos qualificadores, precisamente a mesma que tinha sido levantada, em bloco, pelos seis juízes-conselheiros do Conselho Constitucional, na célebre sessão em que Luís Mondlane lhes comunicou a intenção de nomear Ana Juliana para o cargo.

Diz o acórdão que “nos termos do artigo 37 do Estatuto Geral dos Funcionários do Aparelho do Estado, as funções de direcção, chefia e de confiança só podem ser preenchidas com obediência às exigências e demais requisitos referidos nos respectivos qualificadores”. Os magistrados do Tribunal Administrativo são da opinião que, “no caso em apreciação, não há menção, no diploma de provimento, ao preenchimento ou satisfação de qualquer requisito constante do respectivo qualificador pela nomeanda”. Ou seja, na proposta de nomeação, enviada ao Tribunal Administrativo, não consta que Ana Juliana preenche os requisitos exigidos para o cargo que, como se sabe, um deles é ter cinco anos de carreira na magistratura.

O acórdão 19/2011 esclarece que a comparação com os requisitos de nomeação do secretário-geral para o Tribunal Supremo, invocada no pedido de nomeação, não é aplicável ao secretário-geral do Conselho Constitucional: “A equiparação estatutária que se faz no 5 do artigo 2 do Decreto no 35/2004, de 8 de Setembro, do secretário-geral do Conselho Constitucional ao do Tribunal Supremo refere-se a todo o bloco, à jusante (estatutos, direitos e regalias), e não aos pressupostos ou requisitos para a designação ao cargo”.

Portanto, prossegue, “uma tal equiparação não dispensa a existência de uma pauta, a qual, na letra do artigo 37 do Estatuto Geral dos Funcionários do Aparelho do Estado, é condição sine qua non”. Remata que, com isso, o legislador quis delimitar o poder discricionário àquela baliza, por isso, é “inequívoca a expressão “só podem ser preenchidas com obediência às exigências e demais requisitos referidos nos respectivos qualificadores”.

No entender do Tribunal Administrativo, a ausência de menção do qualificador impede aquele tribunal de “exercer, cabalmente, a sua missão descrita no artigo 59 da Lei no 26/2009, de 29 de Setembro”, missão essa que consiste na verificação da legalidade do acto, pois, remata o acórdão, não lhe permite aferir se a nomeada Ana Juliana reúne, ou não, os requisitos exigidos por lei para ocupar o cargo para o qual é proposta.

Por tudo isto, o Tribunal Administrativo invoca a alínea a) do artigo 77 da Lei no 26/2009, de 29 de Setembro, para “recusar o visto à Dra. Ana Juliana de Sales Lucas e Saúte”.

“a designação de Ana Juliana de Sales Lucas e Saúte para o cargo de secretária-geral do Conselho Constitucional, pelo respectivo presidente, só podia ocorrer validamente na sequência de um acto administrativo de transferência dos quadros da Magistratura Judicial para o Conselho Constitucional, colocando-a, consequentemente, na esfera de competência deste órgão, o que não se prova nos autos”

RECURSO EM 10 DIAS

A decisão do Tribunal Administrativo é passível de recurso, nos 10 dias subsequentes à notificação dos visados. Como foi tomada no dia 11 de Março, sexta-feira, e o Conselho Constitucional só foi notificado na segunda-feira, 14 de Março, é esta última data que conta para efeitos de recurso. Por isso, o CC tem até dia 24 para contra-argumentar junto do Tribunal Administrativo. Luís Mondlane, afiançaram-nos fontes que lhe são próximas, não abdicará do recurso e já colocou uma equipa de advogados a trabalhar nesse sentido. Ou seja, não se dá por vencido.

Se o presidente do Conselho Constitucional recorrer, a decisão do acórdão 19/2011 terá efeitos suspensivos até outra decisão do mesmo órgão. Ou seja, Ana Juliana continuará a trabalhar no Conselho Constitucional, como secretária-geral, como o vem fazendo, de resto, desde a sua posse, na primeira semana desde mês.

Entende uma parte dos juristas que o que os juízes-conselheiros estão a fazer a Luís Mondlane não é exercer um poder disciplinar, que consistiria em abrir-lhe um processo disciplinar, como determina o número 1 do artigo 12, mas, sim, estão a inquiri-lo. A competência da natureza da acção que se está a exercer, actualmente, sobre o presidente do Conselho Constitucional cabe ao Conselho Superior da Magistratura Judicial.

CONSELHO CONSTITUCIONAL É COMPETENTE PARA INQUiRIR MONDLANE?

À parte a decisão do Tribunal Administrativo, entre os juristas trava-se outra discussão, mais exactamente sobre a legalidade dos juízes-conselheiros do Conselho Constitucional inquirirem o seu presidente.

Com base no artigo 12 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, os juízes-conselheiros decidiram criar uma comissão de inquérito para investigar a veracidade das acusações publicadas na comunicação social sobre as despesas do presidente do Conselho Constitucional, Luís Mondlane. essa comissão é constituída pelos conselheiros José Norberto Carrilho, Manuel Franque e Lúcia Ribeiro.

O referido artigo 12 regula o regime disciplinar dos juízes do Conselho Constitucional. No seu número 1, este artigo refere que “compete exclusivamente ao Conselho Constitucional o exercício do poder disciplinar sobre os juízes conselheiros, ainda que a acção disciplinar respeite a actos praticados no exercício de outras funções, pertencendo-lhe, designadamente, o poder de instaurar o processo disciplinar, nomear o respectivo instrutor de entre os seus membros, deliberar sobre a eventual suspensão preventiva e julgar definitivamente”.

Entende uma parte dos juristas que o que os juízes-conselheiros estão a fazer a Luís Mondlane não é exercer um poder disciplinar, que consistiria em abrir-lhe um processo disciplinar, como determina o número 1 do artigo 12, mas, sim, estão a inquiri-lo. Por isso mesmo, constituíram uma comissão de inquérito com três elementos. Entendem os defensores desta tese que a competência da natureza da acção que se está a exercer, actualmente, sobre o presidente do Conselho Constitucional cabe ao Conselho Superior da Magistratura Judicial.

Esta corrente de opinião socorre-se dos artigos 220 e 222 da Constituição da República para defender a sua posição. O primeiro diz que “O Conselho Superior da Magistratura Judicial é o órgão de gestão e disciplina da magistratura judicial”. O segundo, na sua alínea a), refere que compete ao Conselho Superior da Magistratura Judicial “nomear, colocar, transferir, promover, exonerar e apreciar o mérito profissional, exercer a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes aos magistrados”.

Conjugam os dois artigos da Constituição da República ao artigo 34 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (lei aprovada em 2009), que determina que os juízes em tribunal não judicial, em exercício de comissão de serviço, são considerados como sendo efectivos no serviço judicial. À luz desta interpretação, Luís Mondlane é magistrado judicial, ido do Tribunal Supremo, está em comissão de serviço no Conselho Constitucional, pelo que mantém essa condição de efectivo de serviço judicial. Consequentemente, a acção disciplinar sobre si devia ser exercida pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, como determina a Constituição da República. E como a “lei-mãe” sobrepõe-se sobre as outras leis, vale o que esta dispõe, se comparada com a Lei Orgânica do Conselho Constitucional.

O assunto promete...

Fonte: O País online - 17.03.2011

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