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segunda-feira, janeiro 24, 2011

UMA CULTURA SEM AMOS

Por Leonel Marcelino
Será possível uma cultura sem amos?
Como dizia Agostinho da Silva: “o mundo tem tantas possibilidades que até o impossível é possível”. Para este filósofo, a “cultura (era) tornar melhor a vida das pessoas”.
À primeira vista, todos estaremos de acordo. Se...Mas... Pois é. Metem-se pelo meio uns ses e uns mas que dão cabo de tudo. É que o conceito de “tornar melhor a vida das pessoas”, não é igual para todos. Se para uns, tornar melhor a vida das pessoas é dar-lhes mais educação, melhor saúde, melhor alimentação, melhores vias de comunicação, melhores transportes, mais justiça, emprego pleno, etc., para outros, tornar melhor a vida das pessoas será amarrá-las a preconceitos, obrigá-las a cumprir o calvário de tradições que as matam, as injustiçam, as fanatizam, as reduzem a escravidões diversas, antigas e modernas. Mas, pois é,
 mas... continuam a defender-se e a incrementar-se fundamentalismos religiosos, étnicos, políticos, ideológicos, culturais, e outros que encerram as pessoas numa cápsula de aço para além da qual não existe
 vida. Em nome de quê? Em nome do povo. Para o bem do povo, costumam dizer. Quantas vezes, perante a evidência de opções erradas, degradantes, senão mesmo assassinas, ouvimos o monocórdico e fatalista lamento: “- Que fazer? É a nossa cultura!” E com esta frase dramática se encerram todas as portas da esperança, todos os horizontes de mudança para a construção de uma vida melhor. E, se alguém ousa escolher um caminho diferente, quase sempre é devorado por uma comunidade que não aceita que alguém fuja ao seu controle. Eis o cerne da questão: o controle das pessoas.
Bem, lá no fundo, há práticas culturais que se destinam apenas a perpetuar o poder de alguns que se arrogam ser sabedores e guardiães de segredos misteriosos que não passam de mitos sabiamente divulgados e propagandeados, numa descarada exploração da ignorância das pessoas.
Uns têm cura para todos os males; outros herdaram poderes de antepassados, tantas vezes imaginários. Há ainda aqueles que vêem a morte alcançar misteriosamente algum ente querido, ou o incêndio destruir a sua casa ou as suas colheitas. Não olvidemos também os que são eliminados pelo braço de uma justiça prepotente ou por um poder político sem escrúpulos. Tudo serve para intimidar e manter os privilégios antigos, em nome de uma cultura atrofiada e atrofiante.
Chega-se ao cúmulo de erguer práticas culturais desumanas e aberrantes em orgulho da raça. Somos assim. Ponto final. Os colonialistas nada têm a ver connosco. Mas, a cultura não deve ter pátria, nem pode obedecer à lógica dos pontos cardeais. Não é do Norte nem do Sul, não é do Oriente nem do Ocidente. A cultura é apenas um caminho a percorrer e a melhorar para que as pessoas vivam em liberdade.
Cada povo tem boas e más práticas culturais. Não se trata de abdicar da identidade própria de cada raça, etnia, comunidade ou pátria, mas, tão só, de saber preservar os lados positivos da sua maneira de estar no mundo e de erradicar as práticas escravizantes. A cultura tem de ser viva. Já é tempo de se conhecerem os vários caminhos, as várias opções. Chegou a hora de se descobrir a pluralidade cultural dos povos da Terra. Cada um deve ter o direito às suas escolhas. Mas, e voltando ao princípio da nossa crónica, até quando as máscaras do poder esconderão o rosto dos donos das culturas? Até quando durarão as máscaras da manipulação? Será possível que, um dia, a cultura seja sinónimo de uma vida melhor para as pessoas, com melhor saúde, melhor educação, melhor justiça, mais liberdade, mais compreensão, mais fraternidade? Ninguém duvide: somos todos irmãos embarcados no mesmo grão de areia. Temos de aprender a viver juntos, sem fronteiras artificiais. (x)

Fonte: WamphulaFax - 24.01.2011

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