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quarta-feira, novembro 17, 2010

A separação entre os poderes político e empresarial

EDITORIAL (SAVANA)

Recentemente, a Unidade Técnica da Reforma Legal (UTREL) apresentou publicament e um ante-projecto de proposta de lei sobre as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos. Fundamentalmente, o que se propõe é que venha a ser declarado incompatível ser membro do parlamento e pertencer, ainda que a título não executivo, à estrutura directiva de uma empresa pública.
Evidentemente que a tal proposta já começou a provocar muitos murmúrios, uma vez que ela afecta directamente membros seniores da estrutura de direcção do partido no poder, que sendo membros do parlamento, onde ocupam cargos importantes de direcção quer da Casa Magna quer em representação do seu partido, têm também assentos nos conselhos de administração de empresas públicas.
E provavelmente por conta disso, a referida proposta nunca venha alguma vez a ver a luz do dia.
A proposta pretende corrigir uma situação que se configura num grande conflito de interesses, onde membros do poder legislativo, que em princípio deve fiscalizar o executivo, pertencem também às estruturas de direcção de unidades sob controlo directo do executivo.
As empresas públicas subordinam-se directamente ao executivo, e este por sua vez subordina-se ao poder de fiscalização da sua acção pelo parlamento. Ainda que muito hipotético, mas se a empresa pública a que estiver ligado um membro do parlamento tiver que ser chamada a responder perante este órgão de soberania, que posição assumirá no debate o deputado/administrador da mesma? Não há prémios para a resposta correcta.
Os objectivos da transparência na gestão dos recursos públicos, e no interesse de fazer fé ao princípio da separação de poderes estabelecido no nosso ordenamento jurídicoconstitucional, impõem que haja coerência, e que esta questão seja encarada com a devida seriedade. Moçambique é um país que avança de forma decidida em direcção à modernidade, e precisa de ter sistemas de administração pública baseados na transparência e na gestão prudente dos seus recursos.
A velha moda de fazer as coisas já não se compadece com as ambições que o país tem e com a actual realidade em que já há quadros com formação suficiente para que não sejam apenas as mesmas caras envolvidas em quase tudo, trocando simplesmente de título conforme o lugar onde se estiverem.
Não é só uma questão de transparência que aqui se impõe. A transparência deve ser vista como um meio para se alcançar a eficiência, o elemento crítico para que nos dias que correm qualquer país consiga atingir a competitividade.
De facto, esta é apenas uma das facetas dos inúmeros problemas de que enferma o nosso sistema no que diz respeito a questões de governação corporativa transparente e de separação de responsabilidades para evitar a colisão de interesses. Vivemos num sistema que é tão permissivo e promíscuo, onde os interesses políticos (particularmente do grupo no poder) intersectam-se com os interesses do Estado, numa acção manifestamente criminosa para merecer a aprovação da sociedade.
A longo prazo, estas situações viciam o Estado e a administração pública, levando a situações de conflitos que só contribuem para o atraso. Não há melhor altura de se reflectir sobre isto, senão agora que Moçambique começa a dar revelações de um grande potencial em recursos naturais diversificados.

Fonte: SAVANA - 12.11.2010 in Diário de um sociólogo

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