Joaquim Chissano palestra sobre 18 anos do Acordo Geral de Paz
Chissano disse serem falsas as alegações de que a guerra dos 16 anos surgiu com moçambicanos que defendiam a democracia, mais liberdade ou mesmo para derrubar o comunismo. Para o político, a guerra foi iniciada por um grupo de portugueses e moçambicanos que queriam a continuidade da dominação colonial.
O ex-Chefe do Estado moçambicano, Joaquim Chissano, diz que “os que defendem que há heróis da luta pela democracia são pessoas que realmente querem menosprezar a verdadeira história de Moçambique.”
Chissano falava, sexta-feira última, numa palestra orientada pela Universidade São Tomás de Moçambique (USTM), alusiva à celebração dos 18 anos da assinatura do Acordo Geral da Paz (AGP), a convite do patrono daquela instituição, cardeal Dom José Maria dos Santos, igualmente membro do Conselho do Estado.
Intitulada “Paz e Reconciliação em Moçambique como base de desenvolvimento”, a palestra, bastante concorrida por estudantes do ensino superior, docentes universitários, alguns políticos e deputados, obrigou o ex-chefe do Estado a um recuo histórico para contar, com minúcia, a sua versão sobre as reais causas do conflito armado entre o Governo e a Renamo, entre 1976 e 1992.
Contra toda a versão da Renamo, Chissano referiu serem desconhecedores da história do país os que defendem que a guerra civil (Fevereiro de 1976 a Outubro de 1992) foi em busca da democracia ou contra o comunismo. Para Chissano, todas as versões são dadas pelas “pessoas que vêem o conflito de uma maneira superficial, pois ignoram os reais inimigos do nosso país”.
Reais causas?
Para Joaquim Chissano, não foi Afonso Dhlakama nem André Matsangaísse (já falecido) que iniciaram a guerra dos 16 anos, e as razões não têm que ver com a democracia, nem com o comunismo.
Mas quais as reais causas da guerra? Interrogou um jornalista ao político. A esta pergunta, Chissano quase deu uma aula de história aos presentes. Na essência, disse que as causas da guerra dos 16 anos são as mesmas que faziam com que os colonialistas resistissem contra a libertação do povo moçambicano. Na versão de Chissano, a guerra começou com o fracasso da tentativa de diálogo entre os movimentos independentistas de alguns países vizinhos com seus regimes de dominação (Rodésia de Ian Smith e África de Sul de Apartheid) e o fracasso das negociações entre os países da linha de frente (Tanzânia, Zâmbia e Angola) com os regimes de dominação.
Tornando sintético referiu-se a três causas:
O facto de Moçambique ter oferecido ajuda à independência da Rodésia do Sul (Zimbabwe), desafiando, deste modo, o poder de Ian Smith;
O facto de Moçambique se unir à consumação das sanções decretadas pelas Nações Unidas contra o regime de Ian Smith, através do encerramento das suas fronteiras;
E o facto de um grupo de portugueses (aliado a alguns moçambicanos) ter decidido recorrer à África do Sul para pedir que este país não reconhecesse a independência de Moçambique.
Depois dessas movimentações, refere Chissano, o governo da África do Sul informou Ian Smith sobre as conversações que havia mantido com esse grupo de portugueses, e este, sem tardar, as materializou, dando, assim, início da luta civil.
Com esta versão, Joaquim Chissano “atacou” a ideia de uma guerra civil virada para resgatar a dignidade dos moçambicanos contra um braço autoritário da Frelimo e desmandos dos camaradas, bem como a conquista da democracia, liberdade não só da terra, como também dos homens, entre outros pontos.
Para para não deixar dúvidas sobre a sua versão, Chissano foi peremptório: “Não foi Afonso Dhlakama, nem André Matsangaíce que iniciou a guerra, mas um grupo de portugueses”.
Chissano negou também que se tenha tratado de uma guerra para derrubar o comunismo, e a explicação foi no mesmo sentido: “foi uma uma guerra apenas para perpetuar a dominação colonial”. E acrescentou: “em Portugal há um partido comunista até hoje. Quando é que os portugueses pegaram em armas para o destruir? Na Itália existe um partido comunista (que se chama partido da esquerda). quem já o atacou? Na França, um partido comunista até faz parte do governo de coligação. quando é que houve armas contra isso?”, questionou Chissano, para desmentir a tese de derrube do comunismo como a motivação para a guerra civil no país.
Heróis moçambicanos
Outra constatação de Chissano na palestra USTM foi para o conceito dos heróis moçambicanos. De acordo com o antigo chefe do Estado, do mau entendimento da história da guerra civil em Moçambique resulta a distorção dos factos históricos relativos à guerra civil (a que chamou de guerra de desestabilização).
“Alguns promovem debates baseando-se em fundamentos errados e, por isso, acabam encontrando heróis onde não existem”, disse Chissano. Com esta afirmação, Joaquim Chissano punha em causa o polémico debate sobre o conceito dos heróis moçambicanos que irrompeu no país, quando, no seu primeiro mandato à frente da cidade da Beira, Daviz Simango tentou implantar uma estátua em homenagem a André Matsangaíssa, um dos percursores do movimento armado do qual nasceu o actual partido Renamo.
Valorização da data
É percepção de diversos círculos de opinião em Moçambique que o dia 4 de Outubro não é respeitado com a dignidade de que gozam as outras datas. Aliás, a diferença de tratamento e o estado avançado de degradação em que se encontra a Praça da Paz, na cidade de Maputo, é interpretado como parte dessa desvalorização e uma clara evidência de que não há interesse em respeitar os marcos e os simbolismos da paz alcançada em Roma, a 4 de Outubro de 1992.
Questionado sobre este aspecto, Joaquim Chissano, signatário do AGP, disse: “Nunca vi o chefe da Renamo na Praça da Paz. Ele não participa! Não posso falar dos restantes membros da Renamo, porque não os conheço a todos”, disse Chissano, para imediatamente acrescentar: “Quando eu era Chefe do Estado dizia: ‘Em ocasiões dessas eu gostaria de ver muitas bandeiras a afirmar a sua presença. Ficar tudo isto colorido’”.
Conceito de paz
Fugindo aos conceitos intelectuais e “complicados” de paz, Chissano relacionou-o com o desenvolvimento, chamando as duas coisas de faces de uma mesma moeda. Para o político, a paz não pode existir onde as pessoas se ressentem da falta das mínimas condições de sobrevivência.
Fonte: O País online - 04.10.2010
Afinal Chissano não está na reforma?
ResponderEliminarZicomo
“os que defendem que há heróis da luta pela democracia são pessoas que realmente querem menosprezar a verdadeira história de Moçambique.”
ResponderEliminarQual verdadeira Historia? As mentiras da Frelimo?
Será que vamos recomecar a falar do assunto das causas da guerra? E a aí quem vai ganhar ou perder?
ResponderEliminarJosé,
ResponderEliminarEu me lembro o que D. Jaime Pedro Goncalvez e D. Manuel Vieira Pinto disseram na reunião com representantes das confissões religiosas realizada em Dezembro de 1982 e orientada por Samora Machel. Chissano parece ter-se esquecido disso.
Depois das tantas versões que já me foram apresentadas,deixei de querer ouvir falar de História de Moçambique.
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