O Governo não precisava de revolta popular para que tomasse as medidas ontem anunciadas, colocando a nu as suas fraquezas e abrindo um precedente perigoso para o futuro quanto aos possíveis reajustamentos dos preços.
O Governo anunciou, ontem, várias medidas visando minimizar a carestia de vida no país, das quais o congelamento dos preços de pão, água, electricidade, além de redução dos preços de arroz, das taxas de instalação de energia eléctrica, água, entre outras. São medidas que, de facto, irão minimizar o custo de vida no país. neste momento, não interessa se são as mais adequadas ou não. Eram medidas popularmente esperadas, ainda que tivessem sido tomadas tarde, além de terem sido antecedidas por declarações polémicas do ministro do Interior, que considerou os manifestantes como marginais e vândalos.
Estas medidas foram antecedidas, também, de pronunciamentos não menos polémicos do vice-ministro da Justiça, igualmente porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula, segundo as quais era irreversível a subida dos preços de produtos devido a choques externos, recomendando aos moçambicanos que trabalhassem mais para minimizar o custo de vida, como se os moçambicanos nada fizessem para travar este fenómeno.
As medidas do Governo podem ser vistas, por um lado, como sendo uma acção resultante de um exame de consciência feito pelos membros do Governo, no qual concluíram que estas manifestações eram, mais do que se imaginava, um problema real e sério.
Por outro lado, podem ser medidas de penitência ou de arrependimento do Governo em relação aos pronunciamentos do seu ministro do Interior, José Pacheco. Um sinal claro de o Governo quer reconciliar-se com o povo e limpar a sua imagem desgastada pelas manifestações.
Esta é a primeira manifestação de vontade política do executivo de reduzir o custo de vida no país. Contudo, continuo a defender que estas medidas deviam ter sido tomadas muito antes do povo recorrer à violência. O Governo deve ter um órgão de avaliação e monitoramento dos preços de produtos da primeira necessidade com vista a emitir alertas ao mesmo Governo sobre o que eventualmente pode acontecer caso os preços continuem a subir, além de aconselhá-lo a tomar medidas necessárias para minimizar o problema. Julgo que é isto que tem faltado ao Governo.
Há muito que se vinha alertando sobre a possibilidade de reedição de 5 de Fevereiro de 2008, dia em que, pela primeira vez, os moçambicanos desencadearam uma manifestação devido a igual problema. Este ano, desde que iniciou, os preços dos produtos nunca pararam de subir. A especulação ganhou espaço que nunca se havia imaginado que pudesse conquistar, justamente porque o Ministério da Indústria e Comércio se absteve de exercer o seu papel de combater este problema. Quase que não se viu nem se fez sentir, durante esse período, a acção da inspecção daquele ministério. Era o “deixa subir”.
O problema foi ganhando contornos alarmantes sob o olhar indiferente do Governo.
O “deixa-subir” foi subindo até ao ponto de saturação, onde o povo já não podia conter fosse qual fosse o agravamento de preços. E a bolha rebentou.
Bem dito, o Governo minimizou os alertas que eram feitos, até porque todos sabíamos que após as eleições iria libertar os preços dos produtos que haviam sido congelados durante muito tempo por decisão eleitoralista, visando evitar que isso se reflectisse nos resultados eleitorais. Aliás, o primeiro aviso foi dado após a vitória eleitoral da Frelimo quando a primeira-ministra, na altura, Luísa Diogo, deu uma entrevista na qual dizia que os preços de combustíveis deixariam de ser subsididos, deixando transparecer que os preços se regeriam pela lógica do mercado. Ora, isso só funciona para os países produtores e não consumidores como nós, onde tudo o que consumimos provém do exterior. Quer dizer, como um país consumidor, o Governo tem de ter o permanente papel de bombeiro para apagar o fogo que os outros ateiam. A solução disto tudo não passa só por trabalhar arduamente como o Governo tenta transmitir-nos, mas também por maior investimento do Governo em infra-estruturas públicas para reduzir os custos de produção, facilitar o escoamento de produtos, assegurar o mercado e a conservação desses produtos.
Se a revolta de 5 de Fevereiro de 2008 não serviu de exemplo para o Governo, espero que o 1 e 2 de Setembro, deste ano, sejam uma lição para que os nossos governantes tenham consciência da necessidade de viverem para o povo e com povo.
O Governo não precisava de revolta popular para que tomasse as medidas ontem anunciadas, colocando a nu as suas fraquezas e abrindo um precedente para o futuro quanto aos possíveis reajustamentos de preços.
O mais importante nisto é que o Governo cedeu à pressão exercida pelos marginais e vândalos, segundo os considerou o ministro do Interior, José Pacheco. Por que será?
Fonte: O País online - 08.09.2010
Visto, passa.
ResponderEliminarZicomo