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sábado, setembro 11, 2010

Manifestações: quando “o cimento” tapa o sol com a peneira

Escrito por Félix Filipe

Aquilo foi vandalismo. As pessoas do cimento são passivas demais. Tiveram medo de dar a cara. A protecção policial foi mais forte na cidade. Nós pautamos pelo civismo. Ao longo das avenidas e casas de pasto da zona urbana de Maputo perguntámos a vários indivíduos por que razão “o cimento” não aderiu às manifestações de 1 e 2 de Setembro. As expressões acima foram o denominador comum.
“Apesar do custo de vida ser implacável para todos, a maior parte das pessoas do cimento não quer protestar dando a cara”, afirma um cidadão com quem conversámos no Sindicato Nacional de Jornalistas e que falou na condição de anonimato para preservar a sua carreira profissional. “Não dou a minha identidade porque sou um funcionário do Estado, mas posso tecer alguma opinião sobre o assunto”, disse.

“Reagimos por via de eleições!”

De 40 anos, durante pouco menos de 20 minutos o cidadão explicou que as manifestações do primeiro de Setembro não tiveram eco na zona urbana porque o lugar é habitado por pessoas ligadas à máquina governativa e que à partida receiam dar a cara a revoltar-se, por medo de represálias.

“Esta gente também anda insatisfeita, mas prefere continuar a fingir e a reagir apenas por via de eleições”, comenta e acrescenta que “não é por acaso que deste lado o partido no poder tem estado a cair de eleição para eleição. Isso é um sinal claro de repúdio às suas políticas insatisfatórias ”.

Entretanto, Nelo Ambrósio, de 27 anos e residente da Polana Cimento B, desempregado, com o diploma do décimo segundo ano de escolaridade, critica e entende que “as pessoas do cimento” são passivas demais. Independentemente das suas agendas, deviam ter aderido às manifestações e não tem sentido terem ficado calmos perante uma realidade que não dá tréguas a ninguém.

“Sem querer apoiar os actos de vandalismo que caracterizaram aquele dia, penso que ´o cimento´ devia ter alinhado pela mesma lógica. Não vamos continuar a tapar o sol com a peneira. As coisas andam mal por aqui também. Eu vivo deste lado e, assim como o jovem das zonas periféricas, sei muito bem o que é dormir sem jantar”, contou, sentado num muro, algures na zona do Museu onde geralmente fica com os amigos contando as horas para o dia correr mais rápido.

“Não fui porque não tive tempo, mas queria tanto estar no terreno, lado a lado com o povo, se possível a orientá-lo. Sou solidário e identifico-me com a causa dos que se manifestaram, pois sinto a mesma dor”, desabafou Evaristo Tomás, de 35 anos, residente no bairro central.

Entretanto, Evaristo lamenta o facto de, ao invés de as manifestações terem decorrido como tal, se tenham registado actos de vandalismo, por isso condena as acções de vandalismo, mas encoraja a prática regular de tais protestos.

“Aqui na cidade armamo-nos em civilizados”

“Estou consciente de que a violência não é a forma ideal de resolver os problemas, contudo, nalguns momentos como agora, é necessário para pôr as coisas nos eixos”, comenta. No seu entender, o processo não atingiu a zona urbana por conta da intervenção policial e também por causa da arrogância das pessoas que nela vive. “O problema é que aqui na cidade armamo-nos em civilizados, quando na verdade passamos fome. Excepto os actos de vandalismo, louvo a atitude política que caracterizou o povo naquele dia ”.

Orlando Bento de 38 anos, residente no Alto-Maé, descreve os eventos dos dois primeiros dias de Setembro como uma pura demonstração de vandalismo. Na sua óptica, “a manifestação propriamente dita passa necessariamente por uma organização e a seguir um aviso. Portanto, o que vimos e vivemos naquela quarta e quinta-feira só pode ser descrito como um conjunto de acções vândalas manifestadas sobretudo em forma de saques e roubos a cidadãos humildes que igualmente carregam nas costas o peso do elevado custo de vida”, diz e desabafa: “como vivo na cidade de Maputo e trabalho na Matola, naquele trágico dia voltei a pé. Fiquei muito revoltado e fico mais ainda quando oiço algumas pessoas armadas em democratas a definir por manifestações um fenómeno daqueles. A verdade é que aquilo foi vandalismo, por isso a gente da cidade gazeteou”, refere.

Continuando, Bento lamenta o aumento do custo de vida, mas acha que tal não deve ser usado como pretexto para escaramuças. “A zona de cimento só não aderiu aos protestos porque estava totalmente protegida. Penso que como nos bairros aqui também há pessoas que estavam dispostas a agir, mas valeu a presença massiva da polícia; caso não, posso imaginar que isto seria um caos”, disse a terminar.

Por sua vez, Olívio Tovela de 27 anos, entende que o facto de o coração da cidade ser habitado por gente com um nível de vida distinto do cidadão humilde, particularmente dos becos da Polana Caniço, fez com que não se identificassem com os protestos.

“Na cidade faltam condições…”

“Se bem me lembro, os manifestantes actuavam de forma a entrar na cidade, enquanto a Polícia, sob ordens superiores, lutava para bloquear cada vez mais, numa lógica como que a evitar possíveis misturas. Foi por isso que nas principais entradas da urbe como a praça da OMM, as autoridades deram tudo lutando com unhas e dentes para barrar as populações nem que fosse necessário sacrificar algumas vidas e o resultado foi o que vimos: dois ou três mortos se a memória não me falha”, afirma.

“Por outro lado”, prossegue o interlocutor, “ao analisar-se a situação das manifestações, é preciso ter em conta que as coisas nem sempre são lineares e muitas vezes a materialização de determinadas acções é condicionada por alguns factores como o meio em que ocorrem, por isso é que a zona urbana não se manifestou naqueles moldes. Eu acho que na cidade faltam condições para promover actos do género. Por exemplo, na zona periférica é muito fácil para qualquer manifestante fazer estragos e desaparecer entre os becos, uma coisa muito rara na cidade”

Portanto, diferentemente de vários cidadãos abordados, Tovela acha que apesar do custo de vida aumentar para todas as camadas da sociedade, muitas vezes é mais penoso para o cidadão da periferia. “Veja só que diferentemente dos bairros suburbanos, na cidade as pessoas não dependem muito dos transportes, porque não fazem grandes distâncias. Além disso, a zona do cimento é mais segura. Portanto, para mim as pessoas deste lado não precisaram de se manifestar porque o problema não lhes afecta como deve ser”.

Fonte: @VERDADE

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