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domingo, setembro 26, 2010

HOMENAGEM AO ESCRITOR ALBERTO VIEGAS

Por: Gento Roque Chaleca Jr. em Bruxelas

“ (...) Quando decido meter mãos a um empreendimento, não gosto de me acomodar na sua periferia. Só me sinto, realmente, satisfeito quando atinjo o cerne do tema… Sinceramente sinto até um certo conforto nisso e considero-me realizado com os livros que escrevi.” Alberto Viegas em entrevista ao Jornal Wamphula Fax (s/data).

Foi na onda da procura de Salvador Maurício (em 2005) que conheço, pela primeira vez, o expoente-máximo da literatura macua, Alberto Viegas. Anos depois, por imperativos profissionais, desemboquei em te-rras de Nampula e a partir daí o contacto com o escritor passou a ser quase diário. A bem dizer foi através de uma entrevista ao jornal Wamphula Fax que passei a admirar aquele compêndio humano e um dos mais apreciados cartões-de-visita de toda a província de Nampula. Tenho em mim que quando realizo um sonho sagrado – desta natureza – agradeço aos espíritos pela bênção. E foi realmente o que aconteceu, uma galinha bem gordinha foi sacrificada nesse dia.
Alberto Viegas conhece a cultura macua como um veterinário conhece as costelas de um animal. Disposto estaria, se preciso fosse, para receber tundas dos seus detractores ou mesmo vindo de clínicos da arte, pois atrevo-me a dizer que tão pouca gente conhece a epistemologia da cultura macua como Viegas a conhece, como o palmo da sua mão. Não só a conhece como a promove.
Tornar-se-ia, por isso, muito difícil conhecer o útero da cultura macua sem antes conhecer o autor de “O Que Nos Dizem Certos Animais”.
A popularidade do escritor daria um bom dirigente político em Nampula, porém, longe disso e da vaidade exacerbada que corrompe o futuro deste país, Viegas não aceita por nada neste mundo ser para além daquilo que é, uma criatura humilde que pauta pelos caminhos da decência humana.
Alberto Viegas é docente há mais de meio século. E é mais um daqueles professores sem reforma, enfim, uma biblioteca ambulante que, apesar do peso da idade que carrega, continua a debitar os seus conhecimentos a quem mais precisa. A sua companhia deixa instruído a qualquer um.
Das vezes que andei em sua companhia pelas ruas de Nampula e mesmo no inteiror do seu gabinete de trabalho na Secretaria Provincial, Viegas foi sempre “escravo” da sua consciência, procurando servir de igual modo a todos os que o interpelavam. Quando se está na companhia de um “médico do social”, como é o caso de Aberto Viegas, não há que ficar com “ciúmes”, até porque não era eu o único “doente” a precisar do “olho clínico” do escritor. Entre outras coisas, Alberto Viegas ensinou-me que a natureza é a melhor escola da vida. Não é por acaso que Viegas é hoje um dos poucos escritores do mundo, repito, do mundo, que dá voz aos animais.
Em gozo do pecado mortal da minha santa ignorância, coloquei o prefixo “doutor” ao chamar pelo nome de Alberto Viegas. Veio-me à memória os puxões de orelha que recebia de meu pai quando, estimulado pela rapaziada amiga do bairro, optava por ir jogar à bola em detrimento do abecedário. É óbvio que Viegas não me puxou as orelhas, mas advertiu: “ não sou doutor de coisa nenhuma, tanto mais que este tipo de epitetos não condizem com a minha pessoa.”
Lembro-me que (em 2005) um professor de Geografia e História da Universidade Pedagógica de Nampula fez valer o seu voto de docente pelo simples facto de o ter chamado de “ilustre professor” ao invés de “professor doutor”, como era seu desejo. Valeu a minha transferência para UP-Maputo onde, por ironia do destino, conheci Viegas-filho (o Mário)! Este que, até então, tinha desempenhado as funções de director provincial da Educação em Nampula, e, actualmente, salvo erro, é o chefe de departamento de Filosofia da Universidade Pedagógica de Maputo.
Fico indignado e revoltoso quando vejo as empresas públicas e privadas deitarem fora milhares e milhares de meticais apostando em artistas “paspalhos” para um misto de objectivos, entre eles obter lucros e promover “coisas pimbas”. Basta ver como a nossa sociedade está poluída de gente que, a troco de alguns vinténs, cantam, dançam e escrevem coisas sem o mínimo de pedagogia. “Minha mãe eu vou-lhe bater, meu pai eu vou-lhe matar…” é trecho de uma música cujo autor é patrocinado por essas empresas. Assim vai a nossa cultura...
Viegas posssui obras por publicar, que levariam à salvação dos valores culturais e morais em falta neste país, mas, infelizmente, o aspecto pedagógico não faz parte do cardápio duma economia de mercado como a nossa. Nela até se vende gato por lebre! O escovismo e o improviso são dois males que atingiram a área da cultura. Fica aqui um forte apelo ao novo “pastor” de “coisas de cultura” do Governo de Armando Guebuza. Haja freio nessa hemorragia de cogumelos!
Louvado seja a Unilúrio na pessoa do seu reitor Dr. Jorge Ferrão por quem tenho a maior das admirações, cuja instituição têm-se engajado pelo altruísmo. O segundo volume de “O Que Nos Dizem Certos Animais”, só para recordar os incautos, teve a chancela da Unilúrio.
É uma grande pena que o executivo de Felizmino Tocoli não tenha rendido, até hoje, uma única homenagem pública digna de realce à figura de Alberto Viegas. Muito menos fê-lo a edilidade da cidade de Nampula liderada por Castro Namuaca. O que prova, uma vez mais, que este Governo da Frelimo não está comprometido em acabar com a pobreza absoluta no país. Quem exclui a componente cultural, seja ela numa governação ou na vida em geral, exclui-se a si mesmo. Estou certo de que o escritor e professor Alberto Viegas ter-se-ia recusado a aceitar qualquer tipo de homenagem à sua pessoa, inclusive esta que lhe presto de alma pura. Ainda assim, teria valido a boa intenção! Nem que fosse à revelia do homenegeado!
Enquanto a cultura continuar a ser relegada para o segundo plano, venha a revolução verde donde vier – a jatrofa, o petróleo, etc., todos estes apetitosos projectos estarão condenados ao fracasso estatístico. A Cultura e a Educação são duas alavancas capazes de fazer com que este país ande para a frente.
Estas linhas são poucas para homenagear um escritor de carisma de Alberto Viegas. Tenho cá comigo imensas dúvidas se alguém conseguiria homenagear, fosse quem fosse, em algumas linhas a vida de um Homem.
Pior, quando esse Homem se trata de Alberto Viegas. A melhor forma de homenagear Alberto Viegas é, talvez, na minha modesta opinião, fazer com que o mundo inteiro conheça e leia as suas obras, porquanto as obras de Viegas não são apenas um produto nacional, mas sim de toda a Humanidade. Há-de ser verdade que este jornal chega ao mundo inteiro, pois é legítimo informar a este mundo que, em Nampula, existe um escritor que ainda preserva o conto como forma de acabar com as hecatombes da vida. Esse escritor dispensa qualquer tipo de apresentação, chama-se Alberto Viegas.
Termino cometendo porventura um abuso, pois para tal não me foi autorizado, mas estou convicto de que a homenagem que hoje presto ao escritor Alberto Viegas expressa, também, o sentimento de todos os seus leitores.

Fonte: WamphulaFax - 24.09.2010

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