Descobrir petróleo é uma boa nova?

Por Ricardo Reis*

Descobrir petróleo em Moçambique pode mudar a vida a uma elite. Mas o cidadão médio moçambicano terá ainda poucas razões para celebrar Esta semana foi descoberto petróleo no Norte de Moçambique. Num dos países mais pobres do mundo, a notícia foi recebida com óbvio agrado.

No entanto, se olharmos para um mapa, veremos que os países com petróleo abundante são tudo menos modelos a emular. O México, a Nigéria e a Venezuela são pobres, até em relação aos seus vizinhos que não têm petróleo. A Arábia Saudita tem um PIB per capita alto, mas muitos hesitariam em incluí-la na lista dos países desenvolvidos. A desigualdade de rendimentos é enorme, o que se reflecte num ambiente político e de respeito pelos direitos humanos difícil. Por fim, do Iraque nem vale a pena falar.

A história da descoberta de riquezas naturais está cheia de desilusões, tão frequentes que até têm um nome: a doença holandesa (a origem do nome é a estagnação da economia holandesa após a descoberta de gás natural nos anos 70).

Existem duas explicações dominantes para a doença holandesa. A primeira nota que a descoberta de riquezas naturais leva a um enorme salto nas exportações do país. No entanto, isto leva a que a moeda se valorize. O resto da economia, e sobretudo a indústria, sofrem um grande choque de competitividade do qual raramente sobrevivem. Os empresários e os trabalhadores movem-se para a indústria extractiva, que rapidamente passa a dominar toda a economia. Não só a riqueza não aumenta com a descoberta, como o país fica dependente das enormes flutuações no preço do petróleo.

A segunda explicação nota que o dinheiro que vem do petróleo é “fácil”, no sentido em que não exige uma vasta mão-de-obra qualificada, leis e instituições justas e céleres ou mercados flexíveis e empresários arrojados, e também porque as receitas petrolíferas vêm de uma só fonte que é facilmente expropriada. Por isso o petróleo cria os piores incentivos para o governo do país; não é surpresa que atraia regimes autoritários.

Um estudo recente confirmou estes medos analisando a exploração de petróleo offshore no Brasil desde 2000. Comparando municípios semelhantes, com ou sem petróleo, os investigadores descobriram que o petróleo não aumentou a produção nos outros sectores de forma significativa. O mais curioso é que, embora as receitas municipais aumentem muito com o pagamento de taxas pela Petrobrás, vendo à lupa as contas públicas das transferências sociais, do fornecimento de bens públicos ou da construção de infra-estruturas, é difícil encontrar quaisquer aumentos. Além de uma ou outra fonte no centro da terra, ou desta ou daquela obra emblemática, o dinheiro do petróleo desaparece sem deixar rasto.

Descobrir petróleo em Moçambique pode mudar a vida para uma elite, que poderá passar a frequentar as melhores lojas europeias e aparecer em revistas de sociedade; o moçambicano médio tem poucas razões para celebrar.

* in jornal i

Fonte: Savana, 03.09.2010, in Diário de um sociólogo