TRIBUNA DO EDITOR
Por Fernando Gonçalves
Se alguma dúvida ainda persistia quanto à ineficácia e irrelevância da SADC, os desenvolvimentos decorrentes da cimeira da organização, na semana passada em Windhoek, devem ter contribuído decididamente para afastar, de uma vez por todas, tais dúvidas.
Para além das várias mensagens de auto-congratulação, mais conversa e troca de cordialidades, uma das decisões tomadas pelos Chefes de Estado e de Governo que participaram na cimeira foi a de suspender as decisões produzidas pelo Tribunal da SADC.
O Tribunal foi criado em 1992 através do artigo 16 do Tratado da SADC, como uma das principais instituições da organização. Contudo, ele só viria a ser operacionalizado em Novembro de 2005, com a aprovação do respectivo Protocolo pela Cimeira, e a nomeação e tomada de posse dos primeiros cinco Juízes.
De acordo com o Tratado da SADC, o Tribunal tem como missão garantir a “aderência e a interpretação correcta” das disposições do Tratado e seus instrumentos subsidiários, para além de adjudicar sobre quaisquer disputas que lhe forem apresentadas. As competências do Tribunal abrangem também disputas que sejam trazidas à sua atenção por cidadãos da região, se estes entenderem terem esgotado todos os mecanismos domésticos de acesso à justiça.
Eminentemente, tais disputas envolvem, regra geral, situações em que os queixosos sentem que os seus direitos fundamentais terão sido postos em causa.
O nosso Venerando Presidente do Conselho Constitucional, o Dr. Luís Mondlane, foi o primeiro Presidente deste Tribunal, e pode nos elucidar ainda melhor sobre o mandato daquele órgão, e a natureza das matérias sobre cuja deliberação ele próprio teve que presidir. São essas decisões que hoje estão a ser postas em causa.
A SADC parece estar a marchar no sentido inverso da tendência moderna ao nível mundial, aceitando ser refém de algumas bolsas de forças retrógradas que lutam contra o desenvolvimento da região. Nenhuma das decisões tomadas na semana passada em Windhoek constituem uma contribuição para o desenvolvimento da África Austral. Antes pelo contrário, cimentam a percepção de uma região com a qual se deve lidar com cautela, e evitada sempre que possível.
A SADC não está a contribuir para o desenvolvimento da região ao concentrar-se num apelo inócuo, deve ser dito, para a remoção das sanções dirigidas a alguns elementos do regime de Robert Mugabe. A mais importante contribuição que os nossos líderes deveriam fazer seria persuadir o líder zimbabweano a resolver as questões que estiveram em primeiro lugar na origem da imposição dessas sanções.
E essas questões são sobejamente conhecidas por qualquer um que se interessa em acompanhar com objectividade os acontecimentos naquele país. Muitos dirigentes da SADC estão muito bem informados sobre o que se passa naquele país irmão, incluindo os trágicos acontecimentos que se seguiram ao fiasco eleitoral de 29 de Março de 2008, em que milhares de zimbabweanos foram brutalizados e mortos só pelo facto de terem ousado votar na oposição.
O apelo ao levantamento das sanções é um acto cínico por parte os líderes da SADC, porque eles próprios sabem perfeitamente que por mais alto que gritem, as sanções não serão removidas enquanto persistirem os abusos contra a dignidade humana no Zimbabwe, enquanto não houver progressos significativos no sentido da normalização da situação no país, enquanto a vontade eleitoral do povo do Zimbabwe continuar a ser negada pela força das armas, da tortura e da repressão.
Esta é a mensagem que os dirigentes da SADC devem, com toda a honestidade, transmitir ao seu par.
Continuar a insistir na mantra da “conspiração externa” não vai ajudar a resolver os graves problemas que aquele país enfrenta.
A decisão de suspender o Tribunal da SADC baseou-se na constatação feita pelos líderes da organização, segundo a qual o órgão estava a agir fora do âmbito do seu mandato, com algumas das suas decisões a sobreporem-se às constituições dos países membros.
Mas isto é apenas uma manobra para entreter os mais distraídos. Nenhum tribunal pode se dar a essa pretensão. A constituição cria o tribunal, e este deve conformar-se em actuar dentro dos parâmetros que lhe são impostos pela constituição.
Na realidade, a principal motivação para a suspensão do Tribunal da SADC foi a pressão exercida por Mugabe devido ao seu desagrado em relação à decisão do tribunal que considerou o caso da violenta expropriação de terras de 78 agricultores brancos como sendo ilegal e racista.
A constituição do Zimbabwe não prevê a expropriação (muito menos violenta) de qualquer propriedade. A constituição do Zimbabwe também prevê igualdade entre todos os cidadãos do país. Em nenhum momento a constituição do Zimbabwe refere-se aos seus cidadãos brancos como indivíduos sem direitos. Portanto, não pode haver razão em acusar o Tribunal de ter tomado uma decisão que em algum momento tenha posto em causa a Constituição do Zimbabwe ou de qualquer outro país da região.
Por outro lado, o argumento de que as decisões do Tribunal sofrem de nulidade pelo facto do mesmo não ter sido ainda ratificado por dois terços dos membros, é uma falsidade grotesca. Na verdade, o Tribunal não carece de ratificação.
Leia-se atentamente o número 2 do artigo 16 do Tratado da SADC: “A composição, poderes, atribuições, procedimentos e outras matérias relacionadas referentes ao funcionamento do Tribunal deverão ser prescritos num Protocolo, o qual, não obstante as disposições do Artigo 22 deste Tratado, constitui parte integrante deste Tratado, adoptado pela Cimeira”.
Essencialmente, o que isto significa é que o próprio Tratado da SADC, que é vinculativo sobre todos os Estados membros desde 1993, excepcionalmente isenta o Protocolo sobre o Tribunal da SADC dos mecanismos de ratificação previstos no Artigo 22, o qual reza que todos os Protocolos só entram em vigor 30 dias após a sua ratificação por dois terços dos 15 membros da organização.
A decisão de suspender o Tribunal representa uma manifesta atitude de desprezo e de desrespeito contra os Sábios juízes que deram o seu tempo, inteligência e conhecimentos para contribuir para o desenvolvimento de uma organização cujo Tratado diz fundar-se nos princípios da democracia e de Direito. É praticamente acusá-los de usurparem poderes fora da sua jurisdição. Isso é bastante grave, especialmente se considerarmos que foi a própria Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo que indicou e empossou os mesmos Juízes.
É uma decisão que em todas as suas vertentes entra em confrontação directa com os mesmos princípios que nortearam a fundação da SADC. Assim, o 20 de Agosto de 2010 ficará registado na história como o dia em que colectivamente, todos os líderes da SADC, finalmente atiraram pela janela fora qualquer pretensão de respeito pela democracia. Um dia muito triste para os povos sofredores desta região, que devem agora iniciar o processo de busca de outras alternativas para verem salvaguardados os seus direitos mais elementares.
Fonte: SAVANA in Diário de um sociólogo
É opinião deste senhor. E vejam como ele trata a pessoa de Mugabe, com dó. O que nunca percebi, nunca mesmo, porque é que não fazem o mesmo em relação ao Bush? Ninguém pia. Silêncio total. Assim não pode ser. É caso para dizer, "os caes ladram, a caravana passa!
ResponderEliminarZicomo
Viriato,
ResponderEliminarÉ aquilo que tenho dito, porquê o Bush em assuntos da África Austral?
A minha pergunta é quando se suspende o Tribunal regional, isto é da SADC, significa que os cidadãos lesados e que tenham esgotado todos os mecanismos domésticos de acesso à justiça, terão que recorrer imediatamente ao Tribunal de Haia? Porquê realmente os nossos governantes não fortalecerem o sistema de justiça ao nível regional para que os nossos problemas se resolvam em casa?
Quanto a Mugabe e Zimbabwe, Fernando Gonçalves descreveu aquilo que é verdade, aquilo que aconteceu nos últimos anos e bem visto pelo tribunal que acaba de ser suspenso.
Viriato,
ResponderEliminarNos vamos resolver o problema do teu pai adoptivo, sem stress,
Mas ele tem ajudar-nos a resolver o problema de imagem dele tambem,
Ele nao pode ser como os nossos xiconhocas, em que agente tentou ajuda-los e eles correram pra morderem nos a mao.
Eu sei que ele nao 'e xiconhoca, e os xiconhocas tambem venderam-lhe, aproveitaram-se da Causa dele, pra justificarem um inimigo externo na Africa quando lhes aptece e dormirem com o mesmo inimigo quando o assunto 'e grana,
Acredito que ele tem a Causa dele, mas tem que ajudar-nos para que compatibelizemos a Causa dele com imagem dele e o bem estar do Povo dele.
Sei que ele esta disposto, mas tens que falar com ele e garantir isso, mesmo.
Bravo Karim,
ResponderEliminarLeia mais uma vez o artigo de Sacoor na parte onde fala de Saddam. É exactamente o que tu dizes aqui neste comentário.
Afora isso o Reflectindo tem as suas razões. O que condeno é que os jornalistas africanos nunca denunciam os os "indomáveis" ocidentais; simplesmente porque tem medo.
Zicomo
Sei,
ResponderEliminar'E o quarteto polivalente.
E esta sem folgor, ve-se a olho nu.
A dita sociedade civil onde anda para reclamar situações destas? Morreu, morreu, morreu ou determinada a sabotar, sabotar, sabotar ate não podermos. Haia será a solução.
ResponderEliminarJa disse que a oposição em Mocambique precisa de se impor e mostrar pujança relativamente a estes assunto.
A imprensa, pelo menos, aquela de grande circulação, retrate-se se quisermos ver os processos democráticos na SADC avançar.