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terça-feira, agosto 24, 2010

Revisão de matérias de fundo na Constituição só com referendo

Artigo 292 da lei-mãe do país salvaguarda de aventureirismos políticos

O artigo 291 da Constituição da República salvaguarda os moçambicanos de qualquer ideia radical de mudança desta lei-mãe, ao determinar a imperiosidade de um referendo a anteceder uma revisão constitucional de fundo. Sem isso, os deputados não podem mexer em aspectos de soberania e independência dos poderes, muito menos das liberdades fundamentais dos cidadãos.
Só com referendo! Fiquem tranquilos todos os que receavam por eventuais grandes mudanças, na revisão constitucional ventilada, desde há algumas semanas, por certos sectores do partido Frelimo.
De acordo com o artigo 291 da própria Constituição da República, uma revisão radical ou profunda da Constituição deve sempre ser antecedida de um referendo.
E por “aspectos radicais ou profundos”, entende a própria Constituição o seguinte: os relacionados com a independência, soberania e unidade do Estado; a forma republicana do Governo; a separação entre as confissões religiosas e o Estado; e os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Outros aspectos que só podem ser revistos quando antecedidos de referendo são: o sistema eleitoral em vigor no país, o pluralismo de expressão e de organização política, a existência da oposição democrática, a separação e a interdependência dos órgãos de soberania.
Ademais, a constituição da República vai mais longe ao proibir que a revisão normal interfira na independência dos juízes, na autonomia das autarquias locais, nos direitos dos trabalhadores e das associações sindicais, bem como nas regras que regem a nacionalidade.
A alteração de qualquer um desses aspectos implica, obrigatoriamente, nos termos da Constituição da República em vigor, uma consulta popular - o chamado referendo -, segundo o número 2 do artigo 292 da Constituição.

É ou não exequível o referendo em Moçambique?

Por referendo, entende-se o instrumento por meio do qual os cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se por sufrágio directo e secreto, a título vinculativo, sobre determinados assuntos de relevante interesse para a nação.
O número 1 do artigo 136 da Constituição da República especifica as condições em que se deve realizar referendo: “Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional e os cidadãos residentes no estrangeiro, regularmente recenseados, podem ser chamados a pronunciar-se em referendo sobre questões de relevante interesse nacional.”
No entanto, diferentemente da eleição do Presidente da República, que é por mais de metade dos votos expressos (votos nas urnas), o referendo, segundo o número 6 do artigo 136 da Constituição da República, só é considerado válido e vinculativo se nele votarem mais de metade dos eleitores inscritos no recenseamento.
Por exemplo, nas Eleições Gerais de 28 de Outubro de 2009, a Comissão Nacional de Eleições tinha inscritos 9 120 235 (nove milhões, cento e vinte mil e duzentos e trinta e cinco) eleitores, mas só votaram pouco mais de 3 milhões de eleitores, mais exactamente 44,63%.
Quer dizer, se a 28 de Outubro estivesse a ser referendada alguma matéria constitucional, não teria passado. Tal como nas eleições de 1 e 2 de Dezembro de 2004: o número de inscritos era de 9 095 186, mas a participação foi de apenas 36 por cento (isto é, 64 por cento de abstenções).
Só nos dados das eleições de 1994 e 1999 (com níveis de participação de 88 e 65 por cento, respectivamente) se encontra cenário melhor.
Aliás, de 2004 a 2009 há uma evidente tendência decrescente da afluência dos eleitores às urnas (64 e 55,37 por cento de abstenções, respectivamente), pelo que as hipóteses de um referendo passar são remotas, já que o mesmo, para ser vinculativo, exige uma participação acima de 50 por cento dos eleitores inscritos.
É, provavelmente, isto que explica os discursos reconciliatórios dos membros da Frelimo, quando dizem que a revisão que pretendem não irá abranger matérias de fundo. Há que salientar que a prorrogação do mandato presidencial e a sua duração não está contemplada nas consideradas matérias de fundo, podendo, se quiser, uma bancada com 75% dos votos fazê-la passar. No actual cenário, a Frelimo está em condições de fazer isso, embora reitere que não o pretende fazer.
Também do ponto de vista do clima político, parece improvável que a Frelimo possa convocar um referendo para fazer passar alterações de fundo na Constituição. Poderia confirmar a ideia que se tem dela, desde que chegou à maioria absoluta, de que pretende uma espécie de monarquia absoluta.

O que pressupõe uma revisão sem referendo?

Ora, descartando a hipótese de referendo, todas as outras alterações à actual constituição não serão de grande vulto. O artigo 291 da lei-mãe reserva à revisão normal apenas os aspectos que não tocam as liberdades fundamentais dos cidadãos, o sistema eleitoral, regime e sistema políticos.
Perguntámos ao presidente da Comissão da Administração Pública, Poder Local e Comunicação Social na Assembleia da República, Alfredo Gamito, o que a nova Constituição pode adicionar ou retirar da actual, neste cenário de revisão normal. Gamito respondeu que o seu partido está preocupado, por exemplo, com a actual composição do Conselho de Ministros, que não inclui os vice-ministros. “Na constituição vigente, os vice-ministros não são membros do Governo. Entendemos que não faz sentido. Este seria um dos aspectos a ser revisto, para que possam fazer parte do Governo”, disse Gamito.
António Chipanga, constitucionalista e docente na Universidade Eduardo Mondlane, entende que todas as revisões da constituição que o país já fez, quer parciais, quer de fundo, tiveram como pressuposto o progresso do país. “Será que desta vez a revisão a ser feita é para pôr tudo abaixo? A resposta minha é: negativo!”.

Uma constituição enfermada de revisões

Uma pesquisa feita pelo “O País” concluiu que, desde a independência de Moçambique até hoje, a constituição moçambicana foi revista 12 vezes, sendo 10 parciais e duas de fundo (estas últimas em 1990 e 2004).

Fonte: País onlineO - 24.08.2010

2 comentários:

  1. Se for uma revisão que catapulte para menos gastos do Estado, em relação a custos eleitorais, menos corrupção, melhores condições de saúde e habitação ao moçambicano e que haja novas variantes que possam criar um horizonte mais apetecível aos mais novos-juventude- e toda a população em geral, e que "ELIMINE DE VERDADE A FOME E POBREZA ABSOLUTA- nome político que substitui a triste palavra MISÉRIA", quem será o ANTI-PATRIOTA que deixará de votar, ou concordar com a revisão?
    Seria de aplaudir!


    Fungulamasso

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