Morte de Mondlane e fracasso de África (Severino Ngwenha no O País online)
A escravatura e o colonialismo marcaram o percurso do continente
No dia 25 de Maio de 1963, diferentes líderes juntaram-se em Addis-Abeba, Etiópia, e criaram a Organização da Unidade Africana. No entanto, aproximadamente cinco décadas depois, para Severino Ngoenha, não se pode falar de liberdade
Na década de 1960, as grandes publicações da época registavam com regularidade o surgimento de novas nações em África. Para muitos africanos, a celebração da independência significava o início de uma nova vida e da autodeterminação. No entanto, para muitos estudiosos eurocentristas assim como afrocentristas, as independências dos países africanos não vieram acompanhadas das liberdades. O binómio “dominado e dominador” continua, pois as políticas económicas e sociais são desenhadas fora. Com algum radicalismo, outros estudiosos de assuntos deste continente acusam os africanos de olharem para si através dos olhos dos outros.
A celebração, hoje, do dia de África, levou-nos ao encontro do filósofo Severino Ngoenha, para - partindo destes dados e a realização em Maputo da conferência sobre Identidades Africanas - discutirmos a construção do continente, assim como a responsabilidade europeia no seu desenvolvimento.
Construção de identidade ou de identidades
Com a celebração, hoje, do dia de África, a expressão “identidade africana” tornou-se recorrente. Num continente com tantas diferenças, é justo falar-se de identidade africana?
O correcto é falar no plural, porque uma identidade africana unívoca, comum a todos os africanos do Egipto até à África do Sul não existe. Existem, de facto, identidades africanas. Mesmo as identidades a nível nacional têm que ser conjugadas no plural. Mesmo a nível de Moçambique, mais do que falar de uma identidade comum a todos, era melhor que fosse conjugado no plural. Agora, existe uma história africana mais ou menos unívoca, ligada às vicissitudes que África passou nos últimos cinco séculos: a escravatura em primeiro lugar e a colonização em segundo, mas também as lutas homogéneas que os africanos fizeram com apoios recíprocos. pensemos na importância que Argélia teve na luta de libertação de Moçambique, com os apoios militar e logístico estratégicos para que chegássemos à independência, não simplesmente de espaços geopolíticos de produção europeia, mas de espaços africanos de solidariedade.
Assumindo o papel do colonialismo para a construção de uma história comum, podemos assumir que o mesmo também é responsável pelo surgimento das identidades africanas?
As identidades africanas não são alguma coisa já feita de uma vez por todas. São mecanismos de construções. Nós vamos construindo quotidianamente, paulatinamente, as diferentes identidades, quer nacionais, quer regionais, quer mesmo continentais.
Não há nenhuma dúvida que o nosso passado histórico contribuiu para a construção dessas identidades. Quer a escravatura e sobretudo o colonialismo foram parte integrante na construção dessas identidades. Mas também as especificidades locais devem juntar-se a essa parte histórica na construção dessas identidades. Isso quer dizer que o colonialismo sozinho nunca teria conseguido construir identidades africanas. Vou dar um exemplo, a SADC, no fundo, é um conjunto de nove ou 10 países que se juntaram na luta contra África do Sul, o sistema de Apartheid, quando ainda era SADCC. Há coisas que podiam parecer contra a natureza, como o facto de nós moçambicanos falantes de português nos metermos junto ao Zimbabwe, Swazilândia, Malawi, Botswana, etc., para tentarmos a construção de um espaço unívoco geopoliticamente organizado. Não obstante, a diferença de línguas, de história colonial – porque Grã-Bretanha não foi Portugal –, houve uma vontade interna que não se pode explicar simplesmente pela oposição à África do Sul. Hoje, a África do Sul já não é uma oposição, mas uma parte integrante que fez com que estivéssemos juntos na organização, nesta fase de construção, de um espaço geopoliticamente organizado e dinâmico que é a África Austral neste momento.
Fala-se de uma unidade que não existe
Fala da OUA como um fracasso. Podemos olhar para o que é hoje União Africana. quais os grandes fracassos desta organização? NEPAD seria um deles?
O principal fracasso é que a unidade não existe. Quando houve independência do Senegal e do Mali, falava-se da Confederação do Mali e do Senegal; houve tentativa de Segâmbia, que seria uma unidade entre Senegal e Gâmbia; houve tentativa aqui na África Austral de fazer a SADCC. Eu defendo que a SADCC era mais avançada em termos de integração política do que aquilo que é a SADC. Esta é quase uma espécie de uma constelação de economias onde todos nós dependemos de uma África do Sul. A SADCC era um encontro político de países para poder resistir àquilo que era a imposição do Apartheid, do seu regime e da sua economia.
Duas análises:
ResponderEliminar1. A morte de Modlane não acabou nem com o país muito menos com a África. Foi uma figura sem dúvida com o seu peso intelectual, mas não pode ser comparado a um Cristo. Essa ideia de imortalizar Mondlane como se ele fosse o único é negativo. Nunca me esqueço o meu pai a fazer referência a figuras que ele conheceu e que foram determinantes também para a edificação do país.
2. Os problemas de África, doa isso a quem doer, têm a sua génese na colonização. De lá para cá o continente ficou refém dos indomáveis. Basta ver a FMI e outras entidades quãos leões indomáveis que mais não fazem que estrangular o continente. Não trazem ajuda nenhuma, pelo contrário, mima os nossos dirigentes e, juntamente com eles, estrangulam o nosso espólio.
Zicomo