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segunda-feira, maio 24, 2010

Monopólios públicos

ECONOMICANDO

Por João Mosca

Considera-se que uma estrutura de mercado monopolista quando existe um único agente económico do lado da oferta e muitos do lado da procura. Considera-se um monopólio público quando o Estado é o proprietário da empresa. De uma forma não precisa, pode-se considerar um monopólio público quando o Estado possui uma participação na estrutura accionista que lhe permite influenciar as decisões da empresa. Quando a empresa monopolista é protegida por leis e mecanismos económicos, está-se perante o que se designa por um monopólio legal.
Aprende-se nas escolas de economia que uma estrutura de mercado monopolista é imperfeita, o que significa que é contrária à concorrência, dificulta ou mesmo impede a utilização eficiente dos recursos, não incentiva a inovação tecnológica e portanto não contribui para a competitividade empresarial e das economias. Geralmente os preços de monopólio são superiores aos que poderiam existir num mercado de concorrência prejudicando os consumidores e regra geral prestam um serviço de deficiente qualidade. Em monopólio, os lucros, além de serem geralmente superiores aos de uma situação de concorrência, ficam socialmente concentrados, o que dificulta o desenvolvimento inclusivo e a configuração de um padrão de acumulação socialmente mais amplo.
Após esta breve e simples apresentação livresca do que é e significa um mercado monopolista, passa-se à realidade mo¬çambicana. Há vários monopólios públicos, a maioria já existente na economia colonial, reforçados na época “socialista” com objectivos diferentes e continuam após as reformas também com mudanças de papéis na política económica, na economia política e na reprodução do poder. Este texto apenas se refere ao período recente.
Não se pretende demonstrar que as empresas monopolistas em Moçambique, como em qualquer outro local (e isto não é dogma do liberalismo económico), praticam preços altos e um deficiente serviço aos cidadãos. Este artigo debruça-se sobre a indefinição (ou a definição conscientemente confusa) entre sector público da economia (neste caso os monopolistas públicos), governo e Estado, como estes aspectos se reflectem nos desempenhos empresariais e nas relações com os clientes. Este artigo não se refere aos monopólios públicos como instrumentos do poder, aos mecanismos ilícitos de transferência de recursos entre empresas e governo, às formas paralelas e não transparentes de financiamento do orçamento público, entre outros aspectos.
Parte-se de três exemplos. Um, a empresa Caminhos-de-Ferro de Moçambique pratica tarifas subsidiadas no transporte de passageiros cujos custos são suportados pela própria empresa. Admite-se que os transportes públicos sejam subsidiados. Assim acontece em muitas economias e existe algum consenso nas sociedades. Os custos de transportes re¬presentam percentagens elevadas nos orçamentos das famílias principalmente das que possuem menores rendimentos e é um bem público essencial. Consequentemente, o subsídio facilita o acesso ao transporte e representa uma forma de redistribuição da riqueza nacional.
Para isso acontecer (subsídio suportado pela empresa), ou se agravam os prejuízos ou se reduzem os lucros. Em qualquer circunstância, diminui a capacidade empresarial para realizar investimentos, isto supondo que não existem investimentos públicos directos. Se a empresa pratica preços abaixo dos custos médios, então o prejuízo terá de ser coberto com os lucros obtidos em outras actividades da empresa ou aumentando os preços de outros bens e serviços oferecidos pelos CFM, o que prejudica outros consumidores e pode reduzir a capacidade competitiva da empresa e da economia. E a questão a este respeito é: compete à empresa suportar os subsídios dos transportes públicos? Ou a empresa deve definir o preço que cubra os gastos (supondo níveis de eficiência aceitáveis), praticar o preço subsidiado ao utente e receber o subsídio do Estado? A questão não consensual dos impostos de todos os cidadãos subsidiarem (beneficiarem) uma parte da população (os utentes), não é aqui debatida.
Dois, na Beira, um cidadão que vá deixar uma pessoa ao aeroporto, sem estacionar o carro, à saída para a cidade, passa por uma cancela onde é obrigado a parar e a pagar uma “portagem”. A via que passa pelo aeroporto é pública, é mais uma das ruas da cidade e nenhuma razão parece existir para qualquer pagamento. Qual a justificação desta medida? O que fazem as autoridades? E os cidadãos porque não se rebelam, com excepção de alguns que simplesmente não param e também nada lhes acontece? Neste caso não estamos perante um abuso de autoridade e de poder em relação ao qual ninguém se manifesta? É compadrio, aceitação tácita (para quê?) ou simplesmente incúria? Ou de tudo á mistura e de mais algo?
Três, um voo Maputo-Beira da LAM (escuso-me de referir a data e hora) foi adiado cerca de 12 horas. Os passageiros conheceram do adiamento no aeroporto, no check in, por volta das sete da manhã. Nenhuma justificação foi dada. Voltou-se ao aeroporto para o embarque e o voo atrasou mais cerca de uma hora. De novo sem qualquer informação. Um passageiro pediu o livro de reclamações nos balcões da empresa. O chefe de escala, depois de responder que não havia, virou as costas ao cliente. Em pleno voo, o comandante, muito gentilmente, pediu desculpas aos pas¬sageiros e agradeceu a preferência dada à LAM. Como preferência se não há alternativa?
O que podem demonstrar estes três exemplos?
• O caso dos CFM não revela uma mescla entre funções do Estado e das empresas públicas? O Estado não está instrumentalizando uma empresa desresponsabilizando-se das suas funções sociais, retirando competitividade à empresa e distorcendo o mercado?
• Retirando a hipótese do caso do aeroporto da Beira reflectir incompetência ou incúria, não será um caso de abuso do poder, autoritarismo e negligência?
• Para o caso da LAM, admita-se que o atraso e o comportamento do chefe de escala não sejam a regra. Os restantes aspectos revelam um nítido desrespeito pelos clientes.
É legitimo admitir que grande parte dos trabalhadores das empresas procurem fazer o melhor. Deve-se acreditar que os dirigentes dão o melhor para elevar o desempenho das organizações. O que está em causa é como as empresas são politizadas, como os tiques do autoritarismo se reflectem na relação com os clientes, como o governo intervém (ou não), como se perde competitividade.
Em muitos países existem políticas anti-monopolistas e órgãos reguladores dos monopólios. E em Moçambique? Ou será que não há, porque as indefinições facilitam promiscuidades? Ou é a chamada política de navegação em águas turvas e, por vezes, em turvas e em águas profundas.

Fonte: SAVANA in Diário de um sociólogo - 21.05.2010

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