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domingo, abril 18, 2010

Um ditador chamado Fábrica

- Aiuba Assane exerceu a liberdade de expressão e parou nos calabouços
-“Não mandei deter o mecânimo Aiuba Assane”, Adelino Fábrica, administrador

Por Nelson Carvalho, em Nampula

Aiuba Assane, o jovem mecânico que há um mês (12 de Março) foi condenado a uma pena suspensa de três meses por crime de difamação à pessoa do administrador de Muecate, acaba de colocar à venda a sua palhota ao preço de 10 mil meticais. Com este valor, o pobre jovem pretende pagar custas judiciais (3.400 meticais), indemnizar o administrador Adelino Fábrica (1500 meticais) e pagar 100 meticais à sua defensora oficiosa. O caso de Muecate vem consubstanciar o que vários estudos têm revelado sobre a situação da liberdade de expressão no país: Quanto mais nos afastamos de Maputo, a liberdade de expressão perde o seu estatuto constitucional e fica aos critérios dos administradores e outros poderes do Estado.

Muecate é um distrito do interior de Nampula que ainda não conseguiu a descolagem económica. Conse¬quência: a casa corre o risco de não encontrar compra¬dores e Assane poderá recolher à cadeia para cumprir a pena de três meses de prisão.
Voltar à cadeia é tudo o que Assane não quer. Esteve detido no decorrer do estranho processo que lembra os momentos revolucionários em que o Estado moçambicano não se pretendia de Direito. Depois de passar 22 dias nas celas do comando distrital de Muecate, foi restituído à liberdade sob ordens do juiz presidente do tribunal distrital de Muecate.
A sentença proferida a 12 de Março fixava a data de 22 do mesmo mês para o condenado depositar na conta do tribunal local 3.400 meticais de custos judiciais. O prazo expirou e Assane ainda não conseguiu o valor. Na sua oficina de reparação de motorizadas e bicicletas consegue por dia um máximo de 125 meticais. O valor, depois de dividido com o colega da jornada, serve apenas para prover de alimentos para a família que integra a esposa, dois filhos menores e um irmão.
Enquanto não aparece um comprador, o jovem mecânico está ciente de que a qualquer momento poderá recolher à cadeia. E já tratou de avisar à sua família para se preparar para dias piores.
Dos factos
O SAVANA deslocou-se a Muecate para ouvir do próprio condenado e outras partes interessadas o que motivou a instauração do processo.
O jovem mecânico fala meio tímido e deixa nas entrelinhas que foi censurado quando a notícia saltou para as páginas dos jornais. Ao nosso jornal negou que tenha sido detido por ordens do administrador local.
“O senhor administrador somente me perguntou sobre a origem da informação segundo a qual ele mostrava-se relutante em mudar-se para outro distrito mesmo sabendo que foi transferido”, conta, acrescentando que na ocasião pediu desculpas ao Adelino Fábrica.
Na conversa disse ainda que se escusou de identificar as pessoas que lhe terão passado a informação da transferência de Fábrica, mesmo assim o administrador ordenou que ele regressasse para casa.
“Dias depois chega à minha casa um grupo de agentes da PRM com um mandado de captura. Levaram-me para as celas do comando distrital. Lá fiquei 10 horas para depois ser transferido para a cadeia de máxima segurança do distrito onde permaneci de 22 de Fevereiro a 16 de Março”.
A restituição à liberdade aconteceu depois de o juiz presidente do tribunal judicial do distrito ter retomado aos trabalhos depois de férias.
“Ordenou a minha soltura sob termo do compromisso de não sair do distrito. Depois veio o julgamento onde fui condenado a pagar cerca de 5000 meticais como caução para não voltar mais à cadeia” – disse, reiterando que “prefiro vender a minha casa”.
Da cadeia Assane tem uma triste memória: “sofri castigos de outros reclusos, tomava banho com água suja, tive um controlo rigorosamente forte e fizeram-me muitos interrogatórios”.

Condenação deplorada

Alguns residentes da vila sede de Muecate ouvidos pelo SAVANA deploraram o julgamento e consequente condenação de Aiuba Assane. No bairro é conhecido como um jovem portador de uma conduta social correcta e não se lhe advinham antecedentes de contravenção criminal ou moral.
“Estou muito desapontado com o administrador por ter mandado deter aquele nosso mecânico que nos ajuda bastante”, lamenta Brito Mutarica, 52 anos, questionando em seguida que se “os dois não conseguiam resolver o problema amigavelmente porquê mandar deter para depois exigir uma indemnização?” Mutarica diz mesmo que se fosse ele um entendido na matéria, teria ajudado Assane a recorrer a sentença junto do tribunal judicial da província e “de lá para outras instâncias para ver qual seria o desfecho”.
Para Rafael Francisco, 36 anos, natural de Ribáuè e residente em Muecate, “o administrador Fábrica e o tribunal agiram de mãos dadas para intimidar a população que não tem posses financeiras”.
Deixou um apelo ao tribunal e ao administrador no sentido de deixarem de aterrorizar a população.
“Olha que quando o administrador chamou Assane, nós pensávamos que fosse para lhe ajudar a desenvolver a sua oficina com o dinheiro do fundo de investimento de iniciativa local”. Debalde.

“Não influenciei a detenção do jovem”

O administrador de Muecate nega ter influenciado a detenção de Auiba Assane. Explica que o caso remonta desde finais de 2009, quando começou a correr um “boato” no distrito dando conta de que ele teria sido transferido para outro distrito e que, entretanto, “sem vergonha, negava entregar as pastas ao seu sucessor”.
O interlocutor contou que a “desinformação” abalou-o moral e psicologicamente, tanto mais que desconhecia as motivações e as pessoas por detrás da mesma.
“Era urgente identificar as pessoas e responsabilizá-las. Foi quando apareceu um camponês de nome Salimo, na residência oficial, que procurou saber se era verdade que o administrador tinha sido transferido”, conta, indicando que o mesmo terá dito que acompanhara a informação com Aiuba Assane na oficina deste.
O administrador disse ter participado o caso ao primeiro secretário da Frelimo em Muecate e que este, dias depois, também acompanhou o “boato”.
Foi então que Fábrica decidiu aproximar-se do mecânico Assane para conhecer a sua fonte de informação.
“Numa Sexta-feira em que passara em tal oficina, convidara o mecânico para uma conversa, ao que apareceu numa segunda-feira, cerca das nove horas, no meu gabinete”.
No encontro, o administrador diz ter perguntado ao Assane se sabia de alguma coisa sobre a sua transferência.
“Depois de muita hesitação, o mecânico pediu desculpas e disse que a partir daquela data, nunca mais iria se meter no assunto”, conta, para de seguida dizer que “pedi-lhe que me dissesse o nome dos outros constituintes do grupo para também merecerem o perdão”.
Só que o mecânico disse que não denunciaria os restantes membros do grupo por temer represálias e feitiço.
A resposta não agradou o administrador que tratou de mandar a Polícia investigar o assunto, pois “não estava em causa apenas a legitimidade e credebilidade do administrador, mas também o poder público que estava sendo desacreditado”.
“O expediente e procedimento processual foram feitos nos termos em que aos respectivos órgãos lhes compete e nunca houve minha interferência”, indicou, lembrando que “disse apenas ao Ministério Público que não desejava qualquer indemnização, somente a composição do grupo”.

Não havia lugar para a detenção

Mariamo Braimo, delegada do IPAJ no distrito de Muecate, disse que a detenção de Assane não devia ter acontecido, muito menos a sua condenação. Num breve contacto com o SAVANA, Braimo reiterou que fez todo o esforço possível para livrar o jovem mecânico.
“Se todos trabalhássemos com os mesmos artigos de que nos baseamos para condenar ou defender as pessoas, o jovem não iria preso nem condenado”, explicou.

O que diz o juiz

O juiz presidente do tribunal judicial de Muecate alinha com o discurso do administrador e diz que o jovem não foi detido por ordens daquele. Alde Abudo Passarera indicou que foi o Ministério Público (MP) que ordenou a detenção durante a instrução preparatória.
Segundo o juiz, pesou na condenação do Assane o depoimento que este fez em sede do tribunal.
“Por exemplo, depois de várias questões na fase de instrução preparatória, ele disse de forma reiterada que assumia ter dito ou difamado o administrador, mas nunca poderia revelar as fontes que lhe deram a informação por medo de represálias e feitiço”.
Segundo o nosso interlocutor, o tribunal aguarda neste momento o pagamento da caução por parte de Assane.
“Caso não consiga pagar em valores monetários poderá pagar cumprindo a prisão ou outras formas que o tribunal poderá dicidir”, explicou, quando o SAVANA apresentou as dificuldades financeiras do condenado.

Fonte: SAVANA in Diário de um sociólogo . Foto retirado do Jornal Notícias aqui

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