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terça-feira, abril 13, 2010

SADC: Projecto de estados e/ou de grupos de intereses?

ECONOMICANDO

Por Joao Mosca

Os últimos dois artigos referiram-se (1) à importância da história da SADC cuja origem fundamentalmente política implica elevados custos para a transformação em comunidade económica e, (2) às potencialidades e dificuldades da integração económica. Este artigo acrescenta dúvidas, não sobre a necessidade da SADC, mas acerca de alguns aspectos que os discursos oficiais evitam e sobre possíveis agendas de grupos de interesse.
Primeiro, está-se perante uma das regiões mais pobres do mundo, onde predomina uma sub-potência (a RAS) com graves problemas de estabilidade interna e simultaneamente com relações de supremacia económica em grande parte dos países da SADC. Por isso, é natural que a RAS olhe para a SADC como uma oportunidade de ampliação de mercados mas ao mesmo tempo dúvida da responsabilidade de suportar grande parte dos custos do desenvolvimento das economias no que se refere ao funcionamento das burocracias e dos fundos para a imple¬mentação das políticas económicas supra nacionais. Será aceitável uma SADC a várias velocidades com hierarquização entre os estados membros?
Segundo, as comunidades económicas implicam necessariamente reordenamentos e ajustamentos estruturais face a uma necessária complementaridade das economias com o objectivo de permitir as relações económicas e comerciais intra-comunitárias. Especializações produtivas, competitividade face à concorrência de terceiras economias entre outros aspectos, exigem clareza e capacidade negocial em defesa de interesses nacionais, onde existirão neces¬sariamente sectores, regiões e grupos sociais ganhadores e perdedores. Moçambique sabe o que negociar, onde terá de ceder e que custos estão inerentes? Sabe-se em que sectores o país poderá ter vantagens competitivas? Já se fizeram estudos sobre os efeitos em Moçambique da entrada em vigor da união aduaneira (prevista para 2010)?
Terceiro, a construção de uma comunidade económica exige perdas de soberania em matéria de politica económica (entre outras). Por exemplo, uma moeda única exige que o banco central da SADC defina a politica monetária (taxas de juro e de câmbio, oferta monetária, etc.) para todos os países. Implica políticas comerciais externas (pauta e tarifas alfandegárias) harmonizadas. Estão as economias da SADC em condições de possuírem os mesmos níveis de proteccionismo face a economias terceiras? Nada indica que sim. Os governos nacionais aceitarão pagar penalizações económicas pelo não cumprimento das decisões de Gaberone? Os primeiros passos de construção da união aduaneira indicam que nem todos os países aceitam as mesmas regras e não assinam os acordos. Assim haverá comunidade económica?
Quarto, uma comunidade económica faz-se com uma cidadania consciente, com elementos de identidade e sobretudo com conhecimento dos benefícios e custos económicos para as empresas e as famílias. Uma cidadania que aceite compartir e prescindir de símbolos nacionais (como a moeda nacional), acate a mobilidade dos cidadãos e que estes concorram em igual circunstância num mercado de trabalho aberto (ainda hoje, alguns países da SADC exigem requisitos de visto de entrada a cidadãos de outros estados membros mais dificultosos do que muitos países terceiros). Cidadãos que para além de se sentirem uma nacionalidade, assumam elementos comuns da identidade SADC (quais são?) ou mesmo de uma cidadania SADC. Aceita-se uma nacionalidade e uma supra nacionalidade, quando os dilemas entre a etnia e a nação estão presentes? A xenofobia na África do Sul, entre angolanos e congoleses e outros (por exemplo entre moçambicanos, zimbabweanos e malawianos), revela claramente os estágios em que se encontra a assumpção das cidadanias. O camponês do interior de Moçambique sabe o que é a SADC? E grande parte da elite, o que sabe, para além do significado da sigla? Um slogan mais?
Naturalmente que os dirigentes da SADC têm consciência destes e de outros aspectos. Então, porquê tanta pressa na constituição de uma comunidade económica quando outras expe¬riências indicam percursos incompletos com mais de meio século e partindo de situações políticas e económicas muito mais favoráveis? Para além dos objectivos e das necessidades das economias e dos países, que outras agendas podem existir?
Nada se pode afirmar categoricamente acerca de agendas subterrâneas. Mas é método científico observar fenómenos, analisá-los num quadro analítico lógico, formular hipóteses e desenvolver uma explicação (teoria) dos fenómenos para, finalmente, verificar se existe correspondência entre as hipóteses e as observações. Para muitos filósofos das ciências, a não verificação empírica da hipótese não implica necessariamente a sua refutação.

Com base no exposto arrisca-se o seguinte raciocínio:
• Observação: São duvidosas as condições políticas, económicas e sociais de construção de uma comunidade económica aos ritmos anun¬ciados.
• Quadro analítico: Emerge ou desenvolvem-se grupos de interesses com necessidade de expansão de mercados pouco competitivos e portanto carentes de proteccionismo o que pode ser aceitável no quadro de uma comunidade económica e não ao nível de um país. A riqueza das economias não permite investimentos avultados com base na poupança interna, sendo necessário recorrer a recursos externos.
• Hipótese: A SADC, como qualquer burocracia, é também um projecto de grupos de interesses.
• Teoria: É necessário construir um quadro institucional (a SADC), que permita a captação de mais recursos externos, amplie os mercados e legitime o proteccionismo económico para evitar a concorrência de economias terceiras e desenvolver um capitalismo ineficiente, que será dificilmente competitivo à escala internacional mas que interessa ao poder e aos negócios das elites locais.
• Observação: Os grupos de interesse nacionais estão a posicionar-se nos sectores onde cada país pode possuir vantagens competitivas no âmbito de uma especialização produtiva regional. No caso de Moçambique, nos transportes e serviços, comunicações, energia e sector financeiro.

Conclusão: Não há nenhuma incoerência entre o quadro analítico, a hipótese e a explicação dos factos. Se não existem condições para os ritmos anunciados de constituição do mercado único e da união monetária, se a maioria da população nem sabe o que significa SADC e se os grandes beneficiários são as elites, então, pode-se sugerir que a SADC é também um instrumento para que os grupos de interesses expandam os seus negócios instrumentalizando uma burocracia supra nacional. O que não invalida que não seja também um projecto dos estados membros. Aliás ambas as estratégias (estados e interesses de grupos) reforçam-se mutuamente.

Fonte: SAVANA in Diário de um sociólogo

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