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domingo, fevereiro 07, 2010

Pontos nos iiiiiii

Por Machado da Graça

A pessoa que assina Tadeu Phiri voltou ao Domingo para responder à minha crónica no Savana. Mais uma vez tomei conhecimento disso com atraso. Acho que vou ter que voltar a ler regularmente o Domingo.
E o curioso é que, enquanto no seu primeiro texto me acusava, no essencial, de ter mudado, agora acusa-me, no essencial, de não ter mudado.
Agora acha mal que eu continue comunista, leninista para ser mais exacto, quando tudo o mais no mundo mudou.
E mais uma vez me tenta colocar na posição de alguém que está isolado numa posição contrária a tudo aquilo que é normal e bom.
De forma que, para acabar com toda esta confusão, intencional ou não, o melhor é mesmo esclarecer as coisas.
Para isso vamos lá andar um bocado para trás na História. E fiquemo-nos por Moçambique, dado que é mais fácil e, nesse aspecto, o que se passou em Moçambique não foi essencialmente diferente do que se passou em muitas outras partes do mundo.
Pois chegámos à independência e o poder político foi entregue à Frelimo, na sua qualidade de vencedor da guerra de libertação.
E a Frelimo tinha evoluído, desde a última fase da vida de Eduardo Mondlane, para uma posição socialista, do tipo marxista-leninista.
Foi portanto natural que ao proclamar a independência tenha dado ao país o nome de República Popular de Moçambique. E que a Constituição aprovada tenha sido de tipo socialista. E que todas as orientações fossem igualmente nesse sentido.
Ora a independência já não me apanhou criança. Já estava mais perto dos 30 que dos 20 e já tinha uma formação política de alguma solidez. E, claramente, de esquerda.
Portanto não foi dificil identificar-me com o novo regime que nascia e cuja cara mais visível era o Presidente Samora Machel. E onde pontificavam outros tantos socialistas como Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Chipande e todos os outros dirigentes vindos da guerrilha ou que se juntaram à Frelimo já depois da independência.
Com muito poucas excepções todos líamos pela mesma cartilha. E, dessas excepções, só recordo um sector que se manifestava abertamente, a hierarquia católica.
E com poucas mudanças assim ficámos até à morte de Samora Machel. Entre as poucas mudanças contou-se a privatização de pequenas empresas quando se percebeu que o Estado não tinha capacidade para gerir uma infinidade de pequenas lojas, oficinas e coisas similares.
E isto já no início da década de 80. Eu próprio, nessa altura Director Adjunto do Instituto Nacional do Livro e do Disco, tomei a inciativa, que foi superiormente aprovada, de privatizar algumas das muitas pequenas empresas que o INLD tentava gerir com grande dificuldade.
O que, de resto, não agradou a um assessor cubano que apoiava a direcção…
Mas, no essencial, a política mantinha-se a mesma, virada no sentido de um maior equilíbrio social, diminuindo a diferença entre ricos e pobres. Fazendo subir os pobres, por vezes à custa de fazer descer os ricos. Era a fase da aliança operario-camponesa. Da criação do Homem Novo.
Cometeram-se erros? Sem dúvida. Estou hoje convencido que o monopartidarismo foi um erro. Mas era de regra nos países do chamado “socialismo real” e isso foi, naturalmente, copiado.
Cometeram-se crimes? Infelizmente também disso não há dúvida.
Mas o objectivo final era, pensava eu na altura e continuo a pensar ainda hoje, correcto.
É claro que isso não agradava ao chamado Ocidente. Moçambique estava alinhado com os países do bloco socialista e também com a China e a Coreia, comunistas fora do bloco. E, no mundo dividido da altura, funcionava bastante o “quem não é por mim é contra mim”.
Com uma política externa inteligente, Moçambique foi-se abrindo ao Ocidente sem abandonar as suas alianças tradicionais com o Leste.
E é através dessa abertura que começam as pressões externas do Ocidente sobre o nosso país. Não nasceram hoje com o G19. Começaram ainda Samora era vivo.
Pressões que eram acompanhadas por uma simpatia, quando não mesmo apoio declarado, à Renamo e ao seu combate desestabilizador. Foi a fase do pau (Renamo, Rodésia e África do Sul) e da cenoura (pequenos apoios económicos ao país).
Com a morte de Samora, e grande parte da sua equipa dirigente, as pressões dos dois tipos foram aumentadas até o país ser obrigado a fazer o flic-flac a favor do capitalismo.
Um capitalismo, é óbvio, quase sem capita¬listas, porque a política da Frelimo era “matar o crocodilo (capitalista) enquanto era pequeno” ou mesmo “no ovo”.
Como em, 20 anos, se formou a classe capitalista moçambicana é aquilo a que continuamos a assistir todos os dias. Praticamente sem regras, com quase total tolerância para todo o tipo de desbragamentos.
E o mais chocante é que os actuais grandes crocodilos saíram, na sua grande maioria, de ovos chocados na Pereira do Lago.
Perante a obrigatoriedade de passarmos ao capitalismo, decretada pela comunidade inter¬nacional, em vez de os nossos antigos socialistas/comunistas usarem o poder de que continuaram a gozar para moderarem e moralizarem esse processo, assistimos, pelo contrário, à entrada alegre e desenfreada de muitas dessas pessoas na luta pela fortuna à custa do vale tudo.
E com cobertura do seu antigo partido e das estruturas do Estado, que ele controla.
De partido socialista marxista-leninista a Frelimo transformou-se, num estalar de dedos, através de um milagre de Sto. Cifrão em partido capitalista convicto e entusiasta.
E quem não quis aderir ao regabofe afastou-se e permanece calado na sombra.
É portanto aqui que estamos neste momento. Um partido no Poder que usa o mesmo nome do de Samora para defender políticas opostas às de Samora. Onde Samora aconselhava que se matasse o crocodilo ainda pequeno, agora defende-se que não nos devemos envergonhar de ser ricos. E, mais do que isso, deixa-se no esquecimento a forma como muitos deles se tornaram ricos.
E é de tudo isto que eu não gosto. Daí deriva aquilo a que ele chama o meu “divórcio” com a Frelimo. Pelo menos com esta Frelimo que hoje nos governa.
Se sou o padrão da honestidade samoriana? Não, não sou. Não sou padrão de coisa nenhuma. Mas é uma memória que muito respeito.
Dito isto, para esclarecimento do Tadeu Phiri, continuo a lamentar que a polémica se desenrole com ele a saber bem quem eu sou e com acesso a arquivos e à “memória do pai”, enquanto eu não faço ideia de quem ele é.
Ou mesmo se existe, de facto, alguém com esse nome…

Fonte: Savana  (05-02.2010)

3 comentários:

  1. Machado da Graça, esclarecendo o seu passado frelimista, afirmou que houve erros e crimes.
    Fico esperando que os que atacaram verbalmente Machado da Graça tenham agora a coragem de também afirmarem que o monopartidarismo foi um erro e que a Frelimo cometeu erros e crimes.

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  2. A Independencia de Moçambique foi em 1975, eu era muito jovem e de política não entendia nada e nem sequer bases tinha. Para além da instrução escolar na altura, possuía já conhecimentos de religião moral e cívica.
    Não sabia do que isso era... de fazer politica dentro dos partidos políticos, o que nem Portugal "existia".
    Os caminhos polítcos a seguir, devem ser escolhidos mediante os ditames da nossa consciencia e nunca por alguém, sejam eles quem forem.
    Por isso não entrei nessa altura em nada que se chamava frelimo...apenas fui assistindo as "novas ideias" de governação.

    Bom...apesar fraco conhecimento em matéria de política, o meu íntimo dizia-me de que algo estava mal depois da independencia, mas não entendia como e o porquê.
    É que havia atitudes vistas a olho nu como exageros, horrores que nem o Portuges nos mostrou, se os mostrou? mostrou aos mais velhos e não as crianças ou adolescentes da minha época.
    Realmente não era com aquela ditadura que iriamos construir um Estado Moçambicano "livre"...(livre do colonialismo portuges)sim!
    Se não tenho direito de pensar, se não tenho o direito de expressar o meu pensamento, se não posso marcar as minhas posições como cidadão, então não sou uma pessoa livre...
    Pelos conhecimentos adquiridos em várias escolas da vida e da academia,...muito cedo entendi, de que de socialista, de marxista a frelimo não tinha nada!
    Ma sim métodos do Estalinistas.
    A Frelimo entrou na internacional socialista graças ao Antonio de Guterres...de verdadeiro socialismo não implementaram absolutamente NADA!
    Acho que, na questão de filosofia politica, a frelimo nunca teve um profil! falam de socialismo, quando defendem comunismo, agora já nem sei o que respresntam.
    Representam tudo e mais alguma coisa.

    Dizer apenas ao Machado da Graça o seguinte:

    As pessoas inteligentes falam sobre as ideias, as comuns sobre as coisas, e as mesquinas sobre as pessoas.
    Boa semana de trabalho.

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  3. Estou a seguir atentamente a este debate porque tem elementos importantes para análise dos processos políticos e das motivações ideológicas por detrás de algum grupo que decidiu ficar na plateia da política activa.

    José, não se trata de ataques nem a Machado da Graça nem a Tadeu Phiri, nem de uma sessão de perguntas e respostas.

    Linette, sinto que guarda algumas ideias menos boas do passado, do período pós independencia. Provavelmente deve ter sido um período em que a linete já estava na vida mais activa.
    A minha geração começou a ganhar alguma consciencia política no auge da Guerra de desistabilização protagonizada pela Renamo e provavelmente também tenha mágoas desse tempo.

    Tadeu e Machado estão a dar-nos duas vertentes da mesma moeda e cabe a nós buscar lições.

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