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quarta-feira, fevereiro 24, 2010

América Latina: “algo hicimos mal”

“Algo hicimos mal”, observou Oscar Arias, presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz (1987), em discurso na Cúpula das Américas. No início de seu pronunciamento, Arias procurou entender o porquê dos países caribenhos e latinoamericanos “só pedirem coisas ou reclamarem coisas” cada vez que se reúnem com o presidente dos EUA.

“Será que a consciência fica menos pesada quando se culpa alguém por nossos próprios fracassos?” Seria esta a explicação de “nossa tendência de culpar os EUA por nossos males passados, presentes e futuros?”.

Em seguida, Arias apresentou instigantes reflexões:

- a América Latina teve universidades antes das duas primeiras universidades dos EUA - Harvard e William & Mary;

- até 1750, as Américas e o mundo inteiro eram iguais na pobreza. Mas com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, vários países se industrializaram − Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia; “enquanto isso, a Revolução Industrial passou como um cometa na América
Latina. Nem nos demos conta”. E, “certamente, perdemos a oportunidade”.

- há também uma diferença comparativa muito grande entre a história da América Latina e a história dos Estados Unidos – “não tivemos um John Winthrop espanhol, nem português, que viesse com a Bíblia na mão, disposto a construir uma cidade que “brilhasse sobre uma colina”, tal como desejavam os peregrinos que chegaram aos Estados Unidos com a intenção de permanecer e lá construir sua nova pátria.

- há 50 anos, o México era mais rico que Portugal; em 1950, um país como o Brasil tinha uma renda per capita mais elevada que a da Coreia do Sul; há 60 anos, a riqueza per capita de Honduras superava a de Cingapura,2 mas depois este país cresceu tanto que, em apenas cerca de 35 anos, deixou Honduras
muito para trás.

Daí, o comentário de Arias: nós, os latino-americanos, fizemos tantas coisas erradas que seria difícil enumerá-las. Entretanto, salientou o que considerou os principais erros, a começar pela educação básica:

- a baixa escolaridade da América Latina, em média de sete anos, difere da maioria dos países asiáticos e dos países com a melhor educação do mundo como os Estados Unidos, Canadá e Europa. De cada 10 estudantes que ingressam no nível secundário de alguns países da América Latina, só um conclui
essa etapa escolar.

- ainda persiste a mortalidade infantil de 50 crianças por mil, quando a média nos países asiáticos mais
avançados é de 8, 9 ou 10.

- a carga tributária de 12% do PIB “não é responsabilidade de ninguém, exceto nossa, que não cobramos dinheiro das pessoas mais ricas dos nossos países”. “Ninguém tem a culpa disso, a não ser
nós mesmos”.

- em 1950, cada cidadão norte-americano era quatro vezes mais rico que um cidadão latino-americano;
mas, atualmente, os primeiros são 10, 15 ou 20 vezes mais ricos que os segundos. Isso também é culpa nossa e não dos Estados Unidos.

- o equivocado sistema de valores do século 20 continua sendo praticado no século 21: em um planeta
no qual quase 3 bilhões de seres humanos sobrevivem com uma renda média diária abaixo da linha
de pobreza, os países gastam fortunas com armas e soldados.

Daí, a pergunta de Arias: quem é o nosso inimigo? Suas respostas pode ser assim resumidas:

Nosso inimigo (...) é a falta de educação; é o analfabetismo; é não gastarmos em saúde, saneamento, não criarmos a infraestrutura necessária (estradas, portos, aeroportos); não dedicarmos recursos para deter a degradação do meio ambiente... Realmente, temos de nos envergonhar da desigualdade, de não estarmos educando [adequadamente] nossos filhos e nossas filhas; e, com certeza, temos de nos envergonhar de muitas outras coisas...

Lamenta Arias que nas universidades latino-americanas parece que “o mundo parou nas décadas de
1969, 70 ou 80”. Parece, ainda, “que nos esquecemos da grande mudança que trouxe a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989”.

Daí, sua recomendação: “Precisamos aceitar que estamos em um mundo diferente” e que, segundo consenso geral de acadêmicos, pensadores, economistas e historiadores, o século 21 será dos asiáticos e não dos latino-americanos.

Enquanto nós, os latino-americanos, continuamos discutindo ideologias e todos os “ismos” em busca
do “melhor” capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo, neoliberalismo, social-cristianismo... − os asiáticos encontraram o pragmatismo, isto é, um “ismo” muito realista para o século 21 e o final do século 20.

É interessante o exemplo de Arias − quando Deng Xiaoping regressou a Pequim, após visitar Cingapura e Coreia do Sul, ficou convencido de que seus vizinhos estavam enriquecendo mais aceleradamente que a China. Disse, então, a seus velhos camaradas maoístas da “Grande Marcha”: “Bem, a verdade, queridos camaradas, é que a mim não importa se o gato é branco ou negro, só me interessa que cace ratos...”.

E comenta − se Mao estivesse vivo, teria morrido diante da conclusão de Deng Xioaoping: “a verdade
é que enriquecer é glorioso”.

A conclusão de Arias em seu discurso precisa ser refletida pelos latino-americanos: “nós continuamos discutindo ideologias que deveríamos ter enterrado há muito tempo atrás”, enquanto os chineses enriquecem desde 1979, crescem a 11%, 12% ou 13% ao ano, e já tiraram 300 milhões de habitantes da pobreza.

Se Deng Xiaoping conseguiu mudar a China quando tinha 74 anos, os atuais presidentes da América Latina (todos ainda distantes dessa idade) são desafiados por Arias a “não esperarem mais” para fazer as urgentes mudanças de que a América Latina tanto necessita.

Por: Diva Benevides Pinho (Professora Emérita da FEA-USP, economista e advogada. E-mail: dbpinho@uol.com.br ).
Fonte: FIPE

HSM Online
18/01/2010

Fonte: HSM online (24.02.2010)

2 comentários:

  1. Se iserirmos esse debate para o continente africano, ai vamos cair de costas.
    Em Africa a ambicao dos lideres e de construir uma riqueza para si e seus coleguinhas de turma.
    Infelizmente

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  2. Da turma não é correcto!
    Da "turminha" SIM!

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