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domingo, dezembro 20, 2009

Não será uma metáfora crítica ao Poder actual?


O que falta em volta de Samora Machel é um debate contraditório, dialéctico, que se faça alimentar de hipóteses contraditórias entre si; que ousem pesar minuciosamente a sua acção política, avançar razões e objecções sobre a sua eventual grandeza política, a fim de se poder abstrair uma visão objectiva da sua verdadeira estrutura política.
E recorrendo unicamente à sua percepção do debate social e das suas percepções de Machel, Severino Ngoenha, no seu livro “Machel ícone da primeira República?”, faz propostas filosóficas de quem não pode pactuar com o silêncio e ainda menos aceitar que se confine a figura problemática de Machel ao extremo da canonização ou satanização ideológica.
Severino Ngoenha quando invoca Machel, é de Machel, da sua época, do seu Governo, do sistema de Governo, do sistema político, então vigente que se debruça, ou ele é um simples pretexto para criticar indirectamente o sistema, o regime político e os governantes actuais?
No prefácio, Elisa Santos interrogou-se pelo título escolhido, mas admitiu que “Machel fez-lhe crer que o sonho de construir um país que nos pertencia e que seria resultado do somatório do que todos fizéssemos”.
Segundo Maria Elisa, a figura de Samora estava tão ligada à nossa vida que muitos de nós pensávamos que não era possível substituí-lo. Para Elisa, a morte de Samora obrigou-nos a reflectir no que já não tínhamos, no que durante o seu tempo de vida e de presidência não tínhamos podido ter.
O livro de Severino Ngoenha faz-nos rever, reflectir, construir um pensamento crítico, perceber as dificuldades e sistematizar o que foi aquele tempo. O autor do livro mostra-nos que afinal Samora Machel apesar de ícone, era um ser humano. Como tal fez coisas boas e menos boas. Mas essencial-mente ele amou o seu povo.
“Ele não desapareceu nas nossas vidas e continua a ser referência para muitos de nós. Os agradecimentos feitos no livro foram para os chapeiros, repistas e actores de teatro pelo facto de fazerem recordar que as academias nasceram do sentido comum e têm responsabilidade de restituir conceptualmente as preocupações populares”.

Vozes discordantes

No Moçambique democrático de hoje, o que nos obriga a incomodar Samora Machel para manifestar o nosso desacordo da actual governação? Será a nossa democracia não suficientemente democrática para ouvir vozes discordantes?
Seremos cobardes ou não suficientemente corajosos para ousar frontalmente dizer a nossa parte da verdade? Ou então trata-se de uma figura de estilo, de retórica política?
Há mais de 20 anos, enterrámos Samora Machel. Mas quem é que morreu, quem enterrámos no dia 28 de Outubro de 1986, o homem Machel, o presidente ou o símbolo? Mas o que Machel simbolizava? O que Machel continua a simbolizar? O que os chefes dos chapas, os cantores de rap, procuram em Samora Machel?

Morte de Samora

Disputas e posições nunca claras, manifestos, sempre veladas de coisas não ditas, impediram, até agora, que o grande público tivesse ideia clara, o que acaba muitas vezes por transformar a figura de Machel num mito positivo ou negativo.
O cume desta dialéctica foi a sua morte, ainda hoje rodeada de mistério entre os assassinos e cúmplices reais, possíveis e imaginários, que vão dos racistas do apartheid, até aos russos traídos, passando pela cumplicidade interna.
Mas o mais interessante é que Machel foi enterrado como Faraó, isto é, com todos os seus haveres: ideologia política, concepção de valores que vão da ideia da justiça, do patriotismo, do papel do Estado e do partido.
Severino Ngoenha no seu livro escreveu coisas difíceis numa linguagem acessível e compreensível.

Fonte: Savana (18.12.2009)

Reflectindo: pessoalmente reconheço-me na afirmação da Maria Elisa. Recordo-me da confusão na Escola Primária de Mathapué em relação aos soviéticos da base aérea a qual obrigou para uma reunião dos professores da cidade de Nacala-Porto. Daniel Cueteia, o então primeiro-secretário da Frelimo em Nacala-Porto, surpreendeu-me com a sua abertura em resposta à minha própria intervenção naquela reunião.

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