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segunda-feira, novembro 16, 2009

Governo de minoria

A talhe de foice

Por Machado da Graça

O sistema democrático baseia-se na ideia de um país ser governado por aqueles que representam a maioria do povo desse país.
É isso que lhes dá legitimidade para tomar decisões que vão afectar a totalidade do país.
Ora nós, depois de mais um processo eleitoral, voltámos a estar com a incómoda situação de que vamos ser governados por quem tem o apoio de uma pequena maioria dos eleitores moçambicanos.
De acordo com as contas que tenho visto feitas, Armando Guebuza vai ser eleito com o apoio de pouquíssimo mais do que 1 em cada quatro eleitores recenseados (27%, segundo Borges Nhamirre). Isto é, em média, quase 3 desses eleitores não votaram nele.
E, no entanto, vai ser ele a formar Governo.
Que significados tirar daqui?
Por um lado, Guebuza vai formar Governo legitimamente. Se ele tem este pouco apoio do eleitorado, os seus competidores têm muitíssimo menos. Daí que, de acordo com a lei moçambicana, não restam dúvidas de que deverá ser ele a governar. Outros países há, no entanto, em que esta magra maioria não seria suficiente e as eleições teriam que ser repetidas. Não é o nosso caso.
Por outro lado, mais uma vez o eleitorado está a mostrar um enorme cartão amarelo ao nosso sistema político.
Quando dizemos que mais de metade dos eleitores inscritos não foi votar, estamos a falar de pessoas que passaram por todo o processo (incómodo) de passar a ter um cartão de eleitor, para poder votar, e depois, no dia indicado, não se fizeram presentes nos postos de votação.
Costuma-se dizer que votar é um direito e um dever. Não é a minha perspectiva. Para mim, não ir votar é também uma tomada de posição, na maior parte das vezes. Alguém que se recenseou e, depois, não foi votar está a declarar a sua falta de confiança no sistema eleitoral.
E foi o que a maioria fez, ao que parece.
Outra maneira de dizer o mesmo, é ir votar e colocar nas urnas votos em branco ou votos intencionalmente inutilizados. E, ao que parece, o número destes votos foi, desta vez, muito maior do que nas eleições anteriores.
Uma análise, ainda que preliminar, destes números, pode querer dizer que, depois das trapalhadas de muitíssimo duvidosa legalidade, da CNE e do Conselho Constitucional, um enorme número de eleitores recenseados não se sentiu suficientemente livre para ir depositar o seu voto nas urnas. Não quis dar, através da sua presença, legitimidade a um acto que estava ferido de trafulhice desde o início.
Dirão uns que o que conta são os votos validamente expressos. E é verdade.
Dirão outros que é escandaloso haver uma percentagem tão pequena de votos validamente expressos. E também é verdade.
Mas procuremos perceber melhor o que se passou e procurar caminhos para inverter a situação.
Vamos pensar, por exemplo, que a maioria das pessoas que não foi votar tomou essa decisão em protesto contra as decisões da CNE e do CC.
Pois procedeu de forma errada.
A forma correcta de ter manifestado o seu protesto era ter ido às urnas e ter reforçado a posição daqueles que estão contra quem fez essas trapalhices. Mesmo que não fosse o partido do seu coração (em muitos casos impedido de concorrer) isso iria enfraquecer o adversário. Chama-se a isso o voto útil. Isto é, não voto em quem gostaria mas em quem pode ajudar a melhorar as posições que eu defendo.
Mas parece que ainda não aprendemos estas subtilezas.
Só para dar um exemplo:
Se eu estivesse na direcção do MDM, teria apelado aos meus militantes e simpatizantes, nos círculos eleitorais onde o partido foi impedido de concorrer,a irem votar na Renamo. Por muitas voltas ao estômago que essa decisão provocasse.
Porquê? Porque quanto mais a Frelimo e a Renamo estivessem equilibrados na Assembleia da República mais os votos dos deputados do MDM seriam valorizados como forma de desempatar as decisões.
Mas tudo isto é uma aprendizagem que, por vezes, leva muitos anos a dar frutos.
Quem sofre, entretanto, somos todos nós, mas já é bom se virmos abrir novas janelas de esperança.
E o surgimento do MDM é, não tenho dúvidas, uma delas.

Fonte: SAVANA – 13.11.2009

2 comentários:

  1. Uma perspectiva interessante.
    Gostei.

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  2. A ideia do Machado da Graça tem a sua lógica é um pensamento extremamente avançado para os políticos Moçambicanos.
    Ainda nao atingimos essa maturidade!
    O nosso processo democrático é ainda muito precário!
    É possível e aplicável em democracias consolidadas onde os objectivos da oposiçao sao práticamente comuns.
    Era preciso muita coragem para assim se agir!
    Ainda nao estao criadas essas condiçoes.
    A oposiçao é que foi o maior perdedor, toda ela dividida e parte aliada ao Poder!
    O velho ditado bem o diz:
    A uniao faz a força!
    Quando é que em Africa vamos pensar assim? e quando é que em Africa teremos a coragem de aplicarmos essa teoria?

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