Leia a parte 1 aqui!
As negociações...
- As duas delegações encontraram-se e nós fizemos um primeiro documento, um documento-chave para a paz, que começava com uma frase do papa João XXIII: buscar aquilo que nos une e colocar de lado aquilo que nos divide. Em segundo lugar, as duas partes reconheciam-se como filhos da nação moçambicana, da mesma família. Em terceiro lugar, ambos concordavam em prosseguir com este método de encontros para encontrar uma solução para o problema da guerra em Moçambique. E o encontro decorreu tão bem que, no final, apesar de ser uma reunião secreta, as duas partes decidiram tornar público o comunicado. E quiseram que se soubesse que voltariam a encontrar-se. Foi uma bomba!
Eles ainda estavam em Roma quando foi divulgado o comunicado?
- Sim. Mas nós impedimos que eles falassem com os jornalistas, porque o encontro era secreto. Sabem que nem sequer temos fotos desse encontro?! Tínhamos receio de estragar tudo e, portanto, nem sequer tirámos uma foto que fosse nesse dia 10 de Julho de 1990.
Também assinou o documento?
- Sim. Assinei como testemunha, que era o estatuto da Comunidade de Santo Egídio.
E...
- Surgiu o problema de quem seriam os mediadores do processo de paz. E eu convidei-os a regressarem dali a um mês para resolvermos esse problema. Eles voltaram a Roma. O Governo não queria mediadores, queria falar directamente com a Renamo, sem qualquer espécie de testemunhas. A Renamo não aceitou, exigindo mediadores. Começaram as divisões: o Governo queria o Zimbawe como moderador, a Renamo queria o Quénia.
E nenhum queria o mediador do outro. Então, eles disseram: Já que estamos aqui, estes que nos ajudaram a encontrar-nos é que vão ser os mediadores. E ficaram como mediadores um representante do Governo italiano, o bispo da Beira, o fundador da Comunidade de Santo Egídio (Andrea Ricardi) e eu próprio. Nós confiamos em vocês. Vocês são os mediadores, disseram. E assim começámos a fazer a mediação.
E assim um padre, o D. Matteo, de um momento para o outro tornou-se num diplomata.
- Sim. De certa maneira, sim. Mas nunca me senti, nem nunca serei diplomata. Penso que um dos segredos é que eles confiaram em nós, porque viram que não tínhamos qualquer interesse em Moçambique e, por outro lado, porque éramos verdadeiramente neutrais, não defendíamos nem uns nem outros. Era uma autoridade moral, que os dois respeitavam. E que permitiu que eles falassem verdadeiramente entre eles.
As negociações...
- As negociações duraram dois anos. Começámos em Julho de 1990 e terminámos em Outubro de 1992.
A parte final foi difícil?
- Em Agosto de 1992, Dhlakama e Chissano encontraram-se em Roma. Foi o segundo encontro entre os dois líderes. E decidiram que a paz seria assinada antes de 1 de Outubro desse ano. Eles foram-se embora e ficaram as duas delegações a negociar. Havia duas ou três questões de fundo que ainda não estavam resolvidas e que precisavam de ser analisadas por Chissano e Dhlakama. Este só chegou a Roma no dia 1 de Outubro e trabalhámos dois dias sem dormir. O acordo ficou concluído na tarde do dia 3 e decidimos assiná-lo no dia seguinte, 4 de Outubro, um domingo, dia de S. Francisco.
Qual foi o último problema a encontrar solução?
- Foi talvez o da administração. A Renamo ocupava algumas zonas, nas quais tinha uma certa administração paralela. O Governo dizia: Chega! Agora vamos enviar o nosso administrador, a nossa administração. Fazemos a paz, então essas zonas são território moçambicano e nós somos o Governo. A Renamo argumentava: Não.
Vocês vão mandar em zonas que são nossas? Nós temos de ter a nossa administração. E cada um tinha as suas razões. O Governo dizia não poder aceitar a divisão do país. A Renamo não queria ver militares do Governo nessas áreas e se isso acontecesse continuaria a lutar.
E...
- Chegou-se a um compromisso de que o Governo aceitava a administração da Renamo como administração do Estado.
Seguiu-se a aplicação do acordo.
- De início não quisemos que a Comunidade fosse envolvida na aplicação do acordo. Quisemos guardar uma certa distância, quisemos constituirmo-nos como uma certa reserva, para o caso de haver problemas na aplicação do acordo. Por isso é que envolvemos a ONU; quem aplicou o acordo foram as Nações Unidas. Nós ficámos de fora, embora continuássemos a resolver algumas questões, uma vez que éramos os mediadores. Fazíamos propostas informais.
Acabou tudo em bem...
- Em 1994 foram feitas as primeiras eleições livres.
O acordo de paz em Moçambique é o grande triunfo da Comunidade de Santo Egídio nesta área?
- De certo modo, sim. Porque foi um papel formal e porque o acordo de paz resultou. Por outro lado, para muita gente foi um primeiro conhecimento da Comunidade. No entanto, a esta acção seguiram-se outras, como o caso da Guatemala, em que promovemos encontros entre a guerrilha e o Governo.
Chegaram a ser convidados para as negociações em Timor?
- Não. E nem teríamos de ser, porque havia lá quem trabalhava bem a favor da paz. Não há que criar problemas onde eles não existem. Em Timor, a ONU já estava a fazer a mediação. Eu conhecia bem o actual primeiro-ministro, Mário Alkatiri, estive com ele variadíssimas vezes. Mas o processo estava a decorrer, não havia que intervir. Aliás, penso que o protagonismo é, muitas vezes, inimigo da paz. Seja o protagonismo de uma pessoa ou de uma organização.
A Comunidade de Santo Egídio assume-se como uma estrutura informal da igreja católica para as questões da paz?
- Somos da igreja e estamos em Roma. Mas que sejamos uma espécie de diplomacia paralela do Vaticano, isso não. Somos uma realidade de igreja, mas que diz respeito apenas a nós.
Como é que o Vaticano olha para a Comunidade?
- Vê-nos bem, somos reconhecidos. Apoia-nos em muitas coisas. Isso sucedeu, por exemplo, quando promovemos um encontro entre facções argelinas, em Roma. Foi muito difícil, havia muitos partidos envolvidos, no sentido de encontrar o caminho para a democracia. No entanto, o Governo argelino recusou qualquer tipo de diálogo.
Muita gente olhou para esse encontro com muita esperança, tanto mais que a Comunidade de Santo Egídio estava envolvida...
- O grande problema foi a presença da FIS. Mas a verdade é que a FIS é que é o problema. Eles estavam dispostos a dizer aos seus homens Chega! Basta de violência! se tivesse havido uma abertura ao diálogo por parte do Governo. E não houve.
É fácil elaborar um acordo de paz? Basta apenas colocar as pessoas a falar umas com as outras? Há truques?
- É verdade que há muitos truques, há uma dinâmica complicada, complicadíssima. Mas sem as pessoas falarem umas com as outras é difícil chegar a qualquer entendimento e acabar com a guerra. Falar apenas, não chega. Mas falando procura-se uma solução; é o início da solução. Depois, há uma dinâmica que se estabelece.
E, a certa altura, começa a existir uma cumplicidade entre os negociadores. Vimos isso no caso de Moçambique, no caso do Moçambique. A certa altura, eu começo a entender os teus problemas e tu começas a entender os meus. E depois tens de explicar aos teus seguidores que não és um traidor, e eu tenho de explicar aos meus que não sou tonto. E aqui há uma cumplicidade, mesmo entre as delegações.
D. Matteo fala destas questões, deste trabalho, com muito entusiasmo...
- Eu acredito que a guerra é a mãe de todas as pobrezas. Olha para Angola, um país riquíssimo, que vende petróleo a todo o mundo, e que vive na pobreza! Pense-se no sofrimento que causa.
Quando entra na sua igreja, de manhã, vai à espera de encontrar um novo desafio deste tipo ou vai preparado para um dia normal?
- O segredo é não nos colocarmos limites. Ninguém pensava, na Comunidade, ver-se envolvido um dia numa situação como a de Moçambique, ser mediador de paz ou ver como se constitui um exército único. Mas se somos chamados a colaborar, se alguém precisa de nós, não podemos fechar as portas. Por isso, dizemos que não há limites que não seja lutar contra o mal e fazer a caridade.
Assumem-se como herdeiros do apelo à paz feito pelo Papa em Assis?
- Assumimos. Depois de 1986, todos os anos temos promovido encontros. E o que vemos? Tem havido uma participação crescente, uma participação extraordinária. Têm sempre participado chefes de religiões, patriarcas.
Um dos mais significativos foi o de 1989, em Varsóvia. Belíssimo! Assinalámos os 50 anos do início da II Grande Guerra e foi impressionante porque, pela primeira vez, muitos muçulmanos foram ver os campos de concentração nazis.
Muçulmanos?...
- Muitos muçulmanos, na verdade, não acreditam nos campos de concentração. Eles pensam que foi o sionismo que inventou todo o cenário dos campos de concentração para justificar a existência do Estado de Israel. Foi a primeira vez que muitos deles foram a Auschwitz. E os muçulmanos levaram uma coroa de flores, tal como fizeram todas as outras religiões.
Como prevê o futuro da Comunidade de Santo Egídio? Cresceu enquanto foi novidade e entrará agora em crise?
- Não. Nós temos de continuar o nosso trabalho com paciência, porque ainda se continua a matar em nome da religião. Este espírito de Assis é uma resposta a esses problemas.
Vive em Itália, um país rodeado de conflitos. Veja-se o caso dos Balcãs e, do outro lado do Mediterrâneo, a Argélia... Como se sente, ao olhar tão de perto essas realidades?
- Há duas maneiras viver. Uma, a mais comum, é pensar que o fogo do meu vizinho não me diz respeito e que ninguém me vai tirar o meu bem-estar. A outra é tentar construir pontes, apoiar a educação, ajudar a criar laços entre os povos. Este último é o nosso caminho. No caso dos Balcãs, a Comunidade envolveu-se durante dois anos e chegou a ter um acordo assinado por Milosevic e Rugova, sobre o funcionamento das escolas no Kosovo.
Isto ainda antes do conflito ter mesmo acontecido. Os sérvios aceitaram ceder algumas escolas, aceitaram que o albanês fosse ensinado nessas escolas, aceitaram algumas coisas. O acordo não foi assinado em conjunto; Milosevic assinou primeiro, Rugova assinou depois. Mas depois os albaneses optaram pela via militar, através do UÇK, e o acordo ficou sem efeito. Rugova era um pacifista, nunca aceitou a violência como método. Era até chamado de Ghandi dos Balcãs. Quando chegou a UÇK, os sérvios disseram: Ai querem a violência?... Então vamos para a violência!.
Para estar tão bem informado, D. Matteo é um padre que lê muitos jornais...
- Eu penso que um padre deve ler o jornal todos os dias. Ou melhor: todos os cristãos devem ler um jornal todos os dias. Caso contrário, vivem nas nuvens. É necessário ler a bíblia e o jornal, todos os dias.
* © 2009 PPFMC Messaggero di S.Antonio Editrice
SAVANA – 14.08.2009
Publicado também no Mocambique para todos.
As negociações...
- As duas delegações encontraram-se e nós fizemos um primeiro documento, um documento-chave para a paz, que começava com uma frase do papa João XXIII: buscar aquilo que nos une e colocar de lado aquilo que nos divide. Em segundo lugar, as duas partes reconheciam-se como filhos da nação moçambicana, da mesma família. Em terceiro lugar, ambos concordavam em prosseguir com este método de encontros para encontrar uma solução para o problema da guerra em Moçambique. E o encontro decorreu tão bem que, no final, apesar de ser uma reunião secreta, as duas partes decidiram tornar público o comunicado. E quiseram que se soubesse que voltariam a encontrar-se. Foi uma bomba!
Eles ainda estavam em Roma quando foi divulgado o comunicado?
- Sim. Mas nós impedimos que eles falassem com os jornalistas, porque o encontro era secreto. Sabem que nem sequer temos fotos desse encontro?! Tínhamos receio de estragar tudo e, portanto, nem sequer tirámos uma foto que fosse nesse dia 10 de Julho de 1990.
Também assinou o documento?
- Sim. Assinei como testemunha, que era o estatuto da Comunidade de Santo Egídio.
E...
- Surgiu o problema de quem seriam os mediadores do processo de paz. E eu convidei-os a regressarem dali a um mês para resolvermos esse problema. Eles voltaram a Roma. O Governo não queria mediadores, queria falar directamente com a Renamo, sem qualquer espécie de testemunhas. A Renamo não aceitou, exigindo mediadores. Começaram as divisões: o Governo queria o Zimbawe como moderador, a Renamo queria o Quénia.
E nenhum queria o mediador do outro. Então, eles disseram: Já que estamos aqui, estes que nos ajudaram a encontrar-nos é que vão ser os mediadores. E ficaram como mediadores um representante do Governo italiano, o bispo da Beira, o fundador da Comunidade de Santo Egídio (Andrea Ricardi) e eu próprio. Nós confiamos em vocês. Vocês são os mediadores, disseram. E assim começámos a fazer a mediação.
E assim um padre, o D. Matteo, de um momento para o outro tornou-se num diplomata.
- Sim. De certa maneira, sim. Mas nunca me senti, nem nunca serei diplomata. Penso que um dos segredos é que eles confiaram em nós, porque viram que não tínhamos qualquer interesse em Moçambique e, por outro lado, porque éramos verdadeiramente neutrais, não defendíamos nem uns nem outros. Era uma autoridade moral, que os dois respeitavam. E que permitiu que eles falassem verdadeiramente entre eles.
As negociações...
- As negociações duraram dois anos. Começámos em Julho de 1990 e terminámos em Outubro de 1992.
A parte final foi difícil?
- Em Agosto de 1992, Dhlakama e Chissano encontraram-se em Roma. Foi o segundo encontro entre os dois líderes. E decidiram que a paz seria assinada antes de 1 de Outubro desse ano. Eles foram-se embora e ficaram as duas delegações a negociar. Havia duas ou três questões de fundo que ainda não estavam resolvidas e que precisavam de ser analisadas por Chissano e Dhlakama. Este só chegou a Roma no dia 1 de Outubro e trabalhámos dois dias sem dormir. O acordo ficou concluído na tarde do dia 3 e decidimos assiná-lo no dia seguinte, 4 de Outubro, um domingo, dia de S. Francisco.
Qual foi o último problema a encontrar solução?
- Foi talvez o da administração. A Renamo ocupava algumas zonas, nas quais tinha uma certa administração paralela. O Governo dizia: Chega! Agora vamos enviar o nosso administrador, a nossa administração. Fazemos a paz, então essas zonas são território moçambicano e nós somos o Governo. A Renamo argumentava: Não.
Vocês vão mandar em zonas que são nossas? Nós temos de ter a nossa administração. E cada um tinha as suas razões. O Governo dizia não poder aceitar a divisão do país. A Renamo não queria ver militares do Governo nessas áreas e se isso acontecesse continuaria a lutar.
E...
- Chegou-se a um compromisso de que o Governo aceitava a administração da Renamo como administração do Estado.
Seguiu-se a aplicação do acordo.
- De início não quisemos que a Comunidade fosse envolvida na aplicação do acordo. Quisemos guardar uma certa distância, quisemos constituirmo-nos como uma certa reserva, para o caso de haver problemas na aplicação do acordo. Por isso é que envolvemos a ONU; quem aplicou o acordo foram as Nações Unidas. Nós ficámos de fora, embora continuássemos a resolver algumas questões, uma vez que éramos os mediadores. Fazíamos propostas informais.
Acabou tudo em bem...
- Em 1994 foram feitas as primeiras eleições livres.
O acordo de paz em Moçambique é o grande triunfo da Comunidade de Santo Egídio nesta área?
- De certo modo, sim. Porque foi um papel formal e porque o acordo de paz resultou. Por outro lado, para muita gente foi um primeiro conhecimento da Comunidade. No entanto, a esta acção seguiram-se outras, como o caso da Guatemala, em que promovemos encontros entre a guerrilha e o Governo.
Chegaram a ser convidados para as negociações em Timor?
- Não. E nem teríamos de ser, porque havia lá quem trabalhava bem a favor da paz. Não há que criar problemas onde eles não existem. Em Timor, a ONU já estava a fazer a mediação. Eu conhecia bem o actual primeiro-ministro, Mário Alkatiri, estive com ele variadíssimas vezes. Mas o processo estava a decorrer, não havia que intervir. Aliás, penso que o protagonismo é, muitas vezes, inimigo da paz. Seja o protagonismo de uma pessoa ou de uma organização.
A Comunidade de Santo Egídio assume-se como uma estrutura informal da igreja católica para as questões da paz?
- Somos da igreja e estamos em Roma. Mas que sejamos uma espécie de diplomacia paralela do Vaticano, isso não. Somos uma realidade de igreja, mas que diz respeito apenas a nós.
Como é que o Vaticano olha para a Comunidade?
- Vê-nos bem, somos reconhecidos. Apoia-nos em muitas coisas. Isso sucedeu, por exemplo, quando promovemos um encontro entre facções argelinas, em Roma. Foi muito difícil, havia muitos partidos envolvidos, no sentido de encontrar o caminho para a democracia. No entanto, o Governo argelino recusou qualquer tipo de diálogo.
Muita gente olhou para esse encontro com muita esperança, tanto mais que a Comunidade de Santo Egídio estava envolvida...
- O grande problema foi a presença da FIS. Mas a verdade é que a FIS é que é o problema. Eles estavam dispostos a dizer aos seus homens Chega! Basta de violência! se tivesse havido uma abertura ao diálogo por parte do Governo. E não houve.
É fácil elaborar um acordo de paz? Basta apenas colocar as pessoas a falar umas com as outras? Há truques?
- É verdade que há muitos truques, há uma dinâmica complicada, complicadíssima. Mas sem as pessoas falarem umas com as outras é difícil chegar a qualquer entendimento e acabar com a guerra. Falar apenas, não chega. Mas falando procura-se uma solução; é o início da solução. Depois, há uma dinâmica que se estabelece.
E, a certa altura, começa a existir uma cumplicidade entre os negociadores. Vimos isso no caso de Moçambique, no caso do Moçambique. A certa altura, eu começo a entender os teus problemas e tu começas a entender os meus. E depois tens de explicar aos teus seguidores que não és um traidor, e eu tenho de explicar aos meus que não sou tonto. E aqui há uma cumplicidade, mesmo entre as delegações.
D. Matteo fala destas questões, deste trabalho, com muito entusiasmo...
- Eu acredito que a guerra é a mãe de todas as pobrezas. Olha para Angola, um país riquíssimo, que vende petróleo a todo o mundo, e que vive na pobreza! Pense-se no sofrimento que causa.
Quando entra na sua igreja, de manhã, vai à espera de encontrar um novo desafio deste tipo ou vai preparado para um dia normal?
- O segredo é não nos colocarmos limites. Ninguém pensava, na Comunidade, ver-se envolvido um dia numa situação como a de Moçambique, ser mediador de paz ou ver como se constitui um exército único. Mas se somos chamados a colaborar, se alguém precisa de nós, não podemos fechar as portas. Por isso, dizemos que não há limites que não seja lutar contra o mal e fazer a caridade.
Assumem-se como herdeiros do apelo à paz feito pelo Papa em Assis?
- Assumimos. Depois de 1986, todos os anos temos promovido encontros. E o que vemos? Tem havido uma participação crescente, uma participação extraordinária. Têm sempre participado chefes de religiões, patriarcas.
Um dos mais significativos foi o de 1989, em Varsóvia. Belíssimo! Assinalámos os 50 anos do início da II Grande Guerra e foi impressionante porque, pela primeira vez, muitos muçulmanos foram ver os campos de concentração nazis.
Muçulmanos?...
- Muitos muçulmanos, na verdade, não acreditam nos campos de concentração. Eles pensam que foi o sionismo que inventou todo o cenário dos campos de concentração para justificar a existência do Estado de Israel. Foi a primeira vez que muitos deles foram a Auschwitz. E os muçulmanos levaram uma coroa de flores, tal como fizeram todas as outras religiões.
Como prevê o futuro da Comunidade de Santo Egídio? Cresceu enquanto foi novidade e entrará agora em crise?
- Não. Nós temos de continuar o nosso trabalho com paciência, porque ainda se continua a matar em nome da religião. Este espírito de Assis é uma resposta a esses problemas.
Vive em Itália, um país rodeado de conflitos. Veja-se o caso dos Balcãs e, do outro lado do Mediterrâneo, a Argélia... Como se sente, ao olhar tão de perto essas realidades?
- Há duas maneiras viver. Uma, a mais comum, é pensar que o fogo do meu vizinho não me diz respeito e que ninguém me vai tirar o meu bem-estar. A outra é tentar construir pontes, apoiar a educação, ajudar a criar laços entre os povos. Este último é o nosso caminho. No caso dos Balcãs, a Comunidade envolveu-se durante dois anos e chegou a ter um acordo assinado por Milosevic e Rugova, sobre o funcionamento das escolas no Kosovo.
Isto ainda antes do conflito ter mesmo acontecido. Os sérvios aceitaram ceder algumas escolas, aceitaram que o albanês fosse ensinado nessas escolas, aceitaram algumas coisas. O acordo não foi assinado em conjunto; Milosevic assinou primeiro, Rugova assinou depois. Mas depois os albaneses optaram pela via militar, através do UÇK, e o acordo ficou sem efeito. Rugova era um pacifista, nunca aceitou a violência como método. Era até chamado de Ghandi dos Balcãs. Quando chegou a UÇK, os sérvios disseram: Ai querem a violência?... Então vamos para a violência!.
Para estar tão bem informado, D. Matteo é um padre que lê muitos jornais...
- Eu penso que um padre deve ler o jornal todos os dias. Ou melhor: todos os cristãos devem ler um jornal todos os dias. Caso contrário, vivem nas nuvens. É necessário ler a bíblia e o jornal, todos os dias.
* © 2009 PPFMC Messaggero di S.Antonio Editrice
SAVANA – 14.08.2009
Publicado também no Mocambique para todos.
Muito interessantes as novas revelaçoes de D. Matteo.
ResponderEliminarNao apreciei a resposta do Chissano aos religiosos sobre a vontade deles, em contactarem a Renamo.
Neste contexto, recordo-me de uma frase do Samora Machel antes da sua morte, era eu uma jovem dos meus 23 anos:
"Nunca negociar com os bandos armados".
Chissano, quando assim respondeu,talvez tivesse esse pensamento, quem sabe?
Penso que, ainda há muito para se divulgar sobre o AGP.
Nao há dúvida que temos que honrar aos nossos religiosos, em especial a Dom Jaime e o papel do Santo Egído!
Parece que pelas alturas das celebraçoes do AGP, o Governo "esquece" dos religiosos, pouco fala deles!
Gostei muito da entrevista do D.Mateo Zuppi, fe-la de uma forma natural e da forma que lhe é caracteristica!
Linette Olofsson