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sábado, julho 25, 2009

"O parlamento moçambicano desceu a um ponto a que eu não estava à espera que alguma vez chegasse"

MARCO DO CORREIO

Por Machado da Graça

Olá Amélia

Como vai essa saúde, amiga? Do meu lado tudo bem.
Hoje queria falar-te do nosso Parlamento.
A recém-terminada sessão da Assembleia da República, última do presente mandato, terminou sem honra nem prestígio.
Ao votar, sob pressão de uma força policial, a aberrante decisão de impedir a Dra Isabel Rupia de fazer parte do Conselho Constitucional, o parlamento moçambicano desceu a um ponto a que eu não estava à espera que alguma vez chegasse.
Alguns órgãos de informação disseram que a presença policial foi devida ao facto de a RENAMO ter tomado de assalto o pódium da Assembleia.
Sabes que eu sou contra este tipo de actos violentos, mas, neste caso, eu pergunto: Quem é que tomou de assalto o pódium? Foi a RENAMO ou foi a FRELIMO ao votar, pela força de uma maioria numérica, uma decisão que creio inconstitucional?
O grande escritor alemão Bertolt Brecht disse, um dia, uma coisa de que por vezes não nos apercebemos.
Segundo ele, muitas vezes criticamos a violência de um rio tormentoso, mas não nos apercebemos de que esse rio está, por sua vez, oprimido pelas margens que o apertam.
Ora o que aconteceu agora na Assembleia da República parece obedecer a esta ideia de Brecht.
Falamos da violência da RENAMO ao “tomar de assalto” o pódium. Mas não nos apercebemos que essa violência deriva de outra violência muito maior: a violência de uma votação totalmente arbitrária e obscena da FRELIMO. Feita debaixo da protecção das armas de uma polícia comandada pelo Presidente dessa mesma FRELIMO.
E, para dizermos a verdade, tudo isto acaba por ser o resultado de todo um sistema político/constitucional doentio.
Se reparares bem, Amélia, toda a arquitectura do nosso sistema político se baseia num mesmo critério: o critério da proporcionalidade parlamentar.
De acordo com esse critério, todos os órgãos de soberania têm uma composição em que, obrigatoriamente, a maioria dos membros pertence ao partido que tem a maioria parlamentar.
Isto é, seja qual for o órgão em que um assunto é debatido e seja qual for o assunto, o partido com maioria parlamentar sabe que tem a vitória garantida.
Tenha ou não tenha razão.
Como, normalmente, o partido com maioria parlamentar é o mesmo que elegeu o Chefe do Estado e do Governo, isso significa que as decisões desse partido não podem ser contestadas com sucesso por ninguém. E, em caso de necessidade, podem ser impostas pelas forças de defesa e segurança, superiormente comandadas pelo Presidente desse partido.
Chamar a isto democracia é uma forma óbvia de escamotear a realidade.
Para haver democracia era necessário que houvesse, nos órgãos de soberania, pessoas que não obedecessem a este esquema. Que houvesse órgãos em que a oposição estivesse em maioria ou em que, pelo menos, se exigisse uma maioria qualificada de votos, obrigando a que os membros, provenientes de diferentes partidos, tivessem que negociar as decisões.
Assim é tudo demasiado fácil. É o “quero, posso e mando!”.
E, se não gostas das minhas decisões, aí vai a polícia para te meter na ordem.
Vais-me perguntar como é que se sai disto. E eu vou-te dizer que não sei.
Ou melhor, sei, mas não gosto.
Como não acredito numa auto-emenda por parte dos beneficiários deste sistema, creio que só um acto de violência poderia mudar este estado de coisas.
Simplesmente um tal acto me parece que seria péssimo neste momento.
A outra hipótese é ir tentando criar uma oposição credível e que possa vir a ganhar as eleições, substituindo a FRELIMO.
Só que isso não é fácil e, mesmo que seja conseguido, não nos garante que o novo poder não vai também aproveitar-se dos benefícios, legais e constitucionais, para também tentar perpetuar-se. Portanto não me peças soluções porque eu também as não tenho.
Procura do teu lado que eu vou continuando a procurar do meu.
Um beijo para ti do

Machado da Graça

CORREIO DA MANHÃ – 23.07.2009

Retirado do Mocambique para todos


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