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domingo, julho 26, 2009

Manuel de Araújo em entrevista exclusiva ao Canal de Moçambique: SISE e Frelimo usam imprensa para destruir oposição (3)

Continuacão da entrevista: leia a parte 1 aqui e 2 aqui.

Hoje quem fiscaliza o executivo não é a AR mas sim os doadores! Os doadores estão a matar a democracia em Moçambique.

O fim da 6ª legislatura da AR marca o fim de 30 anos do Parlamento, divididos ao meio entre Assembleia Popular, no regime monopartidário e Assembleia da República, no actual regime monopartidário. Para além da mudança do nome, sente que a passagem de monopartidarismo para o multipartidarismo, contribuiu em termos efectivos para a consolidação do papel da AR?

Penso que sim. No monopartidarismo tinhamos apenas um partido. E com partido único o papel da Assembleia Popular resume-se em carimbar o que o Executivo diz. Hoje temos dois partidos no parlamento. Já tivemos três bancadas na nossa AR e há possibilidades de na próxima legislatura entrarem na AR mais partidos. Isso é salutar para os partidos, como também para a própria sociedade! Haverá maior e melhor pluralidade.

Em termos de fiscalização, apesar de no fim do dia a bancada maioritaria apoiar sempre o executivo, no multipartidarismo os deputados da oposição têm a possibilidade de fiscalizarem o executivo. Claro que temos que olhar para a fiscalização do executivo em Mocambique com algum cuidado. Enquanto melhora a capacidade de fiscalização da oposição dentro do parlamento, há outros fenómenos que enfraquecem essa melhoria.

Infelizmente, o papel de fiscalização do nosso executivo foi sorateira e paulatinamente retirado da AR. Hoje quem fiscaliza o executivo não é a AR, mas sim os doadores! É ai onde tenho dito que os doadores estão a matar a democracia em Moçambique.

Fundamentando...

Quando os doadores notaram que a AR não exercia a sua função fiscalizadora, ao invés de apoiarem a AR capacitando-a, quer em termos de recursos humanos, quer em termos financeiros (como fizeram e continuam a fazê-lo em relação ao executivo), os doadores preferiram arrancar (trazer para si) esse papel da AR, substituindo-a! Veja que o Orçamento de estado antes de ir a AR e aprovado pelos doadores! Se já está aprovado, então para que é que vai para a AR? A resposta é simples, para inglês ver! Esta é uma democracia do 'faz de contas' para satisfazer quem no fim do dia paga as nossas contas, que é a comunidade internacional!

Ora em termos de sustentabilidade isso trás consequências muito graves. Em primeiro lugar, o executivo quando se sente encurralado pode recorrer sempre a desculpa de ingerência em assuntos internos. Em segundo lugar, o pessoal que trabalha nas chancelarias e agências de cooperação fica no País por um periodo curto, entre quatro a cinco anos no máximo, com raras excepções. Quando saem para outras missões, perde-se o know how e cria-se um vazio! Terceiro, a função fiscalizadora é por excelência uma função parlamentar e soberana. Infelizmente, o actual status quo beneficia ao executivo e aos doadores! Tenho feito um trabalho nas chancelarias, quer em Maputo, quer nas sedes diplomáticas e parlamentares na Europa e nos EUA no sentido de alertar a quem de direito desta realidade! Felizmente algumas portas começam a abrir-se. A reacção dos deputados alemães ao apoio orçamental é um dos resultados desta e de outras acções daquilo que chamo de 'diplomacia parlamentar', que em Moçambique não só é incipiente, como é triplamente combatida, tanto pela liderança da AR, como pelo executivo e os doadores. Felizmente as Nações Unidas acordaram e a Westminster Foundation (Britânica) se houver vontade politica da nossa parte, vai apoiar a nossa AR a partir do próximo ano.. O Banco Mundial e o Fundo Monetário internacional também mostraram interesse em trabalhar com a nossa AR. A bola esta do nosso lado. A nossa AR ao nível do Secretariado não tem capacidade autonoma ou não lhe é permitida buscar e implementar parcerias! E a famigerada falta de vontade política! E isto tem que mudar!

Em democracia é preciso vencer com legitimidade e com a cobertura da razão

Mesmo com o advento do multipartidarismo, a Frelimo continuou sempre com a maioria na AR, podendo, portanto, decidir sempre pelas propostas em debate, mesmo contra a vontade da oposição. Não acha que este aspecto perpetuou, de certo modo, o monopartidarismo?

Penso que não. Apesar de no fim de contas as decisões serem tomadas com a ditadura da maioria, o facto de haver espaço para debates, enfraquece o vencedor. Ou seja a vitória tem sabor à derrota! O povo ouve os argumentos e como a galinha faz, grão a grão vai enchendo o papo, contra a ditadura da maioria! Em democracia não basta vencer, é preciso vencer com legitimidade e com a cobertura da razão! Ou seja, vencer com a força da razão e não com a razão da força!

As sessões a porta fechada são uma aberração a democracia!

Concorda que a AR continuem a ter sessões plenárias à porta-fechada? Por exemplo, quando se apresenta relatório da Comissão de Petições.

As sessões a porta fechada são uma aberração a democracia! É uma vergonha que um partido como a Frelimo recorra ao uso da força para poder vincar o seu raciocínio, ao invés de recorrer a força da razao! É uma tragédia nacional! A decisão de manter sessões à porta fechada foi uma das decisões mais infelizes que a Frelimo tomou desde a proclamação da nossa Independência Nacional, pois representa a negação de uma das conquistas do povo! Representa a vitória do 'umbigo sobre o cérebro'; da ditadura sobre a democracia e a liberdade! É uma hipocrisia que deve ser revertida! E o povo ao exercer o seu direito de voto deve lembrar-se de quem mandou encerrar as portas da AR.

Se os deputados com todo o leque de imunidades e privilégios que têm não se sentem livres, então quem é que se sente livre no Pais?

A disciplina partidária que guia os deputados nos debates das matérias na AR, não acha que limita a consciência individual destes? Manuel de Araújo estaria a altura de votar a favor de uma matéria rejeitada pela bancada da qual faz parte, por exemplo?

Em qualquer sistema democrático existe a disciplina partidaria, contudo no nosso País ela é abusada a ponto de matar a liberdade dos deputados e por sinal a liberdade da sociedade no geral! Se os deputados com todo o leque de imunidades e privilégios que tem não se sentem livres, então quem é que se sente livre no Pais? A resposta é simples, NINGUEM! Respondendo a sua questão, sim seria e sou capaz de votar!
Há casos de deputados que para além de trabalharem na AR, são PCA’s de empresas públicas. É o caso da primeira vice-presidente da AR, Verónica Macamo, que é igualmente PCA do Fundo Nacional de Turismo. Como avalia esta situação num Estado que opta pela separação tripartida de poderes?

A questão das incompatibilidades deve ser revista! Não podemos continuar a ter deputados que são assessores de ministros! Temos um caso que não recorda o diabo. A Presidente da Comissão do Plano e Orçamento, é simultaneamente deputada, funcionária e assessora do Ministério das Finanças! Nunca ouvi tamanha aberração! Para começar em muitos países, a Comissão do Plano e Orçamento é dirigida pela oposição, pois a ela cabe a função de aprovar e fiscalizar o processo de produção e materialização de instrumentos importantes de governação como o Orçamento Geral do Estado, os Planos Quinquenais, e os Planos Económicos e Sociais. Se ela é presidida por alguém que também assessora o Ministério, então dá para ver em que democracia vivemos! Felizmente os donos da nossa democracia já estao a acordar! Há cerca de dois meses o embaixador Sueco apoiou esta ideia de a presidência da comissão do Orçamento passar a oposição! Oxalá mais embaixadores tenham a coragem do embaixador sueco que fez um belissimo trabalho na Tanzania, onde também era embaixador!
A Renamo tem que fazer uma escolha importante mudar ou desaparecer do mapa politico!

A Renamo, partido pelo qual Araújo foi eleito deputado da AR, acha que ainda poderá ganhar eleições e governar Moçambique?

Acho que sim. Mas para isso a Renamo deverá deixar o seu actual modus operandi e adoptar um posicionamento moderno e compatível com as leis vigentes no País. O partido Renamo não pode continuar a viver do seu passado, mas sim do presente, produzindo e engajando-se no debate de ideias, fiscalizando o executivo, representando o seu eleitorado, granjeando simpatias dentro e fora do País, trazendo modelos de governação alternativos, elogiando o adversário quando está certo e criticando-o quando está errado.

Infelizmente, algumas pessoas na Renamo, como na Frelimo vivem do passado e do engraxismo barato! É importante que essas pessoas sejam ou modernizadas, recicladas para a modernidade ou então atiradas ao caixote de lixo da história! A Renamo tem que fazer uma escolha importante, mudar ou desaparecer do mapa político! E as eleições de 2009 são uma oportunidade ímpar que a Renamo tem para fazer essa escolha dolorosa, mas inadiável! O povo moçambicano quer uma oposição séria, eficaz, transparente e moderna! Se a Renamo não ocupar o seu lugar histórico, outros partidos o farão brevemente!
O que estará a faltar para que isso se efective?

Há razões internas e outras externas. Umas estruturais e outras conjunturais. A Renamo nasceu num determinado momento histórico e a natureza dos inimigos que teve de enfrentar moldou de alguma forma a sua imagem e a sua estrutura. Como sabe a Renamo teve que lutar simultaneamente contra um partido no poder, um Estado dirigido por esse partido num contexto regional que não lhe era favorável. Veja que ao contrário da UNITA que recebia apoio directo e até aprovado pelo Congresso dos EUA, a Renamo não teve tais apoios. Pelo contrário, em plena Guerra Fria, Samora Machel, foi recebido por Margaret Thatcher e mais tarde por Ronald Reagan! E mais, a Grã-Bretanha, liderada por Margaret Thatcher aceitou treinar as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), o exército governamental em Nyanga no Zimbabwe, que na altura lutavam contra a Renamo! Ou seja um Comunista convicto, Samora Machel, era recebido no altar dos defensores da liberdade e da democracia! Essa, penso ter sido a maior vitória diplomática de Machel e a maior derrota diplomática da Renamo durante a luta! Como dizia, os exércitos do Zimbabwe, da Tanzania, do Malawi e outros participaram em operações militares contra a Renamo! Mas a Renamo resistiu, lutou contra tudo e todos e venceu! Mas essa vitória teve um preço e é esse preço que estamos a pagar, como democracia e como país!
Para sobreviver a este mar de dificuldades internas, regionais e globais a Renamo teve que se cristalizar! Essas intempéries tornaram a liderança da Renamo opaca, singularizada, disciplinada e extremamente militarizada! De outra forma a renamo teria desaparecido do mapa! Ora o pensamento militar, a doutrina militar ditam inter alia, que o subalterno mesmo quando convencido de que a ordem é errada, deve cumprí-la e querendo, pode reclamar depois. A democracia dita que o subalterno não deve cumprir uma ordem superior se ela for contra a Constituição ou contra as leis. Ora esses dois paradigmas são literalmente opostos. Quem viveu durante muito tempo num dos lados dificilmente será bom noutro! Penso que as mudanças são algumas vezes paulatinas e outras vezes violentas! Algumas vezes doces, outras vezes amargas!
A ser continuada

Nota: a entrevista foi conduzida pelo jornalista Borges Nhamirre do Semanário Canal de Mocambique

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