CONJECTURAS - Eleições e dilemas
TUDO aponta que, a todo o custo e sob todos os riscos políticos e de estabilidade democrática, o país vai realizar no limite máximo do que a Constituição da República permite, as primeiras eleições provinciais multipartidárias. Introduzido o “factor Ide islâmico”, susceptível de pôr em causa o dia 20 de Dezembro, marcado como sendo a data para o escrutínio e considerando a prevalecente dúvida sobre disponibilidade financeira parece, efectivamente, restar dois últimos cenários: o primeiro e mais provável é a realização de eleições em Janeiro, antes do dia 20, mesmo no limiar da imposição Constitucional, e o segundo, quase improvável, seria adiar as eleições.
Apesar das emotivas declarações políticas e determinativas do Governo sobre o imperativo da realização das eleições provinciais dentro dos prazos constitucionalmente estabelecidos, são visíveis as preocupações face aos graves constrangimentos prevalecentes, que por vezes não camuflam o sentimento do conflito entre a razão e a representação do agir político.
Os custos de todos os processos necessários para a realização das eleições para as assembleias provinciais, que incluem para além da componente votação, o recenseamento eleitoral que deverá decorrer de 20 de Agosto a 18 de Outubro, estão avaliados em 44 milhões de dólares, dos quais o Orçamento do Estado apenas garante 12 milhões. Os doadores, especificamente a União Europeia tradicional parceiro, embora não formalmente, já fizeram saber que não estão disponíveis para entrar financeiramente no processo.
Há, pelo menos duas razões objectivas na óptica dos doadores para estarem relutantes em financiar as eleições. Em primeiro lugar, o tempo apertado que separa a mobilização de fundos junto dos seus países com todas as implicações burocráticas inerentes, o que é de algum modo compreensível. Em segundo lugar, o alegado facto de mesmo com as melhorias introduzidas na Lei Eleitoral, não terem sido satisfeitas algumas das principais observações, entre elas a participação dos observadores em todas as fases do apuramento dos votos, como forma de garantir maior transparência. Infelizmente é assim mesmo. Se pode, condiciona. É uma parte o que custa a soberania e da democracia em situação de pobreza.
Mas, não creio que seja tudo. Há pelo menos um factor subjectivo a adicionar. Se em 99 os resultados das eleições parlamentares reforçaram a ideia de parte dos doadores de que era possível através das eleições provinciais balançar o poder político nacional, mesmo por via da bipolarização entre a Frelimo e Renamo, reduzindo deste modo e condicionando gradualmente a hegemonia da Frelimo, as últimas eleições gerais, desastrosas para a Renamo, e a sua actual e aparente inércia, eventualmente terão provocado uma revisão e alteração sobre esta estratégia. Presume-se que agora se pense na quase inutilidade deste processo, quanto a um resultado eficaz por via do tal esperado equilíbrio político induzido.
A par destes constrangimentos, existem preocupações pertinentes do domínio comum a saber: pouco tempo restará para realizar uma educação cívica adequada que mobilize, efectivamente, o potencial eleitor, primeiro para compreender algo tão estranho para si, como seja a utilidade de uma eleição provincial e, em segundo lugar, consequência da primeira, a importância de votar nesse processo. No conjunto, estas preocupações determinariam um elevado índice de abstenção, descredibilizando ainda mais um processo que se pretende democrático quanto maior for a participação do cidadão.
Há mais: existe também o pressentimento e receio comum de que dado o cenário de incerteza e de dificuldades materiais para organizar o processo eleitoral, que tem implicação nos factores organizacionais, afectando a qualidade das eleições, pode estar instalado um clima que propicie, justificadamente ou não, a criação de um ambiente de conflito e instabilidade política.
Posto isto, é pertinente questionar, por que realizar eleições nestas circunstâncias?
À partida quero excluir do argumento central, a retórica política sobre “a importância destas eleições reforçarem a democracia” , porque essa, reflecte mais o discurso politicamente correcto e menos o real problema, que são as implicações, ou seja, os custos políticos para o Presidente da República e seu Governo, ao não cumprirem com o comando constitucional. Aqui, me parece residir o cerne da questão, o dilema.
Ao tomar posse o Presidente da República que é o chefe do Governo jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição. Assim, realizar eleições provinciais, do ponto de vista constitucional é um imperativo que ele e seu Governo através do STAE estão impelidos a cumprir.
Não obstante, seria uma abordagem algo ingénua não incluir a presunção de que quer o Presidente, quer o Governo têm a visão e clareza de estarem perante um processo inconveniente, ardiloso, circunstancialmente inoportuno, e que num cenário diferente muito provavelmente estariam em melhores condições para tranquilamente adiarem o escrutínio.
Por outro lado, o principal partido da oposição, a Renamo, consciente desta situação, me parece ter estrategizado a situação. Insiste na necessidade do cumprimento do imperativo constitucional como se já reunisse as condições materiais e organizacionais para participar nas eleições em todas as províncias.
É uma posição confortável de pressão, pois o ónus da decisão a tomar face ao dilema que coloca por um lado, o facto de ter de violar a Constituição e por outro lado, realizar eleições provinciais mesmo sob o risco de imperfeição, recai em última análise, exclusivamente ao Governo, com tudo isso associado ao receio de figurar negativamente, de forma indelével, como tendo aberto um precedente histórico no que respeita ao incumprimento constitucional.
É o custo político das decisões que só podem ser tomados por políticos a pensar em política activa, pois num cenário em que outros factores pesam mais, o desejável seria esperar que houvesse uma plataforma nacional de consenso, mais consentânea com a realidade objectiva e com envolvimento de todas as forças políticas e sociais, que permitisse que as eleições fossem adiadas para permitir melhor organização, maior mobilização de financiamentos, recenseamento eleitoral eficaz e tranquilo, extensiva campanha de educação cívica, do que resultaria maior confiança e sustentabilidade dos processos democráticos.
Ganhávamos todos: a democracia, os partidos, os eleitores e todos os cidadãos.
Rogério Sitoe - sitoeroger@yahoo.com
Retirado do Jornal Notícias na sua edicão de 27-07-2007
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