Por João Craveirinha
A musicalidade de qualquer língua baNto de Moçambique é verdadeiramente fantástica. Eis um paradigma da nossa riqueza desprezada durante décadas e décadas. O problema não estará na dita etnia (do grego Etnos-Nação) mas na política totalmente anti-cultural de qualquer regime que desvalorize a sua própria origem. E foi o que aconteceu em Moçambique no pós-independência. Do sistema colonial manteve-se esse desprezo anti-natura.
Apesar do nosso S.M., gostar de cantar: “Não vamoos esqueceeer o tempoo que passooou”…Esqueceram-se totalmente e rapidamente.
A Frelimo perdeu a grande oportunidade histórica de fazer uma verdadeira e pacífica revolução cultural…o povo multicolor (arco-íris) de Moçambique estava receptivo às mudanças para uma afro-moçambicanização - moderna - mesmo usando a língua portuguesa como plataforma de união reforçada pela libertação das línguas nacionais…
(como dizia o grande homem de cultura– Eduardo Mondlane nas nossas conversas e com os quadros em 1967/68) da necessidade de termos de valorizar as nossas línguas moçambicanas para também desenvolvermos a capacidade de pensar em “africanês” e ia ao extremo de apoiar o êmákwa-padrão (Nampula cidade) como língua nacional em paralelo com o português (e inglês) sem esquecer as outras regionais…
Não se esqueçam que ele era Antropólogo e a Linguística ainda fazia parte da Antropologia naquele tempo.
Exempli gratia: (No principado de Andorra nos Pirinéus aonde vivi (1983/85) as crianças são tetra-lingues …a 1ª língua oficial obrigatória é o catalão e depois o espanhol + o francês e depois no ciclo + o inglês…
Na Suázilandia fiquei maravilhado ao ver crianças inglesas a estudar na primária o xisuáti e a falarem…
...nos acordos de Nkomati, em 1984 (salvo erro, cito de cor) , o ministro de negócios estrangeiro da RSA bóer Pik Botha corrigiu o changane de Samora Machel pois dominava melhor que o mesmo SM…este ficou profundamente admirado de um white/boer falar melhor a língua materna que ele próprio…é que mesmo com apartheid o ensino das línguas locais eram ensinadas em paralelo com o inglês e o afrikaans…chama-se a isso pragmatismo por cima do racismo... coisa que os portugueses em Moçambique não souberam fazer e a Frelimo continuou nessa cegueira político –cultural desta vez sem desculpas da “opressão colonialista”…houve oportunidade e deitou-se fora…
Hoje?? Uma tarefa que nem sei se será possível concretizar-se o sonho de Eduardo Mondlane…Em Moçambique a ambição pelo poder que o dinheiro dá materialmente cegou quase toda a gente. A cultura? Nem fazem ideia que é muito mais que o folclore do batuque e da churrasqueira e da cerveja e da intriga… o desenvolvimento geral da cultura é que nos ajuda a reflectir os problemas políticos e sociais…de uma Nação…PENSAR é CULTURA…e somente com o desnvolvimento desta o país poderá ter um futuro melhor ...pois cultura é que nos faz mudar as mentalidades para meçhor coisa que sem ela nada a fazer...é o retrocesso total. O estômago egoísta falará sempre mais alto pisando os outros.
Todavia, a Samora Machel, foi-lhe incutido o medo do golpe de estado a partir de seus colegas moçambicanos baNto vindos com ele do maquis (mato da guerilha). Daí ter-se isolado… culturalmente desnorteou-se…e foi vítima fácil dos oportunistas recém chegados ao poder que o rodearam…
Quando quis mudar o rumo das coisas...infelizmente já era tarde.
O medo do surgimento de um pseudo-tribalismo foi desculpa para não serem ensinadas as nossas línguas baNto em paralelo ao português e inglês. Não foram libertadas da repressão anterior colonial.
Nessa altura (1974/1975/76), com uma planificação adequada do embrionário MEC e do MINFO (imprensa/media)) poder-se-iam desenvolver a nível de cada região originária, com a obrigatoriedade desse ensino linguístico nas escolas primárias desde a aprendizagem da escrita, fala e leitura das tradições locais. Os portugueses poderiam ter ajudado com nova visão se houvesse vontade política e mais contenção da repressão do novo regime da Ponta Vermelha.
Mas os ódios estavam todos na rua com os grupos dinamizadores (ou será dinamitadores?). As condições para o surgimento de uma MNR /Renamo estavam lançadas apoiados pelos vizinhos "brancos" também eles aterrorizados pela independência dos "negros" de Moçambique. Foi como um tiro dado no pé. De tanto quererem controlar (os da Frelimo) descontrolaram Moçanmbique de alto a baixo, afugentando quadros preciosos.
Esses quadros, a única coisa que queriam era continuar suas vidas com segurança socioeconómica num país novo.
Os "maus da fita" tinham fugido via África do Sul em 1974. Os que resistiram e ficaram foram vitimizados de 1975/76 em diante. Os que conseguiram sobreviver tiveram também de procurar melhor vida fora da terra que os viu nascer ou por ela adoptados.
A partir de 1964 a 1974, no Moçambique colonial, mesmo entre os ditos jovens brancos, crescia o interesse geral pela cultura africana em Moçambique; nas artes, na dança, no teatro e nos espectáculos ao vivo, nas letras, incluindo pelas línguas maternas extensiva ao uso de expressões idiomáticas baNto nos jornais e revistas sobretudo nas capitais: LM, Beira, Nampula e mesmo Tete.
No Moçambique independente, e em relação ao ensino das línguas maternas estas deveriam serem ministradas independentemente de serem ou não da origem étnica dos alunos. Até um europeu ou asiático com filhos a estudarem em Moçambique numa escola moçambicana privada ou pública teriam de aprender as línguas locais onde se encontrassem.
A diacronia (evolução da língua na história) ajudaria na definição dos idiomas “matrix” de Moçambique.
Nota cito as regiões da terra sem mapa defornte de mim. Daí poder haver um lapso meu nas fronteiras actuais geo...
Exemplo: em Niassa – shiNyanja, Yaho e êmakwa (dependeria da região) …
Cabo Delgado: Quionga, Palma: Swahili; Plateau: ki Makonde;- Mocímboa, Ibo, Quirimbas: kiMuani (wa Ibo) – Montepuez, Pemba e Nampula (êmakwha)
…Zambézia: Lomwe; alto Molocué; Quelimane; Tchuabo, Milange – marendje: Luabo; podzo (variante de shinSena)…etc
…Beira; shinSena
e outras bolsas de Sofala e Manica –Chimoio- shiNdao…etc…
Tete: shiNyungwe; senga; nguni… etc
…Inhambane: shiNdao (Mambone); shitswa(Vilanculos, Massinga); cidade de Inhambane Cêu: guitonga: Zavala, shiLengue (vulgo chope)…etc
…Gaza: shi-tshangane e shilengue (vulgo chope – Mandlakazi, Chongoene, Quissico, Nyantumbo, Xai-Xai) …aliás era o nome do chefe muLengue (chope) iNtchai - iNtchai em 1895 nessa cidade de hoje.
Cidade de Maputo (nome errado) nunca existiu Maputo – foi inventado para rimar com o slogan do Rovuma ao Maputo…
caMpfumo é o nome histórico conhecido desde o século XV /XVI (1500) 1502/1544 Mapas na Sociedade de Geografia de Lisboa) pelo menos é conhecido por caMpfumo – terra dos reis e dos chefes…curioso que da Biblioteca do Congresso dos EUA em 1975 enviavam correspondência para a então cidade de Lourenço Marques desta forma:
“To ka Mpfumo (ex Lourenzo Marquez)” …mais ou menos assim…tive dois desses envelopes na mão em meados de 1976 ainda antes da infeliz mudança do nome para Maputo. (derivado do nome da bebida do Uputso - nome “rronga” dos Tembes (caTembe) numa região que ficaria conhecida por maPutso (Matutuíne) nas cerimónias tradicionais em Mandjóló (Bela Vista) que o grande compositor moçambicano da diáspora – Costa Neto - imortalizou na sua música recente...”Mandjóló…Ndya ka Mandjolo kembaku …hantlisa mupfana…uta ndy kuma ndlelene”…é o dialecto shin–din-din-din da matrix idomática do shi-ronga da caTembe…
E por isso pelo balanço a ver se consigo escrever em shi-ronga como tentei outras do centro – norte e sul de Moçambique…(eheheheehh tenho os meus truques…mas dá cá um trabalho de consulta e cruzamento de dados, memória e composição …mas vale sempre a pena …é um desafio em prol da cultura moçambicana tão maltratada)
Eis então, a ver se está conforme:
Namuhla na dyingisa ku tsala ni shironga sha khale ya kaMpfumo (hoje tento escrever em shi-ronga antigo de caMpfumo)…
A ku sungula kwanga i ku losa: ndyi li shawani ba makweru (ba nakulori) ya mousambike online... (para começar na saudação: digo olá aos irmãos (colegas) do moçambique online)...
Ndye he ni psa ku mi byela (tenho ainda a dizer-vos)-
Karingana wa Karingana (sem tradução):
Karingana (coro); shihitana sha shicuembo sha nambu…(conto dos espíritos do rio)…
A hina kambe eh: (Era uma vez:)
Yi NYOKA NI DYI BIMBI-NDYILO SHA KU PHATIMA
(a cobra e o pirilampo brilhante)
TYISO SHIKULU SHIÑWE
UMA GRANDE VERDADE!!
Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um pirilampo.
Ele fugia com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia.
Um dia, já sem forças, o pirilampo parou e disse à cobra:
- Posso fazer três perguntas?
- Podes. Não costumo abrir esse precedente, mas já que te vou comer,
podes perguntar.
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Fiz-te alguma coisa?
- Não.
- Então porque é que me queres comer?
- PORQUE NÃO SUPORTO VER-TE BRILHAR!!!
E é assim...
Diariamente, tropeçamos em cobras!
HI BYONE BUGAMU (eis o fim)
Mutsale: Zoao ñwa kaMpfumo (mecunha orripa)
(João Craveirinha)
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