Páginas

domingo, janeiro 14, 2007

Gestão danosa de fundos públicos em Sofala?

Secretário permanente compra imóvel por USD 325 mil

-“Era natural que comprasse a casa… porque vivia numa casa arrendada”, António Máquina, secretário permanente de Sofala
- Antes de adquirir esta residência, Máquina arrendava um imóvel com fundos públicos e pagava 47,7 mil Mtn/mês, muito acima do preço do mercado em Sofala

Por Francisco Carmona

A política de contenção de custos que o Governo de Armando Guebuza afirma estar a seguir, como uma das formas de poupar recursos com vista a aplicá-los em projectos de combate à pobreza absoluta parece estar longe de ser efectiva dois anos após a tomada de posse.

António Máquina, secretário pemanente da província de Sofala, adquiriu um imóvel para servir de sua própria residência oficial, a valores considerados exagerados para a realidade socioeconómica de Moçambique.
Uma das funções do secretário permanente provincial é a gestão equilibrada dos recursos materiais e financeiros da área da função pública e da administração local do Estado.
Contudo, a residência de Máquina, comprada ao longo de 2005, custou aos cofres do Estado cerca de USD180 mil (4,3 milhões Mtn) e foi reabilitada a USD104 mil (2,4 milhões Mtn), totalizando USD284 mil (6,7 milhões Mtn).
A casa localiza-se na Ponta-Gêa, um dos bairros nobres da cidade da Beira, centro de Moçambique.
O imóvel foi reabilitado por uma empresa denominada ECOB-Empresa Construtora da Beira, nos primeiros meses de 2006, por cerca de USD104 mil, valor que já foi pago na totalidade.

Compras de luxo
Segundo revela a auditoria efectuada pelo Tribunal Administrativo (TA) e que consta no parecer sobre a Conta Geral de Estado de 2005, foram igualmente adquiridos outros bens para o recheio da residência oficial do secretário permanente de Sofala.
A título ilustrativo foi encomendado à empresa Zináfrica um mobiliário modular para a cozinha por cerca de USD 9,3 mil (223 mil Mtn), tendo sido paga a primeira prestação de 60% a 18 de Janeiro de 2006, registado como execução do orçamento de 2005.
Para mobiliário de quarto, António Máquina encomendou material no valor total de 213 mil Mtn (USD9mil) à empresa DALMAN, tendo sido liquidado um adiantamento de 50% do valor pago a 23 de Janeiro de 2006, mas também registado como execução de orçamento de 2005.
Para além do mobiliário de quarto e de cozinha, Máquina adquiriu oito aparelhos de ar condicionado, cortinados, mobiliário de sala, geleira e fogão por um valor total de 605 mil Mtn (USD25,4 mil), fundo registado na execução da componente investimentos do orçamento de 2005 da província.
Feitas as contas finais, para a compra da residência do secretário permanente de Sofala, o Estado despendeu cerca de 7,859 mil Mtn, equivalente a USD325,485, ao câmbio médio de 23,8 Mtn praticado pelo Banco de Moçambique em Janeiro de 2006.
Polémica na Beira
Segundo fontes a ter em conta em Sofala, a compra da residência de António Máquina levantou muita celeuma entre membros do Governo de Alberto Vaquina.
“Há directores províncias que estão em casas arrendadas e não condignas há mais de cinco anos. Há directores que não têm meios de locomoção condignos. Como é que alguém recém-chegado, compra uma casa a USD180 mil, numa altura em que falamos de combate à pobreza absoluta?”, indagou-se uma fonte próxima do processo.
Ao que o SAVANA apurou, o preço inicial da residência era de um milhão de Mtn (USD42 mil), mas estranhamente o valor disparou para USD180 mil, o equivalente a 4,3 milhões de Mtn.
Peritos na compra e venda de casas de Beira consideram que o valor gasto na compra daquela residência é “demasiado exagerado”. Vão mais longe, suspeitando que no meio do negócio tenham sido envolvidas comissões.
Todavia, numa curta declaração ao SAVANA na noite desta quarta-feira, António Máquina negou que a casa tenha inicialmente custado um milhão de Mtn.
“A proposta inicial era de USD200mil, depois baixou para 180. Mas era natural que se comprasse a casa, tendo em conta que eu vivia numa casa arrendada”, frisou Máquina.
Solicitado a pronunciar-se sobre as razões que o levaram a arrendar uma casa por 47,7 mil MTn mensais quando era possível encontrar alternativas mais baratas, respondeu que não podia entrar em mais detalhes, uma vez que ainda não tinha tido acesso ao relatório do TA.
“Eles (TA) devem-nos enviar o documento para reagirmos”, exigiu Máquina, que tem como uma das competências coordenar a elaboração, execução e o controlo dos planos e orçamentos das actividades do Governo provincial.
Assegurar a coordenação da execução e controlo das decisões do Governo provincial são outras das competências de António Máquina.

Indignação do Tribunal Administrativo

O TA, no seu parecer, critica com dureza a compra do imóvel e outros bens, afirmando que a mesma foi feita atropelando todos os procedimentos exigidos por lei.
Constitucionalmente, o TA, na sua vertente de contas, é um órgão de controlo externo, com competência para emitir relatórios e pareceres sobre a CGE.
Na sua qualidade de auditor das contas do Estado, o TA fiscaliza a legalidade e legitimidade das despesas públicas, e a aplicação dos recursos financeiros obtidos no estrangeiro, através de empréstimos, subsídios ou donativos.
No entender do TA, o contrato para a aquisição deste imóvel não foi submetido à análise da legalidade administrativa e financeira, o que o torna ilegal.
“Estes contratos por serem geradores de despesa pública e celebrados por entidades públicas, estão sujeitos à fiscalização prévia do TA nos termos da alínea c) do n 1 do artigo 3 da Lei n 13/97 de 10 de Julho”, argumenta o TA.
Acrescenta que o imóvel, adquirido com fundos públicos, não está registado como propriedade do Estado.
Contraditório
Durante o auditoria, o TA enviou um ofício à Secretaria Provincial de Sofala, que é dirigida pelo secretário permanente, para efeitos de contraditório.
Basicamente, o TA pretendia saber se a Direcção Provincial das Obras Públicas e Habitação (DPOPH) participou na avaliação do imóvel, segundo exige a lei.
A resposta que obteve foi de que a avaliação foi feita por uma entidade privada.
“Não havia necessidade de uma nova avaliação, tendo em conta que os critérios usados pelo avaliador são os que normalmente são usados”, respondeu a Secretaria Provincial ao TA.
Mas na óptica do TA, a Secretaria Provincial violou a lei ao não consultar a DPOPH no processo da avaliação da residência.
Outro pontapé à lei protagonizado pelo departamento de Máquina, segundo o TA, foi na selecção da empresa que reabilitou a residência.
A Secretaria Provincial de Sofala optou por solicitar cotações a quatro empresas na Beira, ao invés de promover um concurso público como manda a lei.
Já sobre as compras de mobiliário e outros bens, o TA enviou um ofício ao gabinete de António Máquina, solicitando os comprovantes de se ter cumprido a legislação vigente, bem como o princípio da economicidade.
Em resposta, o gabinete de Máquina disse que em relação ao mobiliário de cozinha, a Zináfrica é a única empresa na cidade da Beira a oferecer cozinha modular em madeira maciça, além de que a cotação da outra empresa (INTERCASA) era mais elevada em relação à que foi adjudicada.
Mas o TA censura este procedimento, afirmando que a compra de mobiliário e electrodomésticos foi ilegal, por não ter sido antecedida de um concurso público e à fiscalização prévia do Tribunal.

Para António Máquina
Casa arrendada por 47,7 mil Mtn
Quando António Máquina foi nomeado para secretário permanente de Sofala, em 2005, viveu durante pelo menos quatro meses numa residência arrendada, onde o Estado pagava cerca de 47,7 mil Mtn mensais.
Este valor é considerado exageradamente alto pelos auditores do TA, se comparado com outras rendas que o Estado paga nas residências ocupadas por directores provinciais em Sofala.
A título ilustrativo, os directores provinciais do Trabalho, Transportes e Comunicações, e dos Recursos Minerais viveram em casas, cuja renda era pouco menos de metade do valor que António Máquina pagava.
Já a Direcção Provincial da Educação e Cultura em Sofala celebrou quatro contratos de arrendamento de casa para seus funcionários a um mínimo de 4,5 mil Mtn e um máximo de sete mil Mtn/mês.
Segundo o TA, dos exemplos citados, constata-se que os valores das rendas “são manifestamente inferiores àquele que é pago pela Secretaria Provincial (47,7 mil Mtn), não se justificando o desembolso de tal montante, para alojar o secretário permanente da província (…)”.
Aliás, segundo o TA, o próprio António Máquina reconheceu na altura da auditoria que se encontrava numa casa arrendada, cujo valor não “é suportável por muito tempo, tendo em conta as limitações orçamentais da instituição”.
Para o TA, os contratos de arrendamento de residências em Sofala, incluindo o de António Máquina, não foram submetidos ao Tribunal para a obtenção de respectivo visto, sendo que as autoridades da província violaram a lei vigente.
SAVANA – 12.01.2007

Sem comentários:

Enviar um comentário