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segunda-feira, dezembro 11, 2006

Olá amigo Jerónimo

Por Machado da Graça

Olá amigo Jerónimo

Tudo em cima? 100%? Do meu lado também está tudo bem. Estou-te a escrever, embora com algum atraso, por causa de uma coisa que me irritou muito, a semana passada.

Tu sabes que eu já tinha desistido de ouvir na rádio as sessões da Assembleia da República, mas como o tema era a criminalidade resolvi ouvir o que o Governo e os deputados tinham a dizer sobre assunto tão importante para todos nós. O facto de as duas bancadas terem escolhido esse tema para interrogar o Governo dava-me esperanças que o assunto iria ser tratado seriamente.
Fiquei completamente chocado.
Logo de início o Governo partidarizou a questão com a estúpida insinuação de que o armamento dos criminosos é fornecido pelos homens armados da RENAMO. E, a partir desse momento, o disparate foi completo das duas bancadas. Deixou de se falar de um problema que preocupa toda a sociedade para se voltar à guerrilhazinha partidária sem qualquer base no tema em debate. Falou-se da luta armada de libertação nacional e falou-se da luta pela democracia. Gabaram-se os generais da primeira e gabaram-se os generais da segunda. Vitoriou-se o líder da RENAMO e tudo o mais que passou pela cabeça dos ilustres deputados.
Só não se tratou, seriamente, foi do problema da criminalidade.
Sabes, Jerónimo, eu nem consegui ouvir o segundo dia. Mas dizem-me que foi pior que o primeiro.
Quando será que os nossos parlamentares percebem que estão ali para ajudar a resolver os problemas do país e não para se agredirem uns aos outros com tiradas oratórias de baixo nível?
Se há assunto em que as duas bancadas deveriam ter actuado unidas, esse assunto é, precisamente, a criminalidade, que atinge a todos, sem escolher cores partidárias. Pois se até a casa de Joaquim Chissano já foi assaltada, nada nem ninguém se pode considerar em segurança.
E aqueles senhores ali a dizerem parvoíces uns aos outros!
Num programa de rádio o Dr. Jeque, numa escala de 1 a 10, deu 4 à prestação do ministro do Interior.
Penso que foi a sua natural delicadeza que lhe ditou essa nota. Para mim José Pacheco não mereceu mais do que 1 ou 2 numa tal escala.
Mesmo as estatísticas que ele foi para lá esgrimir para provar que a criminalidade está a descer, me parece que têm a mesma razão dos linchamentos: a população já não acredita nas forças policiais e, por essa razão, já não comunica sequer os crimes à Polícia.
E, logicamente, eles não aparecem nas estatísticas.
Agora vir dizer que a criminalidade está a baixar é brincar connosco. É falta de vergonha na cara.
Desde a formação do actual Governo que achei que a nomeação de José Pacheco para a pasta do Interior era um erro de casting de Armando Guebuza.
E publicamente o disse. Estou convencido que ele poderia ter ocupado com sucesso outro ministério com características diferentes. Agora o Interior foi deixado por Almerindo Manhenje num estado de total infiltração por corruptos e ladrões, gente associada ao crime organizado e gente ao serviço do crime organizado.
Ali era preciso uma acção de limpeza forte e decidida. E a auditoria que Pacheco mandou fazer às contas do ministério até parecia que era um primeiro passo nesse sentido. Só que se ficou por aí e, como de costume, o assunto foi abafado sem ninguém ser punido pelo desaparecimento de uma loucura de dinheiro dos cofres.
Hoje vêm-nos dizer que a Polícia tem falta de meios para trabalhar, mas ninguém associa isso às quantias enormes que foram roubadas no MINT.
Quantas viaturas, quanto fardamento, quantos salários poderiam ter sido pagos se esse dinheiro não tivesse ido para bolsos particulares?
Mas nós continuamos com a política de que há crime mas não há criminosos; há corrupção mas não corruptos.
E, enquanto assim continuarmos, meu caro Jerónimo, as coisas vão piorar ainda mais. Não vão melhorar de forma nenhuma.
Um abraço para ti do

Machado da Graça

CORREIO DA MANHÃ(Maputo) - 02.11.2006

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