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domingo, dezembro 17, 2006

Gritos e protestos internacionais

-“A credibilidade está perdida”, Brenda Horne, directora executiva da Maputo Corridor Logistics Initiative (MCLI) -“Vai contra os objectivos e ambições de desenvolvimento do presidente Guebuza”, Embaixada dos EUA

Por F. Gonçalves e F. Carmona

Continua quente a polémica criada pela instalação de um "scanner" no Porto de Maputo, tendo o caso, para além do braço de ferro que provocou entre o governo e os operadores económicos, atingido agora contornos diplomáticos.
A instalação do "scanner", numa operação que será alargada a outros portos importantes do país, nomeadamente Beira e Nacala, foi justificada pelo Governo como sendo uma medida visando permitir melhor segurança nas operações do comércio externo, bem como minimizar a intensidade de fuga ao fisco nesta área, por parte de operadores desonestos.
Este tipo de medidas são também exigidas pelas normas que regem o comércio internacional.
Assim, a polémica não está directamente relacionada com a instalação deste equipamento de
inspecção não intrusiva, mas pelo método não discriminatório que está a ser aplicado no seu uso, e que os utilizadores do porto consideram injusto, podendo lesar os objectivos de desenvolvimento económico do país.
A Kudumba Investimentos, empresa a quem foi atribuída a concessão para a operação do sistema de inspecção electrónica de mercadoria no porto, é acusada de estar a fazer cobranças por toda a carga que passa pelo porto, independentemente dela ser ou não sujeita à observação pelo "scanner".
Apreensão dos doadores
Esta prática está a provocar uma certa apreensão (e até revolta) junto da comunidade de negócios que utiliza o porto para as suas importações ou exportações, alegando que o sistema é um instrumento de trabalho das Alfândegas nas suas legítimas atribuições de combate contra o contrabando e a evasão fiscal.

Nessa perspectiva, os utilizadores do porto consideram que não podem ser penalizados por
factores que são de organização interna das autoridades alfandegárias.
A questão ameaça afectar negativamente as relações entre Moçambique e os seus principais
doadores externos, alguns dos quais têm as suas empresas a operar em Moçambique.
Uma das justificações dadas pelo governo para a introdução deste sistema de inspecção não intrusiva de carga foi de que estava a responder às exigências internacionais sobre o comércio externo, e em particular na sequência das medidas de segurança introduzidas pelos Estados Unidos depois dos ataques de 11 de Setembro.
Contudo, numa carta dirigida pela embaixada dos Estados Unidos ao ministro da indústria e comércio, António Fernando, aquela representação diplomática diz que a inspecção exigida em relação à mercadoria destinada aos Estados Unidos é apenas documental, e não física.
“Embora os Estados Unidos exigem 100 porcento de inspecção em relação a toda a mercadoria que se destina aos Estados Unidos, o que significa documentação pré-embarque, não há exigências de inspecção física”, diz a carta, cuja cópia está na posse do SAVANA.
Questões de segurança sobre o comércio internacional são reguladas pelo Sistema de Segurança Portuária da Organização Internacional da Marinha Mercante (ISPS).
Contudo, a carta a que nos referimos reitera que “nem o ISPS nem qualquer regulamento dos Estados Unidos exigem a inspecção (electrónica) de contentores ou de carga a granel”.
Para além disso, acrescenta, “a prática internacional comum é de que quando a inspecção (electrónica) é realizada, normalmente cobrindo apenas entre cinco e 15 porcento da carga manuseada, ela é feita sem quaisquer encargos para o exportador ou para o importador”.
A carta, datada de 8 de Novembro, com cópias para os ministros das Finanças e dos Transportes e Comunicações, e para o Director Geral das Alfândegas, acrescenta: “Embora congratulemos o Governo de Moçambique pela sua acção pró-activa no que respeita à segurança portuária e fronteiriça, estamos seriamente preocupados com a actual política de inspecção. De forma significativa, a estrutura de taxas actualmente praticada em Moçambique não corresponde às práticas geralmente aplicadas ao nível internacional e regional”.
Considera ainda que o actual sistema coloca um ónus desnecessário sobre o sector privado, com um impacto económico negativo que não deve ser descurado.
“Neste momento crítico do desenvolvimento de Moçambique, apoiar o sector privado e melhorar o clima de negócios são essenciais para o contínuo crescimento e sucesso a longo prazo. Pedimos ao governo para que reavalie cuidadosamente os actuais procedimentos e estrutura de taxas (de inspecção electrónica) de modo a alcançar uma resolução justa e viável desta questão”, conclui a carta.
Nota de um operador
A questão das taxas aplicadas pela Kudumba pela utilização do scanner no porto de Maputo tem provocado uma intensa movimentação entre a comunidade de negócios nacional e estrangeira.

Reproduzimos aqui, para uma breve imagem do que se está a passar, a comunicação de um gestor de frete e navegação em Nelspruit para o seu cliente, manifestando as suas inquietações pelo que está a acontecer. Propositadamente omitimos os nomes do autor e do destinatário desta comunicação, bem como as respectivas empresas.
“Gostaria de informar que estamos muito preocupados com as taxas de inspecção de contentores e as desnecessárias implicações nos custos. Todos os contentores são selados imediatamente depois do seu carregamento, e o número do selo no contentor é verificado em ambos os lados da fronteira, e depois à chegada ao porto e também imediatamente antes da sua embarcação. Portanto não existe nenhuma oportunidade de importar/exportar ilegalmente mercadoria para/de Moçambique durante o período de trânsito naquele país. Isto, independentemente de se o trânsito é por estrada ou via férrea.

“Durante muito tempo temos estado a pressionar várias companhias de navegação para que se dirijam directamente ao porto de Maputo, com uma ligação directa para o Extremo Oriente, e agora que uma companhia foi suficientemente corajosa e testou as águas, o governo salta para o comboio do enriquecimento rápido. Consideramos inaceitável que o governo tenha decidido introduzir estas ridículas e injustificadas taxas sobre mercadoria em trânsito.
“Por favôr note que temos um considerável volume de carga que poderíamos canalizar através do porto de Maputo, mas mas não podemos considerar essa opção enquanto continuarem em vigor as taxas de inspecção de contentores”.
A credibilidade está perdida
Brenda Horne, directora executiva da Maputo Corridor Logistics Initiative (MCLI), que está a liderar a campanha contra o actual sistema de inspecção de mercadorias no porto de Maputo, considera que a actual situação poderá colocar em causa futuros investimentos para o desenvolvimento deste porto, para além de provocar o êxodo da maioria dos actuais clientes que passarão a utilizar outros portos concorrentes, tais como os de Durban e de Richards Bay, na África do Sul.

“Clientes da África do Sul e da Suazilândia já estão a reagir a estas medidas, transferindo os seus negócios para os portos de Durban e de Richards Bay, onde não se impõem taxas pela inspecção (electrónica) de carga”, diz ela.
A MCLI , com sede em Nelspruit, é uma associação que representa os interesses dos utilizadores do porto de Maputo, incluindo as agências transitárias. A sua principal acção é a promoção da utilização do porto de Maputo. Alguns dos membros da associação são empresas moçambicanas que são os principais clientes do porto. Outros são operadores económicos nas regiões de Gauteng e Mpumalanga, na África do Sul, e na Suazilândia.
Os protestos da MCLI baseiam-se naquilo que os seus membros consideram uma flagrante violação das normas internacionais.
Horne diz que métodos não intrusivos de inspecção de carga são aplicados pelas autoridades
aduaneiras em todo o mundo como forma de prevenção contra o contrabando. Portanto, acrescenta, são bem vindos em Moçambique.
“O seu principal objectivo é detectar mercadoria contrabandeada, e as receitas aduaneiras resultantes disso pagam pelo equipamento e sua utilização. Somente numa pequena percentagem de portos se impõe uma taxa, e mesmo assim, apenas para contentores que tenham passado pelo sistema electrónico de inspecção”.
De acordo com especialistas na indústria, a interpretação normal entre os operadores portuários é de inspeccionar a carga de forma aleatória, geralmente com base em informações previamente fornecidas pela polícia ou pelas autoridades alfandegárias.
Segundo as mesmas fontes, no porto de Durban,por exemplo, um dos principais concorrentes do porto de Maputo, somente entre 10 a 15 por cento do volume de carga manuseada passa pelo "scanner" e sem nenhuma taxa para os utilizadores deste serviço.
Em Richards Bay não há "scanners" porque o porto apenas manusea carga a granel, que não necessita de passar pelo "scanner" não estando sujeita a direitos alfandegários.
O que está a acontecer em Maputo, diz Horne, “é que a Kudumba, com o aval do Governo de
Moçambique, está a impôr aquilo que chama uma ‘taxa de serviço’ sobre toda a carga que passa pelo porto de Maputo. Isto, independentemente de passar ou não pelo "scanner”.

As taxas impostas pela Kudumba variam entre 100 dólares por contentor para importações; 70 dólares por contentor para exportações; 40 dólares para contentores em trânsito; e 20 dólares para contentores vazios.
Contrariamente à prática efectuada noutros portos, as taxas incluem também carga a granel, tal como carvão, crómio, citrinos, açúcar e granito.
Trata-se de taxas que se estima que com base no actual volume de manuseamento de carga no porto de Maputo, poderão trazer receitas adicionais de mais de 6 milhões de dólares por ano. Mas em contrapartida se a medida não for revista, o porto poderá perder cerca de 170 milhões de dólares em investimentos de desenvolvimento de infra-estruturas, ficando sem clientes.
Preocupações do Banco Mundial e FMI
Ao que se sabe a questão é também de elevada preocupação para a comunidade dos doadores, incluindo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que têm estado a diligenciar para que as autoridades moçambicanas reconsiderem a sua posição. O assunto terá sido mesmo abordado nas discussões que o Presidente Armando Guebuza manteve com os governantes e empresários britânicos durante a sua recente visita a Londres.
Reacção da Embaixada dos Estados Unidos
Kristin Kane, adida de imprensa da Embaixada dos EUA em Maputo, não confirmou nem desmentiu a existência de uma carta enviada ao Governo moçambicano, através do ministro da Indústria e Comércio, António Fernando.
“É política dos EUA não comentar sobre uma comunicação enviada de Governo a Governo”, frisou.
Quando abordada pelo SAVANA, através de um dos seus assessores, para se pronunciar sobre o assunto, António Fernando, mandou informar que o problema é da compentência exclusiva do ministro das Finanças, Manuel Chang. Este, por sua vez, quando interpelado por este jornal num dos intervalos da sessão do Parlamento, declinou comentar, alegando que quem o devia fazer é o ministro da Indústria e Comércio. “Se a carta foi enviada para ele, ele é que deveria falar”, frisou.
Protestos do empresariado nacional
Numa missiva enviada à CTA, em Junho passado, a Associação dos Agentes de Navegação,
Transitários e Operadores Portuários de Moçambique (ASANTROP), afirmava que os custos pela utilização dos "scanners" não devem ser transferidos para os agentes económicos.
Segundo a organização, isso equivaleria a dizer que sempre que as Alfândegas, em cumprimento das suas competências, tenham que modernizar os seus equipamentos de controle e de vigilância, os utentes deverão pagar os respectivos custos de investimento.
“Para recuperar tais custos nós os agentes não temos outro meio, senão recorrer aos nossos clientes através do aumento dos custos da operação em trânsito”, frisam.
Afrimava, a referida carta, que caso estas medidas continuassem a ser postas em prática elas actuariam como factores inibidores para o incremento do tráfego nos portos moçambicanos, podendo agravar a situação da difícil competitividade com que se deparam os operadores nacionais.

A sua sugestão era de que todos esses custos fossem absorvidos pelas Alfândegas, porque, no seu entender, o equipamento “é um instrumento de trabalho alfandegário”.
Reiteraram que com estas taxas os custos com contentores cheios em trânsito deverão aumentar em 68% no Porto de Maputo e 23% nos portos da Beira e Nacala.
Kekobad Patel, responsável do pelouro de reforma aduaneira na Confederação das Associações Económicas (CTA), indicou que há claramente uma pressão muito forte dos operadores económicos locais e, sobretudo, dos sul-africanos que defendem que a carga em trânsito não devia ser debitada a 100%. "Estão a inspeccionar entre 10 a 15% da carga e a debitar 100%, o que é inaceitável”, frisou

As ligações da Kudumba com o Partido Frelimo

A Kudumba, investimento Lda, foi constituída em Outubro de 2004, possuindo um capital social avaliado em um bilião de meticais. Dela não se conhece nenhuma experiência na gestão de "scanners", muito menos de algo que tenha a ver com as Alfândegas. Ganhou um alegado concurso público internacional para gestão dos polémicos "scanners", numa operação cujos contornos não são de domínio público.

Chassan Ali Ahmad, de origem libanesa e descrito pela imprensa angolana como persona non grata naquele país, é o accionista maioritáro com 40 por cento das acções, contra 35 por cento da SPI, Gestão e Investimentos, uma holding que gere os negócios do partido Frelimo.

Chassan Ahmad, homem forte da Kudumba, é também sócio na Home Center com João Américo Mpfumo, um general do exército na reserva, com ligações em muitas áreas empresarias, sobretudo no ramo dos transportes.

A Frelimo aburguesou-se exponencialmente desde o fim das pretensões socialistas nos meados dos anos 80, e intensificou o seu poder económico logo após o Acordo Geral de Paz, com uma estratégia aquisitiva centrada na privatização das antigas empresas estatais.
Alguns dos seus importantes quadros reuniram-se em consórcios empresariais, tomando conta das empresas recém privatizadas.

A SPI tem também interesses empresariais diversos, destacando-se a Emotel, que é, por sua vez, sócia da Vodacom, o segundo operador de telefones móveis em Moçambique. A Emotel, uma empresa de telecomunicações, é participada pela SPF-Sociedade de Participações Financeiras, onde um dos sócios é a Associação dos Antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional, conjuntamente com a SPI.

São variados os contornos do relacionamento do partido Frelimo em negócios, contornos que moldam, de uma forma particular, as práticas de financiamento político, as quais se confundem com trocas clientelares recíprocas, naquilo que desagua num complexo e intricado esquema de manipulação dos processos de aquisição de bens e serviços para as instituições públicas.
A título de exemplo, muitas das instituições públicas adquirem mobiliário na Home Center.

Outros sócios

Nas restantes acções da Kudumba, Momade Rafique Ismael Sidat detêm 20 por cento. Sidat está ligadoà empresa gráfica, Académica.

Alima José aparece com cinco por cento. A Kudumba tem como objecto social o exercício da actividade de distribuição logística, comercialização, informação, exploração e, em geral, comércio a grosso e a retalho de todo e qualquer tipo de bens.

O desenvolvimento da actividade turística e eco-turística, incluindo a construção, exploração e gestão de hotéis e restaurantes são outros tipos de actividades onde esta firma está envolvida.

Contudo, há preocupações da parte dos agentes económicos que questionam sobre até que ponto haverá transparência na importação e/ou exportação de mercadorias, tendo em conta que a Kudumba, gestora dos "scanners", se dedica ao comércio geral, incluindo importações.

Todo o mobiliário vendido na Home Center é importado.
“Achamos que é anti-ético o facto de uma empresa que tem como vocação o comércio geral estar envolvida na gestão dos "scanners”, considera Kekobad Patel.

SAVANA – 15.12.2006

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