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quarta-feira, junho 14, 2006

Partidos Políticos e Corrupção

Fragmentos do Relatório da USAID sobre Moçambique
“Um facto dominante da vida política moçambicana é a falta de clareza da linha que separa o partido (Frelimo) e o Estado, tornando assim a separação e o equilíbrio de forças em algo sem significado e que pouco contribui para controlar os excessos praticados por qualquer braço do governo ou do partido”.

(Maputo) Trazemos hoje a público outro extracto do Relatório Final sobre a Corrupção em Moçambique elaborado por uma equipa de consultores americanos que esteve a trabalhar no país o ano passado e o editou em Dezembro último. A parte que hoje aqui estampamos diz respeito aos Partidos Políticos.

Partidos Políticos

“O sistema de partidos políticos em vigor em Moçambique, dominado pêlos dois principais partidos políticos, a Frelimo e a Renamo, contribui de muitas maneiras para aprofundar a falta de responsabilização, de transparência e de eficácia que caracteriza o sistema político no geral.

Embora o país tenha transitado nominalmente para uma democracia eleitoral multipartidária, praticamente toda a contestação entre os dois partidos tem lugar nas urnas. Após ter conseguido resultados significativos nas eleições de 1994 e de 1999, a Renamo perdeu apoio considerável nas eleições gerais do ano passado. Um facto dominante da vida política moçambicana é a falta de clareza da linha que separa o partido (Frelimo) e o Estado, tornando assim a separação e o equilíbrio de forças em algo sem significado e que pouco contribui para controlar os excessos praticados por qualquer braço do governo ou do partido. A equipa ficou surpreendida com a relevância mínima da Assembleia da República em todas as suas discussões e o domínio do poder judicial pêlos interesses políticos é discutido noutro ponto deste relatório. O resultado desta situação é que a) a concorrência política - a oportunidade mais básica para os cidadãos responsabilizarem o governo - não é um recurso efectivo para se controlar o problema da corrupção e b) os braços do governo não facultam vias de controlo e fiscalização.


Corrupção na gestão das finanças dos partidos políticos e nas eleições

O domínio do regime Presidencialista, aliado ao fraco braço legislativo, faz com que a política eleitoral em Moçambique seja um jogo em que o vencedor fica com tudo. Este facto aumenta o que está em jogo no período eleitoral para ambos os partidos - um encorajamento ao comportamento corrupto, como é o caso da compra de votos, a utilização imprópria de recursos do Estado para as campanhas pelo partido no poder, o financiamento das campanhas a partir de fontes impróprias e a fraude eleitoral. Com efeito, embora todos estes comportamentos tenham sido notados em eleições anteriores, até à data, o seu nível não foi tão grande que tenha invalidado os resultados gerais das eleições.

Um partido político é elegível para os assentos na Assembleia da República e para a obtenção de fundos do Estado se tiver atingido cinco por cento do total dos votos em qualquer eleição para a Assembleia da República. Porém, até à data, esta disposição resultou em apenas alguns assentos na Assembleia da República para uma pequena coligação de partidos em 1994. Em 1999, dez pequenos partidos tiveram que se juntar à Renamo numa coligação para poderem obter assentos na Assembleia da República. Nenhum outro partido conseguiu atingir cinco por cento dos votos nas eleições de 2004.

Ambos os partidos recebem fundos do Estado proporcionalmente ao número de assentos que cada partido detém na Assembleia da República. Não existem leis que estipulem como é que se deve prestar contas sobre os fundos dos partidos obtidos através da angariação particular, daí que não exista praticamente nenhuma transparência na gestão destes fundos. Actualmente não existe o requisito de os partidos ou candidatos prestarem contas sobre os fundos que angariam, as fontes desses fundos, ou como os mesmos são utilizados. Com efeito, este tipo de prestação de contas parece não existir mesmo dentro da estrutura partidária. Um membro sénior da Renamo com quem falámos indicou que não tinha conhecimento de qualquer relatório financeiro alguma vez ter sido apresentado num congresso do partido. Contudo, os fundos gerados a título particular são relativamente insignificantes para a Renamo. A Frelimo angaria alguns fundos privados, mas não se sabe em que montantes. A Frelimo também possui investimentos privados, mas a sua dimensão não está clara.

Corrupção e falta de concorrência política

A Frelimo tomou o poder após a independência como única alternativa viável ao regime colonial e governou o país como Estado monopartidário até à assinatura do acordo de paz e à realização das primeiras eleições registadas no país em 1994. Todavia, a estrutura e o comportamento institucional da Frelimo pouco mudaram com o advento do multipartidarismo. O partido herdou uma infra-estrutura significativa desde a altura do regime monopartidário, como por exemplo os edifícios do partido construídos aos níveis distrital, provincial e nacional que lhe permitiram manter uma presença física alargada. Embora a separação das funções do Estado e do partido tenha sido decretada legalmente, na realidade, muitos funcionários do Estado ainda são membros da Frelimo e, por isso, muitas das normas vigentes da era do monopartidarismo sobreviveram.

Frelimo beneficia imenso de recursos do Estado

“O desequilíbrio da força organizacional é simultaneamente a causa e o sintoma da corrupção e da falta de transparência que caracteriza o sector público em Moçambique. A Frelimo beneficia imenso do acesso aos recursos do Estado não apenas durante as campanhas políticas, mas talvez ainda mais da capacidade contínua de utilizar o seu controlo do Estado para dar protecção sob a forma de emprego e acesso aos serviços públicos. Este facto contribui para manter o domínio político, em especial nas zonas rurais onde as alternativas aos postos de trabalho e serviços prestados pelo Estado são mais reduzidas, o que, por sua vez, reduz ainda mais a oportunidade de as pessoas se sentirem à vontade para condenarem as actividades de corrupção e outros abusos do poder. (Tal como disse um entrevistado, "quanto mais se afasta de Maputo, menos liberdade existe"). Os dois partidos mostram-se extremamente hierárquicos e controlados ao nível central. Esta situação limita o contributo ou a participação das bases e favorece o tipo de elitismo e de nepotismo que têm caracterizado o sistema político nos últimos anos.

Recomendações para a reforma

A probabilidade de reforma no funcionamento dos partidos políticos ou na concorrência entre os dois partidos dominantes é uma questão essencialmente de vontade política. A influência que os doadores podem exercer é reduzida, salvo no contexto do diálogo diplomático e das políticas que enfatiza os problemas criados pela falta de transparência no sistema político e pela utilização não controlada dos recursos do Estado para fins políticos. Os programas dos doadores implementados no passado investiram no fortalecimento dos partidos políticos em Moçambique, mas a eficácia organizacional da Frelimo e a falta de visão da liderança da Renamo são aspectos que contribuíram para que o programa não tivesse o impacto desejado de aumentar a concorrência política em Moçambique.

Posto isto, entre as mudanças que os dirigentes políticos deveriam ser encorajados a considerar encontram-se as seguintes:

• Regulamentos para a declaração transparente de todas as receitas e despesas dos partidos, incluindo a exigência da realização de auditorias regulares. Esta medida deve, obviamente, ser acompanhada por uma declaração regular e transparente das receitas e despesas dos partidos.

• Reduzir a barreira dos cinco por cento para os novos partidos políticos conseguirem assentos na Assembleia da República por forma a encorajar o desenvolvimento de novos partidos políticos e permitir novas vozes e perspectivas no debate nacional.

• Criação de uma unidade de análise parlamentar apartidária que preste apoio a todos os deputados facultando-lhes informação, análises e assistência na elaboração de legislação. Uma unidade desta natureza poderia potencialmente contribuir para sanar as actuais disparidades que se verificam dentro da Assembleia da República em termos de acesso à informação, que muitas vezes é transmitida em primeiro lugar aos membros do partido Frelimo, deixando os deputados do partido minoritário sem informação ou análise para sustentar as suas conclusões. No geral, isto pode contribuir para moderar as fragilidades da Assembleia da República como fórum de discussão de questões de relevância nacional, como é o caso da corrupção.

Não existe política orçamental da Frelimo distinta da do Estado

Partidos políticos. Na realidade, não existe uma política orçamental da Frelimo distinta da do Estado. O conteúdo do orçamento provém do executivo, e não do partido. Todavia, a abordagem de algumas questões orçamentais básicas reflecte a posição ideológica geral do partido: por exemplo, o tabu quanto à discussão de questões de equidade territorial na afectação dos recursos e na prestação de serviços reflecte a posição da Frelimo sobre a unidade nacional, o que deixa uma margem reduzida para se tomarem em consideração os interesses regionais.

Cana de Mocambique (2006-06-12)

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