- conclui Relatório Americano de Avaliação
“A corrupção floresce em Moçambique porque a responsabilização do governo perante os cidadãos do país e perante a lei não é suficiente, o sistema é facilitado por falta de fiscalização independente da Assembleia da República, por um sistema judicial que coloca a política acima da Lei e por falta de transparência” nesta “democracia eleitoral com um regime monopartidário virtual, um país regido por um quadro legal sofisticado que é implementado selectivamente, e uma economia nacional que transitou de um sistema socialista para um regime em que os interesses empresariais e políticos estão estreitamente interligados”
Chegado de fresco ao país o «Canal de Moçambique» já o tem. É avassalador. Mais: é arrasador. É da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Trata-se de uma “Avaliação da Corrupção em Moçambique”. Retracta e põe a nu o cancro endémico a que estão votados os poderes Executivo, Legislativo e Judicial, no país. É a maior denúncia até hoje produzida por uma instituição internacional. Apresenta as conclusões de uma avaliação da corrupção efectuada por uma equipa da USAID/Washington e da «Management Systems Internacional (MSI)» entre os dias 8 e 23 de Agosto de 2005, concluído em Dezembro e depositado em Moçambique há dias.
O relatório é demolidor mas aponta caminhos de onde se vislumbra solução. Diz expressamente e sem rodeios que o nível e âmbito da corrupção em Moçambique constituem motivo de alarme e podem mesmo comprometer a paz, considerando-a “sintoma de fragilidades ao nível democrático e de governação existentes no País” as quais sendo “estruturais amplificam uma ameaça que tem o potencial de minar o progresso futuro de Moçambique”.
É objectivo e concreto. Afirma sem rodeios que em Moçambique há “desvio de valores significativos dos cofres do Estado”; “mau comportamento e abusos” como por exemplo “favoritismo e nepotismo nas nomeações e aquisições do Estado, conflitos de interesses e transações internas que beneficiam amigos, parentes e aliados políticos” e ainda “decisões, de partidos políticos e eleitorais, que reduzem as escolhas democráticas e a participação dos cidadãos”.
O relatório fala também objectivamente em “inquietantes alegações de ligações entre funcionários corruptos do governo e o crime organizado”,
O documento classifica, esta doença que está dar cabo de Moçambique, a dois níveis: o dos “pequenos casos de corrupção administrativa”, que se verifica a níveis de postos de controlo policial, unidades sanitárias, escolas e departamentos do governo” e o dos “casos graves de grande corrupção e de apropriação do Estado a níveis mais altos do governo”.
É denominador comum do relatório da USAID que a corrupção tem vindo a alastrar nos últimos 20 anos, “tendo agora atingido praticamente todos os sectores, funções e níveis do governo”.
“O nível e o âmbito da corrupção em Moçambique atingiram níveis alarmantes e potencialmente representa um risco para a governação democrática nascente no país”.
Resultados de pesquisas ao fenómeno da corrupção, que vem sendo publicados desde 2002, sempre revelam o quão a galope está este cancro. Em Dezembro de 2004, um estudo encomendado pelo governo a Unidade Técnica de Reforma no Sector Público (UTRESP), e que foi dirigido pela Austral Consultores, colocava os três poderes na dianteira da corrupção. O estudo da USAID, vem adicionar “lenha na fogueira”. Cerca de ano e meio depois de iniciada a governação de Armando Guebuza, que apresenta como um dos seus cavalos de batalha a “luta contra a corrupção”, o relatório chega a questionar se haverá de facto vontade política para isso.
“É já grande a corrupção ao nível da Elite que define e limita a capacidade até mesmo dos indivíduos corajosos que pretendem fazer a diferença”, constatam os produtores do documento.
Eles dizem a certa altura do vasto relatório que debelar-se este estado endémico a que se chegou “é uma questão de vontade política do governo” e de “transparência do governo”.
Aos doadores são pedidas acções, deixando subjacente a ideia de que possam estar, com a passividade até aqui demonstrada, a ser um dos principais estimuladores do estado calamitoso a que chegou a ética em Moçambique. Dizem os produtores do relatório, a dada altura, que em Moçambique a corrupção “é política e não técnica” pelo que aos “doadores” se pede que “desempenhem um papel crucial através da coordenação das suas mensagens e esforços ao mais alto nível”.
Lê-se também no documento a que temos estado a fazer referência que “a grande corrupção – a partidarização das elites em esforços com vista a consolidar e a proteger a sua parte do poder e da riqueza – constitui o problema crítico em Moçambique”. “Sem mudanças significativas nos incentivos destas elites, é pouco provável que a forte liderança política necessária para alterar os factores que incentivam um comportamento corrupto ao nível administrativo se venha a materializar”.
Entre os factores que facilitam o alastramento da grande corrupção o estudo destaca as seguintes: “Domínio de um único partido e falta de controlo e fiscalização; Fusão dos interesses políticos e económicos da elite; Norma jurídica limitada e impunidade por comportamento corrupto; Alegada ligação entre a corrupção e o crime organizado; Falta de transparência e de acesso à informação; Mecanismos de responsabilização inadequados; Tolerância popular da corrupção e receio de retaliação; Burocracia politizada e ineficaz e o legado social”.
O estudo aborda a corrupção por sectores, sendo dissecado o fenómeno na Justiça, Saúde e Educação. A corrupção é também vista à lupa nas funções do Governo, Finanças Públicas e Orçamento, Aquisições do Estado, Alfândegas e Inspecções. Os municípios e os partidos políticos não escaparam ao observatório da USAID.
(Luís Nhachote) – CANAL DE MOÇAMBIQUE – 06.06.2006
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