Por Paulo Machicane da Agência Lusa
A capital moçambicana voltou este mês a ser palco de espancamentos mortais protagonizados por populares contra alegados criminosos, numa resposta à aparente impotência do Estado em conter a delinquência registada em várias zonas de Moçambique.
A população matou dois irmãos no bairro T3, um terceiro indivíduo em Ndlavela e um quarto homem na Matola, todas zonas dos arredores de Maputo onde a criminalidade mais se faz sentir.
Três das quatro vítimas eram acusadas de diversos crimes, sobretudo violações, e o quarto terá morrido apenas por ser irmão de um dos perseguidos pelos populares.
Os linchamentos não são novidade na zona de Grande Maputo, continuando na memória de muitos as mortes com pneus em chamas de supostos "ninjas", nome atribuído nos princípios da década de 1990 aos suspeitos de crimes.
A população justifica estas "execuções sumárias informais" com a descrença em todo o aparelho estatal de combate à insegurança, dando como exemplo a libertação de alegados criminosos, logo após serem entregues às autoridades.
"O recurso à justiça privada, completamente fora da lei, revela que as instituições do Estado estão em crise e já ninguém acredita nelas. Os cidadãos optam por meios alternativos de defesa, porque o Estado está ausente", afirmou, em declarações à agência Lusa, o sociólogo João Colaço, docente de Sociologia da Comunicação na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
Este académico acrescentou que as abordagens até agora implementadas pelo Governo moçambicano no combate à criminalidade têm falhado, por não terem um carácter abrangente na sua adopção.
"O facto de o crime recrudescer nas zonas onde temos a polícia comunitária e ser exactamente aí onde a população se vinga dos supostos criminosos é um indício de que a implementação da ideia de polícia comunitária está a falhar, apesar do mérito da iniciativa", destacou.
João Colaço considerou que a impunidade com que alguns alegados malfeitores se movimentam na sociedade demonstra a vulnerabilidade dos agentes da lei à corrupção e a interferências nocivas.
"A polícia moçambicana aufere salários que mal dão para a sua sobrevivência e opera num contexto de insuficiências tais que só pode ser permeável à corrupção", enfatizou João Colaço.
A Liga dos Direitos Humanos alerta que os linchamentos põem em causa o Estado do Direito, que assenta no facto de a prerrogativa das sanções penais ser exclusiva do Estado e só ser legítima dos privados em casos estritamente apertados.
"A retaliação fora da lei irá causar uma espiral de violência incontrolável, em que os mais fortes poderão vingar-se e os fracos estarão à mercê da anarquia. É por isso que o Estado tem a obrigação de pôr cobro a isto", advertiu Carlos Duma do gabinete de Monitoria e Reforma Legal da Liga dos Direitos Humanos.
Ainda assim, o jurista reconheceu que os linchamentos de alegados criminosos revelam a quebra de confiança dos cidadãos nas instituições de administração da justiça.
"A população não pode, volta e meia, ver a circular à vontade um indivíduo sobre quem recaem fortes suspeitas de ter praticado um crime. Quando isto acontece, instala-se o terror e logo há a tentação de fazer o que se diz 'justiça com as próprias mãos'", sublinhou Duma.
Aquele activista dos direitos humanos disse que as instituições de aplicação da justiça devem ser céleres e eficazes no esclarecimento de casos criminais, para merecer o crédito dos cidadãos.
"As pessoas precisam de sentir que quem transgredir as normas de convivência social será chamado à responsabilidade, através da sua adequada reintegração social na cadeia e não haver a mínima desconfiança de que reina a impunidade", sublinhou Carlos Duma.
A polícia, acusada de conivência com o crime, deplora os espancamentos de alegados criminosos, lembrando que, "no Estado moçambicano a ninguém é lícito recorrer a meios coercivos privados, senão nos termos da lei".
"O crime tem de ser reprimido pela polícia e tribunais e não pelos particulares, tirando os casos de legítima defesa, que não é de modo nenhum a situação dos linchamentos", afirmou à Lusa Ilídio Miguel, porta-voz do comando-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM).
Miguel acrescentou que os cidadãos envolvidos em agressões contra supostos malfeitores podem também ser alvos de acções penais, à luz da Constituição moçambicana, que proíbe a "vingança privada".
O porta-voz do Comando Geral da PRM apelou à colaboração da população na denúncia de agentes criminosos, de forma a garantir a ordem e segurança pública.
"Se a população espanca é porque tem alguma informação sobre a conduta desses indivíduos, sendo por isso lícito denunciá-los às autoridades", sublinhou Ilídio Miguel.
Fonte: Notícias lusófonas
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