Por: Linette Olofsson*
A Mulher é a guardiania da espiritualidade humana. É a matriz da vida. É a personificação da grande Deusa. É a que acolhe, cria e desenvolve os processos de vida. É a perfeição mais perfeita e completa do Universo. Contudo, todos estes atributos podem não passar de poesia quando olhamos para o passado e presente da mulher no nosso país.
Esta reflexão vêm a propósito de mais um 7 de Abril, dia consagrada pela Frelimo como sendo o dia da mulher moçambicana.
Em Moçambique, na fase pós-independência, a constituição da primeira República estabeleceu direitos iguais para homens e mulheres. Não obstante este facto, a situação da mulher em Moçambique continua a ser influenciada predominantemente pela tradição e pelas atitudes e estruturas do passado. A falta de capacidade de gerência para o melhoramento das receitas e da segurança alimentar das famílias; a persistente divisão do trabalho na base do gênero; o analfabetismo, o HIV/SIDA e a mortalidade materno infantil têm constituido obstáculos para a participacao da mulher em novos empreendimentos e na vida pública. Os dados oficiais apontam que Mocambique tem mais de 19,889 milhões de habitantes (2006). Mesmo considerando a existência de alguns centros urbanos relevantes como Maputo, Beira e Nampula, a maior parte da população vive nas áreas rurais, distante das principais vias de comunicação. E, para o “agrado” do “gênero masculino”, a maioria de cidadãos é constituida por mulheres.
Sendo a maioria de cidadãos residentes em áreas rurais, não deixa de ser conveniente, oportuno e urgente apelar que se reforce o olhar para o empoderamento da mulher a partir do própria zona rural. É um exercício dificil se feito a partir do ponto em que me encontro (cidade capital e zona privilegiada dessa cidade). O que me importa afirmar nesta data consagrada a mulher em Moçambique é que chega de discursos prenhes de maquiavelismos, com alguns a acumularem privilegios pessoais nas cidades em nome da mulher rural. Na verdade, o que se assiste é uma grande exclusão deste grupo de mulheres na gestão e solução dos seus próprios problemas, quer à nível local, nacional e internacional. Penso que é tempo da mulher rural ocupar o seu espaço, na qualidade de legítima portavoz dos seus problemas, e nao permitir que o seu espaço continue a ser usurpado por mulheres que nada têm a haver com a sua realidade. E pode-se tomar como exemplo o que existe noutros quadrantes. Os governos da India, China, Bangladesh, Brasil e alguns países da America Latina são pioneiros na promoção da mulheres rurais, criando-lhes condições para a sua participação directa nos foruns regionais, internacionais e outros, como forma de as estimular na área especifica em que estão inseridas, pois entende-se que a zona rural é a base de desenvolvimento dos subdesenvolvidos.
No nosso país, infelizmente, as coisas estão invertidas. Os grupos que participam nestas cimeiras importantes de desenvolvimento ao nível mundial são constituidos por senhoras residentes em capitais provinciais, senão mesmo apenas na cidade capital do país (Maputo), preterindo-se a mulher rural que sofre na carne a “dor” de ser mulher numa sociedade em que a tradição dá privilegio ao homem.
A mulher mocambicana, como em outros países do continente africano, participou na luta de libertacao nacional, assumindo tarefas femininas e outras directamente relacionadas com a actividade militar. A maioria das guerrilheiras nao tiveram uma evolução notória no panorama político e social mocambicano. Com a excepção de Graça Machel (que pouco se sabe o quanto se embrenhou pela matas de Cabo Delgado e Niassa a procura da independência), nenhuma das guerrilheiras que lutaram lado-a-lado com homens naqueles tempos dificeis atingiu, após a luta de libertação, um lugar de destaque no panorama político do país. Quanto muito, ocuparam alguns cargos de direcçao (femininas, entenda-se) e de subalternidade na ex-Assembleia Popular durante a vigência do sistema monopartidário. Isto visava apenas emprestar certa credibilidade ao consagrado na constituição. Tal como jamais se admitiu uma mulher chefe de família, as mulheres na era samoriana mantiveram-se da mesma forma submissas ao homem.
Na esteira do actual debate de quem deve ser considerado herói nacional, comemora-se hoje o 7 de Abril dia morte de Josina Machel, considerada Heroina pelo partido Frelimo dentro de um especifico contexto Histórico.
O que se sabe e que se lê sobre Josina Machel é que foi esposa de Samora Machel; que foi uma das mulheres que “revolucionou” o papel da mulher na luta de libertação nacional. É dito também que foi uma das fundadoras da OMM e que morre vítima de doença a 7 de Abril 1971. Não se conhece discurso político nenhum desta “heroina”, para além de algumas pessoas que com ela privaram afirmarem que não passava de uma pessoa como outra qualquer, que teve apenas a “sorte” de ser a esposa do então líder.
Nesta data de 7 de Abril, o que pretendemos e o que questionamos é a herocidade de Josina. O que diferenciou Josina de outras mulheres combatentes naquela altura que também participaram na luta pela independência? O que fez dela uma mulher especial e que as outras não fizeram? Infelizmente, até hoje, ainda não existem estudos que nos mostrem uma grande difereça entre esta senhora e outras que também deram suas vidas heroicamente. Mas em Moçambique existem exemplos de mulheres de fibra. O exemplo da Dra. Joana Simeão pode se considerar um caso ímpar se visto com “olhos de ver” nos dias de hoje. Por conveniências políticas (neste país de todos nós), pouco se sabe sobre a trajectória dessa senhora, senão que foi reaccionária e traidora. Contudo, os poucos registos que existem ilustram que em 1974/1975 em Moçambique estava-se perante uma mulher de fibra, de facto, que na sua época havia ultrapassado algumas barreiras.
Com efeito, mulher moçambicana da etnia macua, Joana Simeão foi uma das poucas académicas de raça negra que se notabilizou nos anos 60 antes da independência nacional. Assassinada pela Frelimo por possuir uma visão política social diferente, se analisadas hoje os seus depoimentos televisivos e escritos, podemos chegar a conclusão de que se não lhe fosse tirada a vida seria uma grande mulher e, quiça, fonte de inspiração de muitas jovens, imediatamente após a conquista da independência. E, escusado é dizer o quão era necessário para as moçambicanas (na época) uma fonte de inspiração viva. Penso que Joana, muito teria contribuido para esta democracia nascida pela via do sangue e violência. De certa forma, embora alguns círculos ligados ao poder político em Moçambique comprometam-na com o regime salazarista (o que nunca se comprovou, documental ou detalhadamente), para todos os efeitos, Joana Simeão foi um caso excepcional da emancipação da mulher moçambicana. Contra toda a regra consuetudinária, foi a primeira mulher de Moçambique a bater-se, ombro à ombro, com homens na matéria de governação de um estado soberano. Na época, nenhuma mulher de raça negra, para não dizer de qualquer outra raça em Moçambique, foi tão longe quanto ela. Era uma mulher esclarecida que, não se comparando a muitas que viriam a ser cooptadas à heroinas por conveniências políticas, se pôs a brandir a sua valentia de não submissão cega. Tinha uma arma, o saber, que em 1975 teria sido uma mais-valia para a consecução do progresso da mulher em Moçambique. E, desde já, seria interessante que os jornalistas moçambicanos, sobretudo os ligados a estações televisivas como a STV, Miramar e outras, em colaboração com RTP, retransmitissem as entrevistas dessa figura, para que no presente todos possamos ajuizar. E isto pode ser feito por via de um programa específíco, de natureza política e social, visando esclarecer os que não viveram na época os sinuosos caminhos da descolonização portuguesa. Aqui – proponho – chamar-se-iam também os que lhe vilipendiaram na época (muitos ainda vivem) para apresentarem os seus argumentos e documentos da então acusação.
Quando de fala de 7 de Abril e de heróis nacionais o que se pretende não é negar a eventual heroicidade de Josina. Tal como é discutível a sua heroicidade, pretende-se, acima de tudo, que haja uma data consensual alusiva a mulher moçambicana, de modo a que todas as sensibilidades da esfera social moçambicana se sintam identificadas. E, penso que isto não é pedir demais, pois após longos anos de colonização estrangeira, a mulher rural mocambicana, enfrentou inúmeras adversidades durante a construçao do Estado independente; viveu uma ditadura do ploletariado imposta pela Frelimo e posteriormente a guerra civil; passou pelo processo de mudanças quer no plano económico, político e social; passou por um estado de guerra de armas num sistema de partido único, para um estado de “paz aparente” num sistema democrático parlamentar, mas continua a enfrentar a pobreza; doenças endêmicas e exclusão social, pois não obstante o processo de tranformaçoes do séc. XX, acompanhado pelo grande desafio que é globalização, ou mundialização neste limiar do sec. XXI, a mulher rural de Moçambique continua sendo o estandarte em que alguns se apoiam para alcançarem privilégios nas cidades capitais. Urge pôr fim a isto, e pôr a mulher rural a frente dos seus problemas. O sonho de Joana Simeão mantem-se vivo.
*Linette Olofsson
Deputada suplente
Circulo Eleitoral de Zambézia
EM MEMÓRIA DA MULHER MOÇAMBICANA
ResponderEliminarLembro-me, era 1977, um comandante da Frelimo na Base Aérea de Nacala, infelizmente pelo nome não me lembro. O comandante que era também estudante do curso nocturno na Escola Secundária de Nacala, costumava voluntariamente dar-nos estudo político. Ele era simpático e costumava contar-nos muito sobre as suas experiências, incluindo na luta armada. Um certo dia, então, contou-nos da valêntia da Joana Simeão. Dizia ele que numa visita que ele havia feito em M’telela, encontrou-se com a Joana Simeão com que quiz dialogar. O comandante pensou que a Simeão que tinha cicatrizes de ferimentos que havia apanhado numa tentativa de fuga, ia ouvir nela um discurso de “arrependimento”. Segundo ele, foi de contrário. Aquela mulher apresentou-se como líder política forte com princípios ideológicos bem assentes.
Obrigado, Linette. Já me sinto com dever de fazer pelo menos um textinho em memória de uma mulher moçambicana valente que se esconde pelo slogan “reaccionária”.